domingo, 19 de agosto de 2018

Vidas singulares: Unity Mitford.

 
 




        O mais espantoso nestas fotografias são as criancinhas. Quem seria elas, de aparência popular, a observar uma senhora transportada em maca e manta? Unity Mitford chegava a Inglaterra, vinda da Suíça, de onde viera, por sua volta, remetida da Alemanha, onde se tentara suicidar. Uma das célebres manas Mitford, das menos célebres das manas mais ainda assim potente, Unity foi baptizada com o nome Unity Valkyrie Freeman-Mitford, depois de nascer em 1914, ano de início de guerra. O ano de nascimento e o nome Valquíria (dado por seu avô, um devoto de Wagner) faziam prever o pior, profecia que se cumpriu. Falta dizer que os pais afirmavam que Unity fora concebida numa povoação do Ontário chamada Swastika… Pertencente à altíssima aristocracia inglesa, de uma linhagem que remontava ao século XI, Unity, como muitos aristocratas britânicos, com Eduardo VIII à cabeça, deslustrou seus pergaminhos com uma fatal atracção por Hitler e pelo nazismo. Todos lemos Os Despojos do Dia, ou vimos o filme, pelo que o facto não carece mais demonstração. Das irmãs Mitford, só uma escapou a essa sina hitleriana, e até se tomou de simpatias socialistas. Diana, a mais famosa, casaria com Oswald Mosley, líder do partido nazi britânico. Quanto a esta, a Unity, sempre foi tida por apoucada, poucochinha, o que parece ser confirmado por ter tentado o suicídio ao saber que a Inglaterra declarara guerra à Alemanha. Daí a foto da maca e manta, supra mostrada. Até dar um tiro na cabeça, em 1939, com uma pistola Walther de pequeno calibre, Unity foi amiga muito próxima de Hitler, dizendo-se até teve um filho do Führer, o que é aleivoso boato.
 
 
 
 
        Saiu agora uma biografia da moça, da autoria de David Lichtfield, que conta coisas frescas: era dada à prática sado-masoquista da auto-asfixia erótica, jogo a que se entregou com Janos Almásy, irmão mais velho de Lászlo Almásy (o protagonista de O Paciente Inglês). E participava em orgias muito promíscuas com a tropa de assalto das SS, contando o indiscreto Lichtfield que chegava a levar à meia-dúzia de soldados para o seu apartamento em Munique, onde era atada a uma cama rodeada de bandeiras nazis e se mantinha assim, toda nuinha, só com uma braçadeira nazi no braço; a tropa avançava sobre a inglesa vendada enquanto se ouviam acordes de Horst Wessel Lied, cena digna da Cavani e do seu porteiro nocturno, como bem nota um artigo recente do El País sobre esta matéria da Bretanha, tontamente titulado «La valquiria que cabalgaba com los SS». Hitler sabia dessas orgias, mas, sendo uma pessoa razoável e tolerante, tolerava razoavelmente bem os desmandos da sua admiradora indefectível que, entre outros negros hábitos, adorava trajar de negro. Em 1939, deu um tiro na cabeça, mas falhou. Regressou ao país natal, de maca e manta, onde nunca foi julgada por traição, porventura devido ao brilho do apelido. Morreu de uma meningite, em 1948, em consequência da bala que se alojou no seu cérebro fraquinho e turvo de espírito. Pouco mais há a contar. Em todo o caso, uma vida singular.
 
 

 

2 comentários:

  1. "Salvava-se", talvez, Nancy Mitford, que foi escritora de algum renome e correspondente assídua de Evelyn Waugh, textos reunidos num livro que tenho e é todo o retrato de uma época.

    Cumprimentos

    Fernando Antolin

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  2. Sem dúvida, mas confesso que conheço mal a biografia de Nancy Mitford.

    Muito cordialmente

    António Araújo

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