segunda-feira, 1 de junho de 2020

Horologium florae. A hora das flores.






Nunca soube de onde vem a expressão “vulgar de Lineu”, um depreciativo aplicado àquilo que é corriqueiro e banal.  E é com a soberba dos ignorantes que declaro não tencionar ir à internet descobrir. Dispensei-me de o fazer a partir do momento em que me deparei com uma ideia extraordinária do próprio Lineu, ideia essa que, sendo extraordinária e por conseguinte propriamente invulgar, de vulgar não terá então nada, embora continue a ser de Lineu. Carl Linnaeus, esse mesmo, o pai da taxonomia.

A ideia pode não ter tanta utilidade para o progresso da humanidade em geral e do conhecimento em particular. Mas sem belas extravagâncias, daquelas que não fazem mal a nada nem a ninguém, a humanidade também não ia a lado nenhum de jeito.

Com o suspense já no ponto de rebuçado, a revelação: Lineu, o botânico, pôs um jardim a dar horas. Não o dia e a noite, para aqueles desorientados que nem nisto sabem a quantas andam – isso sim, seria vulgar da parte de Lineu. São mesmo todas as horas, do dia e da noite. Um jardim com dezenas de plantas cujas flores se abrem e fecham em momentos particulares do dia, dispostas na sequência devida, e… voilá: eis o relógio floral. Um relógio, para mais, com uma precisão surpreendente, a tal ponto que os relojoeiros suecos tomaram Lineu de ponta por recearam ter de fechar portas. Como podiam eles saber que o relógio interno a comandar o movimento rítmico das plantas também tem os seus quês complicativos, como a latitude e a duração do dia?

Quem diz dia, diz noite. Sim, há florações notívagas e crepusculares, como há abelhas diurnas e borboletas noturnas, que isto é todo um pas-de-deux entre as plantas e os seus polinizadores. Dizer que é um pas-de-deux sofisticado é pouco, quando já começa a conseguir fintar as alterações climáticas que tantos desencontros têm causado a estes pares, pondo os Romeus a acordar da hibernação cedo de mais, quando as Julietas ainda estão pasmadas a dormir a desoras.

Pois essa delícia estapafúrdia que foi a experiência cronobiológica do relógio de flores, agora ao alcance de qualquer canteiro, seria replicada no século 20, desta vez numa peça de relojoaria musical chamada L'Horloge de Flore, de Jean Françaix. Cada andamento dá pelo nome de uma flor, em função da posição no relógio.

Em baixo duas flores-horas-músicas desse relógio, uma noturna e uma diurna:

1) Um cacto notívago, para começar, cujas grandes flores se abrem, magníficas, depois das 10h da noite.

2) No pico do dia, por volta das 12h, o jasmim de Malabar, que já vi designar de planta “triste”. Triste? O compositor discorda em absoluto, com toda a razão. Basta ouvir.

3) A dar-lhe igualmente razão, mas antes do tempo deste relógio, o conhecido Dueto das Flores, da ópera Lakmé, de Léo Delibes. Mais do que conhecido, conhecidíssimo a partir do minuto 1, por via de publicidade e de filmes onde entram perfumes, atmosferas florais ou tecidos vaporosos e esvoaçantes. É o jasmim, no seu enlace com a rosa, que encanta Lakmé pela manhã. A história não acaba bem-bem, mas o jasmim não tem culpa disso.
      
1)
10h (p.m.) – “Cierge à grandes fleurs”, L'Horloge de Flore, de Jean Françaix, com Albrecht Mayer no oboé e a Academy of St. Martin in the Fields, conduzida por Mathias Mönius.



2)
12h – “Nycanthe du Malabar”, L'Horloge de Flore, de Jean Françaix, com Albrecht Mayer no oboé e a Academy of St. Martin in the Fields, conduzida por Mathias Mönius.




3)
Dueto das Flores ("Viens, Mallika"), Lakmé (Ato 1), de Delibes. Na interpretação perfeita da soprano Sabine Devieilhe e da mezzo-soprano Marianne Crebassa, com a orquestra Les Siècles, dirigida por François-Xavier Roth (também pode ser vista a mexer em traje informal aqui). 




Manuela Ivone Cunha















                                                                                        





3 comentários:

  1. Belissimo. Ja agora oiçam também o dueto das flores por (Danielle Millet e) Mady Mesplé, em homenagem à grande cantora falecida no sabado passado. Aqui :

    https://www.youtube.com/watch?v=jBLktLkdw8o

    "Sem musica, a vida seria um erro"

    Boas

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  2. Hmm google translate only gives me a rough translation, but i love the songs and the picture of the flower hour!

    https://aab-edu.net/

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