Na
amostra de sons e imagens-testemunho do génio humano enviada para o espaço em
1977 a bordo da sonda Voyager, uma
espécie de montra do melhor da
humanidade, não ia faltar, é claro, a 5ª sinfonia de Beethoven. Desconheço que
interpretação da peça seguiu, mas os extraterrestres não serão esquisitos neste
ponto.
Esta
amostra pode, porém, fazer perder de vista que a criatividade humana se exprime
de muitas maneiras, e que nem toda a genialidade se apresenta assim, talhada para
altos voos, sejam eles literalmente interestelares ou, como se diz ser o caso
da 5ª sinfonia, evocativos do Destino – o destino do género humano ou o do
Manuel Germano.
Mesmo
não tendo sido selecionadas para embarcar na Voyager, há coisas que mereceriam também elas constar no cartão de
visita da humanidade e lhe são, a ela, tremendamente úteis. Excluindo os robots,
que isso é batota, destaco por exemplo o elevador de pepinos de conserva, que
evita a pesca ao dedo no interior do frasco, o ralador de legumes que poupa esse
ou outro dedo à ralação junto com a batata na última etapa, a guilhotina da
extremidade superior dos ovos à la coque,
de uma precisão que previne a penetração de estilhaços da casca no interior, ou
ainda boa parte do recheio de qualquer loja de artigos para o lar em países de
língua alemã. Transita-se aí de maneira muito mais económica para outra
dimensão, a velocidade warp.
Dessas
engenhocas domésticas, mais inventivas e honestas que o espertalhaço ovo do
Colombo, há uma tão banal quanto menosprezada, quer antes, quer depois da
ascensão e declínio das máquinas de secar e do regresso do pitoresco estendal,
mais amigo dos tecidos e do ambiente: a mola da roupa. Não é brincadeira
nenhuma, a mola da roupa.
Pois
bem, o reconhecimento do engenho técnico e a homenagem que sempre lhe foi devida
por proteger meias, camisas e outras peças interiores e exteriores dos ventos e
intempéries do destino, chegaram por fim. E chegaram às cavalitas da 5ª
sinfonia – a do Destino – numa versão que conta a bela história do inventor da
mola da roupa, um espírito tão vivo e curioso que na infância a sua
criatividade selvagem e ainda não orientada atraía já a atenção dos passantes com
invenções como o extrator de grainhas de groselhas ou o açaime para formigas
furiosas.
A
história foi resgatada por Francis Blanche e Pierre Dac em La Pince À Linge, aqui interpretada com apenas meia-barba por Les
Quatre Barbus.
Manuela Ivone Cunha
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