«Doente,
a antiga governanta é algaliada após ser submetida a exames ginecológicos, por
causa de uma infecção urinária crónica. Os responsáveis do lar terão, nessa
altura, confirmado: a caminho dos 89 anos, continuava virgem.»
(Miguel Carvalho, A Última Criada de Salazar, Lisboa,
Oficina do Livro, 2013, pág. 255).
Ao ler este pequeno excerto do livro, assim fora do contexto, a minha primeira reação é perguntar: "a caminho dos 89 anos a senhora continuava virgem. Mas e daí?"
ResponderEliminarPode ser que dentro do contexto até tenha alguma relevância ou interesse histórico ou sociológico, mas o que me causa alguma confusão é que "(ir)responsáveis" de um lar comentem/divulguem assim publicamente, como se fosse perfeitamente natural, algo que me parece ser do foro íntimo de uma das suas utentes. Mas isto é legal? Os lares não estão sujeitos a regras/deveres para com os seus utentes? Pode-se fazer isto sem sofrer qualquer "procedimento disciplinar"?
E agora, assim de repente, lembrei-me de uma coisa meio escabrosa e um pouco machista, que espero não choque os espíritos mais sensíveis: mas será que se um qualquer governante, acabar os seus dias num lar, há-de aparecer uma luminária a publicar algo do estilo
"Os responsáveis do lar terão, nessa altura, confirmado: a caminho dos 89 anos e apesar de sofrer de incontinência urinária, continuava a ter ereções matinais.", assim como se fosse uma coisa muito importante para a compreensão dos atos desse governante?
Enfim...
Partilho inteiramente o seu ponto de vista, como escrevi aqui:
ResponderEliminarhttp://malomil.blogspot.pt/2011/12/desde-1988-comunidade-lgbt-norte.html
Cordialmente,
António Araújo
António Araújo:
EliminarGostei muito de ler o que escreveu no link referido (não vale a pena repetir que é sempre um prazer ler o Malomil). Concordei com a maior parte do que afirmou, mas houve ali partes em que não estive completamente de acordo e que me obrigariam a um longuíssimo comentário, que ninguém teria a paciência de ler.
E isto porque há (pelo menos) 3 assuntos em que não consigo decidir qual a posição certa, porque são tudo menos lineares. A saber:
- a "legitimidade" do aborto;
- a pena de morte;
- o "outing" de alguns homossexuais (e enfatizo o "alguns").
Saudações cordiais
Mesmo estando a frase fora de contexto, parece-me que a afirmação deriva duma convicção do autor do livro, e não duma declaração do lar onde se encontra a senhora. Como quem diz, os responsáveis do lar "terão verificado" ou "terão constatado" ou "terão descoberto" algo que ele, autor, já sabia por outras fontes. Não é preciso ser um génio para deduzir a suspeita que haveria por trás dessa afirmação.
ResponderEliminarO que está em causa aqui é, tão-só, a espantosa constatação que uma quase-nonagenária «continuava virgem». Apenas isso.
EliminarCordialmente,
António Araújo
Anónimo de 8 de Set 14:54:
EliminarCom todo o respeito, vamos tentar não desconversar e peço-lhe que não entremos em "joguinhos mentais", que são sempre maçadores e não levam a nada.
Mesmo admitindo, como diz, que a "afirmação deriva duma convicção do autor do livro, e não duma declaração do lar onde se encontra a senhora" (já agora era o que mais faltava) em relação a "algo que ele, autor, já sabia por outras fontes", pergunto-lhe apenas como é que ele, autor, ou as outras fontes souberam que responsáveis do lar confirmaram que a senhora ainda era virgem aos 89? Andaram a ler os pensamentos dos responsáveis do lar?
Julgo que não é preciso ser um génio para perceber que se algo que se passou no lar (a confirmação por parte dos responsáveis de um "fenómeno" que talvez já suspeitassem) "transpirou" cá para fora é porque alguém do lar passou essa informação.
Pode até dizer-me que não terão sido os responsáveis do lar quem divulgou a dita informação, que até pode ter sido uma qualquer auxiliar mais dada à codrilhice. Mesmo assim, parece-me que quem é responsável por um lar tem o dever de zelar pela confidencialidade dos dados dos seus utentes ou, pelo menos, tentar apurar responsabilidades em caso de quebra de confidencialidade desses dados, quanto mais não seja confrontando o jornalista ou escritor que acabou por os divulgar.
Continuo a perguntar até que ponto é juridicamente ou eticamente legítimo divulgar informações desta natureza.
Além do mais qual a sua relevância? Espero que não seja para confirmar que o Salazar até era um ganda bacano e que a repressão sexual durante o Estado Novo se devia à maléfica influência da casta e virginal governanta - ressabiada por não "conhecer" homem - que, ao fim e ao cabo, governava não só a casa como o próprio país.