quarta-feira, 8 de maio de 2019

Discutir o Acto Colonial (IV) - No Conselho Superior das Colónias.

 
 
 
O Conselho Superior das Colónias, com competência consultiva obrigatória acerca das alterações das leis orgânicas da administração colonial, fora mandado ouvir sobre o assunto por despacho ministerial de 10 de Maio de 1930. Emitiu um extenso parecer, com recurso à teoria, à história e ao direito colonial comparado, português e estrangeiro, relatado pelo vogal António de Aguiar e discutido em quatro sessões consecutivas, a primeira dedicada à generalidade e as restantes na especialidade e artigo por artigo.
As questões mais controvertidas foram sete: i) a designação Acto Colonial; ii) a adopção dos termos colónias ou províncias ultramarinas; iii) a necessidade, oportunidade e urgência da publicação; iv) a designação Império Colonial Português; v) a expulsão de nacionais e estrangeiros; vi) as disposições relativas aos territórios coloniais e às concessões; vii) o título relativo aos indígenas.
         Quanto à primeira questão, o parecer considerava dever manter-se a designação Acto Colonial «adoptada pelo Sr. Ministro das Colónias», por ser a mais harmónica com as tradições do direito público constitucional português e a origem etimológica do termo. Talvez a expressão pudesse «lembrar o Colonial Act dos nossos fiéis amigos e aliados»[1], mas, mais do que isso, ela estava na continuação histórica dos três Actos Adicionais à Carta Constitucional.
A adopção do termo colónia prendia-se com os três sistemas de governo e administração colonial (sujeição, assimilação ou centralização, e autonomia colonial) – que são analisados com detalhe. Em especial, quanto à designação a dar aos territórios ultramarinos, o parecer concluía que a evolução da legislação ultramarina mostrava que a designação províncias ultramarinas só era adequada ao sistema político de assimilação; era «precisamente a realidade, nua e crua, da época presente e a nossa situação internacional, no actual momento em que o sistema de autonomia administrativa e financeira domina por toda a parte, que nos levam a adoptar a terminologia de colónias portuguesas». Acrescia ainda – segundo o parecer – que a adopção do termo províncias ultramarinas implicaria a mudança de nome do Ministério das Colónias, «o que viria a alterar a nomenclatura hoje usada sobretudo lá fora, onde todas as nações coloniais têm os seus Ministérios das Colónias, e não Ministérios do Ultramar, ou outra designação equivalente».
Ora – acrescente-se –, em 1911, as expressões províncias ultramarinas e colónias haviam sido usadas indiferenciadamente e, por isso mesmo, os trabalhos da Assembleia Constituinte foram acusados de «deplorável confusão»[2]. As leis de 1914 mantiveram a ambiguidade, intitulando-se Leis Orgânicas das províncias ultramarinas (como decorria expressamente do artigo 67.º da Constituição) mas usavam sempre, no articulado, o termo colónias. Só com a revisão constitucional de 1920 ficara oficialmente consagrada a designação colónia, agora mantida e reforçada, como parte do Império Colonial, por sua vez, um todo, tratado como uno e solidário embora formado por colónias dispersas e desiguais.
Decidida e justificada a opção pelo termo colónia, o parecer passava à questão de saber se a publicação do Acto Colonial era realmente necessária, oportuna e urgente. Primeiro, recordam-se as razões avançadas na Nota Oficiosa de 29 de Abril e no relatório do projecto. Depois, o parecer tece «a sua sincera homenagem ao Ministro das Colónias», quer «pela iniciativa desse diploma», quer «pelos elevados e patrióticos intuitos com que o elaborou». Ou seja, Salazar, como Ministro das Colónias, era quem estava «mais autorizado» para sobre tal ajuizar e o Conselho concluía – após uma panorâmica sobre a conjuntura internacional e colonial –, que era «sem dúvida alguma necessário, oportuno e urgente publicar um diploma que fixe, como matéria constitucional, um conjunto de preceitos de ordem moral, económica, social e política a que deverá obedecer de futuro toda a nossa administração colonial».
