quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O estranho caso do preâmbulo do Decreto-Lei nº 254/76.

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Decreto-Lei nº 254/76 de 7 de Abril de 1976

83/76 - SÉRIE I
Emitido Por: Ministério da Comunicação Social
Estabelece medidas relativas à publicação e comercialização de objectos e meios de comunicação social de conteúdo pornográfico
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Após quase meio século de mistificação do sexo e de total ausência de educação sexual, é compreensível a curiosidade que caracterizou a procura de publicações, exibições fílmicas e, em geral, de instrumentos de expressão e comunicação versando temas eróticos.
E como a liberdade que se sucede à contenção repressiva tem sempre o preço de alguns excessos, em breve começou a assistir-se à exploração mercantil, não já do erótico ou do nu artístico, mas do pornográfico e obsceno.
Convictos de que o melhor antídoto contra a sedução do proibido é muitas vezes a permissão banalizante, foram os anteriores governos comtemporizando, sem intervir, com esse processo de desmitificação do sexo, que teve e tem aspectos positivos, pese isso a alguns espíritos mais convencionais e puritanos.
Durante séculos, foram as barreiras e os tabus erguidos em torno do sexo e dos seus problemas responsáveis por frustrações, taras e infelicidades sem conta. Nessa medida não terá deixado de desempenhar um papel socialmente terapêutico e profiláctico esta espécie de tratamento de choque, porventura não substituível por qualquer tentativa de cobertura educativa da fenomenologia sexual ao nível de toda a população portuguesa.
O mesmo aconteceu noutros países que nos precederam no acesso à liberdade, nos quais, a seguir a um período inicial de mórbida curiosidade, se entrou numa fase de generalizado desinteresse.
O mesmo, decerto, acabará por suceder entre nós. Acontece, no entanto, que dos mais diversos sectores sociais soam manifestações de protesto contra o que consideram, não sem razão, abusos intoleráveis. Sem negarem compreensão ao fenómeno, e até sem deixarem de analisá-lo de um ângulo pedagógico e científico, consideram ainda assim excesso reprovável a exibição e venda, em lugares públicos, às vezes por crianças, e também para crianças, de cartazes, livros, revistas, fotografias e outras formas de comunicação de conteúdo pornográfico ou obsceno, sem excluir a descrição ou a imagem de actos de ostensiva depravação sexual. Esse excesso é sem dúvida condenável, e tão-só a generalização desse sentimento de reprovação prova que com ele tem sido ofendido, senão mesmo ultrajado, o pudor do comum dos cidadãos.
Errado seria, no entanto, regressar-se ao extremo de contenção, que, neste como em outros domínios, caracterizou o anterior regime. Se queremos continuar a ser livres, temos, antes de mais, de habituarmos a isso.
Já a actual Lei de Imprensa, ao proibir a afixação, exposição, venda ou publicação de cartazes, anúncios, avisos, programas, manuscritos, impressos, desenhos ou quaisquer instrumentos ou formas de comunicação áudio-visual que contenham a ofensa prevista no artigo 420.º do Código Penal, que pune o ultraje à moral pública, contém uma clara reprovação dos referidos excessos.
Disciplina-se agora em novos termos o fenómeno, ainda fazendo apelo aos conceitos de pudor público e moral pública. Uma certa fluidez conceitual não deixa, neste domínio, de ser um bem. Entende-se que proibir a importação ou a edição de obras de conteúdo pornográfico abriria as portas a um expediente de censura facilmente aproveitável para intoleráveis extensões ou extrapolações.
Quem, sendo adulto, se não autocensura do ponto de vista moral, dificilmente se deixará tutelar por leis divorciadas do conhecimento psicológico dos indivíduos e das massas. Devemos evitar as leis que de antemão se sabe serem ineficazes ou fadadas a cair em desuso.
Onde reside o excesso é fundamentalmente, e aí sem dúvida, na exibição e venda públicas daquelas obras. A sua edição e a sua venda em estabelecimentos especializados, a pessoas e por pessoas de maioridade, ou de idade qualificada, é hoje uma prática generalizada no comum dos países, defendida por psicólogos, sociólogos e pedagogos, e desempenham, de acordo com os dados da experiência e da ciência, uma função desmitificadora e desintoxicante. Ai da liberdade de expressão e pensamento, no dia em que o Estado se arvore em fiscal da criação artística e da sua procura, ainda que a pretexto de zelo moral ou de defesa dos costumes.
De igual modo se fugiu a qualquer forma de censura de filmes. Neste domínio - um dos mais visados pelas críticas de que se tem notícia - avançou-se apenas até à sua classificação como pornográficos e não pornográficos, para o efeito da aplicação aos primeiros de sobretaxas de algum modo desestimulantes da sua importação e da sua procura, ao mesmo tempo que se proíbe que assistam às respectivas exibições menores de 18 anos.
Os que a elas possam e queiram assistir, de antemão sabendo o que vão ver, fazem uso consciente da sua liberdade de acção, assumindo a correspondente responsabilidade. As penas previstas são suaves, embora não tanto quanto à infracção se verifique em relação a menores ou tenha provocado ou seja susceptível de provocar grave dano de natureza social. Em caso de segunda ou ulterior reincidência, a pena não será remível.
O regime agora proposto destina-se a ser revisto e regulamentado após os necessários estudos de opinião, que o Governo promoverá.
