segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Qué me estás cantando?

 
 

 
O carro de Carrero continua guardado, e pode ser visto. Um Dodge blindado, de 2.300 quilos, que no dia 20 de Dezembro de 1973 voou pelos ares, no coração de Madrid. Na véspera, o presidente do Governo recebera Kissinger. No dia 20, voou mais de vinte metros, como o mostram as reconstituições aqui exibidas. O carro foi cair num edifício dos jesuítas, e assim morreu o delfim de Franco, o potencial sucessor do caudilho, na altura tinha 80 anos e sofrendo de Parkinson (Franco não foi ao enterro, presidido por Juan Carlos). A história da Operação Ogre é conhecida, e até se publicou um livro, Operação Ogre. Como e porquê matámos Carrero Blanco, que saiu primeiro em França, com a chancela Ruedo Ibérico, mas também foi traduzido cá, após o 25 de Abril. A autora, Eva Forest, mulher do dramaturgo Alfonso Sastre, assinou com pseudónimo, Julen Aguirre. E a partir do livro fez-se um filme, dirigido por Gillo Pontecorvo e com música de Ennio Morricone, em que se destaca a melodia Eusko gudariak. Tempos de heroicização da luta armada, em que Costa Gravas filmava Estado de Sítio, glorificando os tupamaros que matavam um alto funcionário da CIA.
 
 



 
 
 
O assassinato do almirante Carrero, além de anedotas e chistes (“Arriba Franco, más alto que Carrero Blanco”), deu também pretexto para uma música laudatória. A história dessa e doutras dezenas (ou centenas) de canções espanholas vem contada num livro recente e retumbante, misto de enciclopédia e narrativa autobiográfica: Qué me estás cantando?, de Fidel Moreno, é um tesouro incrível, pois está lá tudo, do Cara al sol a Lola Flores. Tudo mas tudo, contado com garra e graça. Euzkadi askatasuna. España, todos a una é uma cançoneta pavorosa, pavorosa. Só vale como documento histórico. Saiu num disco editado em França nos alvores dos anos 1970 e que tinha o título Un peuple en lutte: Espagne. Autoria de um grupo formado pelo cantautor Carlos Andreu, banda chamada Viva la Vida, para contrastar com o dito célebre de Millán-Astray. “Nació en terra, / vivió en el mar, / murió en el aire”, assim cantam os versos. Mais: “Quién mató al opresor?, / dicen que fue la ETA / quien le rompió la jeta”; “Carrerón se llamaba / y dieron en el blanco / ni cortos ni perezosos / fueron pues esos vascos” (não consegui encontrar a música no YouTube, mas pode ser ouvida em vários lugares da Net, existindo também uma nota desenvolvida sobre Carlos Andreu e este disco aqui; e, atenção, houve outras canções e baladas que glorificaram a morte de Carrero, incluindo uma versão de La Bamba entoada entre os estudantes universitários antifranquistas: "Yo no soy marinero, / yo no soy marinero, / soy almirante / y sé volar / y sé volar. / Ahí arriba y arriba y arriba iré, / yo no soy marinero, / yo no soy marinero, / soy almirante / y me llamo Carrero / y arriba iré")
 
 
 
 
Depois foi a carnificina que se sabe, durante décadas de sangue. Como recorda Fidel Moreno, apenas nove meses depois da morte de Carrero uma bomba explode na cafetaria Rolando, na calle del Correo, Madrid. Um atentado perpetrado à hora do almoço, que matou indiscriminadamente 13 pessoas e fez 80 feridos; ricos e pobres, de direita ou de esquerda, favoráveis ou desfavoráveis à causa independentista basca. Décadas assim, de cegueira assassina.
Não falemos mais de tristezas, que é tempo de Verano Azul. Serve apenas esta nota para enaltecer muito, muitíssimo, um livro que, com quase 800 páginas, é um favor dos céus.     
 



 

1 comentário:

  1. Realmente foi uma época terrível. Também a ditadura franquista foi bem mais feroz que o nosso Salazarismo e a memória das atrocidades da guerra civil estava bem viva. Madrid também nunca soube muito bem lidar com os independentismos.

    Era um miúdo quando foi este atentado, mas recordo-me muito bem dele. Creio que quase toda a gente em Portugal ou em Espanha sentia que havia necessidade de rebentar com as respectivas ditaturas.

    Um abraço

    ResponderEliminar