Outra questão importante, debatida na especialidade, respeitava à consagração constitucional do Império Colonial Português. Apesar de algumas divergências, o Conselho acabou por concordar com ela e avançava mesmo – respondendo expressamente ao mais importante argumento contrário – que «manifestamente, ao agruparem-se as colónias portuguesas sob a designação de Império Colonial Português, não se quis de forma alguma quebrar a unidade nacional, nem tão pouco que elas passassem a constituir politicamente um organismo distinto». Eram dois os argumentos decisivos para a maioria dos conselheiros. Primeiro, porque no texto do projecto ficara «bem frisada a solidariedade e bem assim a unidade política, moral, administrativa e económica entre a metrópole, ilhas adjacentes e os territórios do ultramar, de forma a constituírem, de facto, sob a designação de Nação portuguesa ou Portugal, um todo político, indivisível e indissolúvel». Depois, porque «o próprio espírito nacionalista que ditou todo o Acto Colonial nenhumas dúvidas deixa a tal respeito».
Ou seja: segundo o parecer, o Acto Colonial privilegiava a essência ideológica do Império Colonial Português, que havia sido criado legalmente em 1926 pelo Ministro João Belo como associação política dividida administrativamente em oito colónias. Agora, em 1930, o Acto Colonial vinha constitucionalizar o imperialismo da política colonial portuguesa.
Sobre a expulsão de nacionais e estrangeiros residentes nas colónias, o parecer pronunciou-se pela manutenção do processo administrativo e mero recurso para o Conselho de Ministros, contra aqueles que defendiam a intervenção do poder judicial, «visto tratar-se a bem dizer de medidas de carácter policial ou de ordem pública, e atenta a necessidade que hoje há de fortalecer a autoridade de quem governa».
Quanto à definição e propriedade sobre o território colonial, bem como sobre o regime de concessões ou exploração por estrangeiros, o parecer (embora sugerindo algumas reformulações) concordava com o teor da proposta governamental por ter «um largo alcance patriótico e ao mesmo tempo um especial significado no momento político internacional».
Relativamente ao Título sobre os indígenas não conteria «a bem dizer matéria nova», limitando-se a fixar constitucionalmente o que se encontrava espalhado na legislação colonial. Em especial, foi rejeitada a sugestão de que «ficasse definida por forma bem expressa a obrigação dos indígenas em matéria de impostos, e bem assim no tocante ao trabalho braçal […], serviço militar, trabalho correccional […]». Portanto, os artigos em causa ficaram aprovados tal qual se encontravam no projecto, com alguns retoques.
Finalmente, o Conselho concordava com os princípios que enformavam o Título III, sobre o regime político e administrativo, e também o Título IV, sobre as garantias económicas e financeiras – aqui «atento o descalabro em que se encontram as finanças de quase todas as nossas colónias, sobretudo a de Angola, e a necessidade e urgência de prover de remédio a uma semelhante situação» –, embora sugerindo algumas alterações em ambos os articulados.
Este Parecer n.º 331, acerca do Acto Colonial (Substituição do artigo V da Constituição Política da República Portuguesa de 1911), do Conselho Superior das Colónias, foi publicado como uma espécie de Anexo à edição oficial do Acto Colonial. O texto – aprovado, em 29 de Maio, pela unanimidade dos 18 membros e subscrito à cabeça por Manuel Fratel, secretário-geral do Ministério das Colónias – mereceu porém várias discordâncias na especialidade. Identificado como publicista e administrador do Banco Nacional Ultramarino, Quirino de Jesus surge como mero subscritor mas irá beneficiar das considerações constantes do parecer aquando da meticulosa redacção definitiva do Acto Colonial, que lhe caberá em exclusivo[3].
O Conselho Superior das Colónias, em complemento do seu trabalho, integrou no parecer o projecto do Acto Colonial com as alterações que entendeu introduzir-lhe na especialidade. Este (novo) projecto não se encontra, porém, publicado autonomamente nem arquivado nas Pastas constantes do Arquivo Oliveira Salazar (a quem foi, de certeza, enviado). Mas deve ter servido de base ao texto que, dias depois, em 23 de Junho de 1930, foi discutido e aprovado na especialidade em Conselho de Ministros. Certo é que a versão definitiva do relatório do Decreto n.º 18.570 referencia expressamente o dito parecer como um dos elementos apreciados pelo Governo.
António Duarte Silva
 




[1] Esta equiparação, algo repetida na época, é superficial: na história do Império britânico, os Colonial Act foram múltiplos, variados e seculares; designavam os actos legislativos (provenientes do Parlamento ou enquanto Orders in Council) que se destinavam a regular certas e determinadas matérias na(s) colónia(s).  

[2] José Gonçalo de Santa Rita, “As parcelas do Portugal ultramarino na nomenclatura constitucional”, in Revista da Escola Superior Colonial, Vol. I (1948-1949), p. 21.

Sem comentários:

Enviar um comentário