quarta-feira, 10 de junho de 2020

B5: A mola da roupa (4/5).





Na amostra de sons e imagens-testemunho do génio humano enviada para o espaço em 1977 a bordo da sonda Voyager, uma espécie de montra do melhor da humanidade, não ia faltar, é claro, a 5ª sinfonia de Beethoven. Desconheço que interpretação da peça seguiu, mas os extraterrestres não serão esquisitos neste ponto.

Esta amostra pode, porém, fazer perder de vista que a criatividade humana se exprime de muitas maneiras, e que nem toda a genialidade se apresenta assim, talhada para altos voos, sejam eles literalmente interestelares ou, como se diz ser o caso da 5ª sinfonia, evocativos do Destino – o destino do género humano ou o do Manuel Germano.

Mesmo não tendo sido selecionadas para embarcar na Voyager, há coisas que mereceriam também elas constar no cartão de visita da humanidade e lhe são, a ela, tremendamente úteis. Excluindo os robots, que isso é batota, destaco por exemplo o elevador de pepinos de conserva, que evita a pesca ao dedo no interior do frasco, o ralador de legumes que poupa esse ou outro dedo à ralação junto com a batata na última etapa, a guilhotina da extremidade superior dos ovos à la coque, de uma precisão que previne a penetração de estilhaços da casca no interior, ou ainda boa parte do recheio de qualquer loja de artigos para o lar em países de língua alemã. Transita-se aí de maneira muito mais económica para outra dimensão, a velocidade warp.

Dessas engenhocas domésticas, mais inventivas e honestas que o espertalhaço ovo do Colombo, há uma tão banal quanto menosprezada, quer antes, quer depois da ascensão e declínio das máquinas de secar e do regresso do pitoresco estendal, mais amigo dos tecidos e do ambiente: a mola da roupa. Não é brincadeira nenhuma, a mola da roupa.

Pois bem, o reconhecimento do engenho técnico e a homenagem que sempre lhe foi devida por proteger meias, camisas e outras peças interiores e exteriores dos ventos e intempéries do destino, chegaram por fim. E chegaram às cavalitas da 5ª sinfonia – a do Destino – numa versão que conta a bela história do inventor da mola da roupa, um espírito tão vivo e curioso que na infância a sua criatividade selvagem e ainda não orientada atraía já a atenção dos passantes com invenções como o extrator de grainhas de groselhas ou o açaime para formigas furiosas.

A história foi resgatada por Francis Blanche e Pierre Dac em La Pince À Linge, aqui interpretada com apenas meia-barba por Les Quatre Barbus.



Manuela Ivone Cunha





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