A experiência ditará se é ou não preciso ir mais longe. Crê-se que não. Sobretudo se, como se impõe, o fenómeno for paralelamente atacado nas suas causas, através de amplas acções de educação cívica.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea 3), da Lei Constitucional n.º 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. É proibido afixar ou expor em montras, paredes ou em outros lugares públicos, pôr à venda ou vender, exibir, emitir ou por outra forma dar publicidade a cartazes, anúncios, avisos, programas, manuscritos, desenhos, gravuras, pinturas, estampas, emblemas, discos, fotografias, filmes e em geral quaisquer impressos, instrumentos de reprodução mecânica e outros objectos ou formas de comunicação áudio-visual de conteúdo pornográfico ou obsceno, salvo nas circunstâncias e locais previstos nos artigos seguintes:
2. Para o efeito do disposto neste diploma, são considerados pornográficos ou obscenos os objectos e meios referidos no número antecedente que contenham palavras, descrições ou imagens que ultrajem ou ofendam o pudor público ou moral pública.
Art. 2.º - 1. A exposição e venda de objectos e meios referidos no n.º 1 do artigo antecedente só é permitida no interior de estabelecimentos que se dediquem exclusivamente a esse tipo de comércio, devidamente licenciados em termos a regulamentar.
2. A venda referida no número antecedente é vedada a ou por menores de 18 anos.
Art. 3.º É proibida qualquer forma de propaganda dos objectos e meios referidos no n.º 1 do artigo 1.º que seja em si pornográfica.
Art. 4.º - 1. A comissão de classificação etária de espectáculos cinematográficos passará a classificá-los também em pornográficos e não pornográficos, para o efeito do disposto no número seguinte:
2. Em relação aos filmes classificados de pornográficos, serão agravadas a sobretaxa de importação e as taxas incidentes sobre o preço dos bilhetes, nos termos que vierem a ser regulamentados, sendo proibida a entrada e assistência às respectivas exibições de menores de 18 anos.
3. O disposto nos números anteriores poderá vir a ser aplicado, com as necessárias adaptações, aos espectáculos teatrais ou em recintos de diversões nocturnas ou ainda aos objectos e publicações referidos no n.º 1 do artigo 1.º por decreto dos Ministros das Finanças, da Administração Interna e da Tutela.
4. Sobre os filmes produzidos em Portugal classificados de pornográficos incidirá uma taxa especial equivalente à sobretaxa de importação prevista no antecedente n.º 2, sendo igualmente agravadas, nos termos do mesmo número, as taxas incidentes sobre os preços dos bilhetes e proibida a entrada de menores de 18 anos às respectivas exibições.
Art. 5.º - 1. É proibida a passagem de cenas ou imagens pertencentes a filmes classificados de pornográficos no decurso de sessões de cinema em que sejam exibidos filmes como tal não classificados.
2. São igualmente proibidos o anúncio ou qualquer forma de publicidade de filmes classificados de pornográficos, contendo palavras ou imagens de sentido ou conteúdo pornográfico ou obsceno.
3. Com a menção da classificação etária, deve o anúncio dos filmes conter a menção de terem sido classificados como pornográficos, quando for esse o caso.
Art. 6.º - 1. A infracção do disposto no presente diploma, para a qual nele se não preveja pena especial, fará incorrer os seus autores em pena de prisão até seis meses e multa de 1000$00 até 200000$00.
2. Em caso de segunda e ulterior reincidência, a pena não poderá ser declarada remível.
3. Responderão como co-autores, nos termos da Lei aplicável, os responsáveis dos órgãos de comunicação social através dos quais seja dada publicidade a textos ou imagens de conteúdo pornográfico ou obsceno.
Pelo pagamento das multas aplicadas responderão solidariamente as respectivas empresas proprietárias.
4. A infracção consistente na venda por menores de 18 anos e maiores de 16 anos de qualquer dos objectos ou meios previstos no n.º 1 do artigo 1.º sujeitará os mesmos menores à pena de prisão até três meses, não lhes sendo aplicável o disposto no antecedente n.º 2.
Os menores de 16 anos responsáveis pela mesma infracção ficarão sujeitos a medidas de prevenção criminal.
5. Constitui circunstâncias agravante, a que corresponderá o aumento para o dobro dos limites mínimo e máximo das penas de prisão e multa, a venda de objectos ou meios de conteúdo pornográfico ou obsceno a ou através de menores de 18 anos, e em geral a infracção do disposto no presente diploma que tenha provocado ou seja susceptível de provocar, grave dano de natureza social.
6. Fica ressalvada a aplicação de pena de prisão mais grave prevista na lei geral.
Art. 7.º - 1. É dever de qualquer autoridade judicial, policial, militar ou administrativa e faculdade de qualquer cidadão participar a ocorrência de qualquer dos actos proibidos pelo presente diploma ao Ministério Público, através dos seus agentes ou da Polícia Judiciária.
2. Por iniciativa própria ou na sequência de participação recebida, nos termos do número precedente, poderão o Ministério Público ou a Polícia Judiciária providenciar no sentido da conservação e recolha de quaisquer elementos factuais e probatórios de interesse para a instrução do correspondente processo.
3. O Ministério Público ou as autoridades policiais, militares e administrativas poderão ainda apreender os objectos e meis referidos no artigo 1.º deste diploma, quando expostos na via pública, como providência preventiva e cautelar, submetendo o efeito à autoridade judicial competente no prazo de quarenta e oito horas. Os objectos terão o destino que lhes vier a ser assinalado na sentença final e que será, em caso de condenação, a destruição. Nos restantes casos, a apreensão deverá ser objecto de prévia decisão judicial, a requerimento do Ministério Público.
Art. 8.º Aos processos correspondentes aos delitos previstos no presente diploma aplicam-se as regras processuais da Lei de Imprensa, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 181/76, de 9 de Março.
Art. 9.º O presente diploma entra em vigor dez dias após a data da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - José Baptista Pinheiro de Azevedo - João de Deus Pinheiro Farinha - António de Almeida Santos.
Promulgado em 27 de Março de 1976.
Publique-se.









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