domingo, 15 de janeiro de 2012

António Mexia e a alteração do paradigma civilizacional.

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Com a imensa visão estratégica do espírito superior que é o seu, António Mexia trabalha – e praticamente sozinho! – para a alteração deste nosso paradigma civilizacional baseado no consumo desenfreado e na bacoca sofisticação tecnológica. Os outros gestores públicos e privados ainda não compreenderam o imenso alcance do gesto de António Mexia. É que se os preços da energia eléctrica se tornarem incomportáveis ao homem comum, ao comum lar de família, adeus ó Edison! É de volta ao caldeiro, aos prazeres simples da lareira que fumega, do braseiro que intoxica, é o regresso às energias primitivas, duras, de homem, que não são cá esta mariquice de carregar no botão! Ou arejas, ou morres! Estas sim, são energias saudáveis de carregar às costas, que é preciso cortar, e alombar, e acender, e espevitar, e enfim, reduzidas a cinzas, espalhá-las ao vento! Todas as primitivas tradições se perdiam sem o milagre de António Mexia. A gente nas serras, feita nababa, a armar ao europeu, acendia a sófaze e sentava-se de perna traçada a ver o plasma e a escorropichar os netexpressos do anúncio. A gente das aldeias, a que restava, esquecia os ofícios de antanho, o honesto lenhador, o feliz carvoeiro, ex-artistas da energia, e fazia bicha no intermarché a comprar alimentos plastificados que lhe custava a ela anos de vida e aos contribuintes o incerto rendimento que é lançado e consumido nas labaredas dos inúteis cuidados de saúde. Agora a mesma gente ajoelha junto ao fogo e bota água no caldo de urtigas, e a cena é comovente, quase aquiliniana. Está-se muito melhor assim. Isto já nós conhecemos, faz parte do nosso imaginário. É especificamente português. E nós sentimos gratidão por António Mexia, que na sua generosidade abstracta (ele tem aquecimento central, não conhece a intensidade emocional antiga das lareiras e dos caldeiros) conseguiu prever que o nosso desenvolvimento era insustentável, que o planeta não aguentava a depredação dos portugueses. Os portugueses são muito abusadores. Onde podem depredar, depredam. Onde podem devastar, devastam. Considerando a nossa tradição de séculos de pobreza, de falta de recursos, de largas proles, de limitações, de religiosidade primitiva, de superstição, de ignorância, de conformismo, ele compreendeu que Portugal, para regressar à sua autêntica natureza não pode, muito simplesmente, ter electricidade. Pobreza é fashion.
         O porta-voz dos hippies da Serra de Monchique (que após duelo com punhal contra os porta-vozes dos hippies da Serra da Lousã e da Serra do Gerês aceitou ser porta-voz das Três Serras) foi o primeiro a saudar o Grande Educador, António Mexia, dono do monopólio de Estado tornado monopólio privado (e todas as brincadeiras com a troca dos R por L são de mau gosto neste contexto). “Nós cá nas Serras já não usamos a electricidade há um ror de anos”, disse Manfred Gutter. “Quando temos frio, largamos um tigre da Malcata às canelas dos putos e corremos todos atrás deles”.


Luísa Costa Gomes

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