Talvez muitos ainda não tenham percebido: quando se fala de alterações climáticas não se fala de previsões ou prognósticos,
mas da realidade actual. É uma coisa de agora, de hoje, deste preciso instante,
não (apenas) um debate sobre o que virá a acontecer daqui a vinte ou trinta anos. A
discussão não é sobre como evitar as alterações climáticas (de resto,
alterações climáticas sempre houve, como sempre houve… extinções em massa), mas
o que fazer para evitar, no presente, os piores efeitos das alterações climáticas.
Mesmo que mudássemos radicalmente de comportamentos hoje, agora, deixando todos
de andar de automóvel e de avião, ou de comer carne, os efeitos poderiam ser
minorados, não totalmente evitados. As mudanças no clima estão em marcha, o que
não significa que nos devamos deixar cair numa atitude niilista e derrotista, baixando os
braços e esperando que a catástrofe aconteça para nos varrer de uma vez por todas da face desta Terra.
O pânico apocalíptico, se implicar paralisia e imobilismo apavorado, também não é a opção correcta.
Falei há tempos da necessidade de mudarmos os nossos comportamentos individuais, do contributo que cada qual pode dar, ou não dar, para minorar os
efeitos da tragédia iminente, ou já em curso. Há razões para mudar a título
individual. Mas, como bem observava um editorial recente do The Guardian (16/08/2019), o individualismo pode ser ilusório. Podemos julgar
que o nosso contributo para a salvação do planeta se resume a separar o lixo
doméstico, plantar uma árvore aqui e acolá, não deitar beatas de cigarros para
o meio da rua. Está certo, muito bem, isso é importante, é fundamental. Mas
desenganem-se os que julgarem que isso basta, que é suficiente aliviarmos as
nossas consciências de cidadãos ecológicos, melhorarmos a nossa autoestima
ambiental e ética. Não. Além das mudanças individuais, é essencial um esforço
colectivo: mudanças de políticas, de legislação, de fiscalização, de punição
dos infractores. O esforço individual é louvável, é piramidal, mas tem o perigo
de nos fazer crer que é suficiente, que não nos devemos empenhar também em mudanças de
fundo e de fôlego. As políticas de um Trump ou de um Bolsonaro não irão mudar pelo facto de
dois ou três milhões de pessoas deixarem de comer carne de vaca, ou de abandonarem o uso
de automóvel particular. Como não é realista pensar que todos, a um tempo, irão deixar de
comer carne de vaca (isso, sim, afectaria o agronegócio e uma das bases
eleitorais de Trump e Bolsonaro), como não é realista pensar nisso, não é
realista supor que uma alteração de comportamentos individuais pode, por si só,
fazer tudo. É claro que anda muita política e muita ideologia metida nisto, e
que muitos aproveitam – em parte bem, mas só em parte – para atacar o
capitalismo e a sociedade de consumo, como se noutros sistemas, menos
«capitalistas», não houvesse problemas ambientais: China, Rússia, os crimes
ecológicos de Estaline e do comunismo… Há quem diga que só uma mudança radical
do capitalismo – e com ele, da democracia liberal – pode evitar o flagelo do
aquecimento global. É essa, em termos muito simplificados, a tese de Naomi
Klein no seu recente livro Tudo Pode Mudar. Capitalismo vs. Clima. Pura e enganadora ilusão. Se tivéssemos que
esperar que os empresários deixassem de querer o lucro, os políticos os votos do
povo e cada um de nós a roupa X ou o carro Y, o planeta estaria, aí sim,
completamente perdido. Era o mesmo que pensar, ante a iminência do avanço das
tropas de Hitler, que a Inglaterra de Churchill fazia uma pausa para aguardar
que os lordes deixassem de ter o poder que tinham, que os reis fossem mais
próximos dos súbditos ou que os patrões tratassem bem os criados. Quando isso tudo
estivesse feito, a bandeira nazi estaria há muito desfraldada em Trafalgar
Square… Portanto, podemos desejar e fazer com que alguns dos vícios do
capitalismo, tão patentes na crise de 2008 (e na próxima?), sejam corrigidos.
Mas não devemos nem podemos combater tudo ao mesmo tempo. É com as armas do
capitalismo – ou, se quiserem, da economia de mercado – e com as armas da
democracia liberal – ou se quiserem, dos votos e das manifestações livres – que
devemos enfrentar o desafio das alterações climáticas. Primeiro, em casa;
depois, no trabalho; a seguir, na rua, com petições, manifestações, votações – e
textos patetas e desastrados, como este
(que é para o Nuno Quintas, com um abraço do
António Araújo)
"Além das mudanças individuais, é essencial um esforço colectivo: mudanças de políticas, de legislação, de fiscalização, de punição dos infractores. O esforço individual é louvável, é piramidal, mas tem o perigo de nos fazer crer que é suficiente, que não nos devemos empenhar também em mudanças de fundo e de fôlego."
ResponderEliminarConcordo totalmente.
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