terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Pingüinos.

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Pandas gigantes. Fomos ao Zoo de Londres para ver os pandas gigantes. À entrada, o guarda de serviço informou-nos que não havia pandas gigantes. Tinham desaparecido dali já há alguns anos. Entrámos, ainda assim. O Zoo de Londres pareceu-me um pouco decadente. E o dia, chuvoso, não ajudava. Lá dentro, andámos perdidos. Os animais tinham-se refugiado da chuva miúda nos seus abrigos. Pouco vimos. E estávamos cansados como turistas.
Quase à saída, ou a meio do percurso, descobrimos a Piscina dos Pinguins. Vazia, sem bichos. Sublime. A Piscina dos Pinguins foi desenhada por Berthold Romanovich Lubetkin (1901-1990), um emigrado russo que, pouco depois de chegar a Londres, em 1931, esteve entre os fundadores do Tecton, grupo que definiu uma linha arquitectónica tão característica quanto admirável. Os primeiros trabalhos do Tecton foram precisamente no Zoo de Londres: a Casa dos Gorilas e a Piscina dos Pinguins. O betão armado permitiu que Lubetkin desse asas à sua imaginação, plasmada nas suaves curvas que serviriam de rampas para os pinguins. Gerações sobre gerações viram os pinguins, vestidos a rigor e com o seu caminhar característico, subir e descer as rampas espiraladas de Berthold Lubetkin. Toda a construção é perfeita nos seus paradoxos: simples e refinada, moderna e clássica, leve e sólida. A forma exterior singulariza o edifício, isolando-o do meio envolvente. Parece uma gigantesca loja de gelados. Um monólito art déco que se ergue do chão, rasurando todo o espaço em seu redor. Em momento algum o olhar é desviado do essencial: a Penguin Pool e as suas curvas estilizadas. Elegância em estado puro. Ainda hoje serve de inspiração criativa: por exemplo, à desenhadora de jóias Cari-Jane Hakes. Há quem afirme que, nesta obra, Lubetkin sofreu a influência de Naum Gabo (1890-1970), escultor russo que se destacou no construtivismo e na arte cinética. Não sei, mas se o dizem… Também referem que Lubetkin estudou os movimentos dos pinguins para conceber o habitat perfeito. Em conjugação com as aberturas laterais, as curvas, cruzando-se sobrepostas, têm ainda a vantagem de permitir ao espectador uma multiplicidade de pontos de vista. Ver pinguins de qualquer ângulo. A forma em espiral confere dinamismo e movimento àquilo que, sem o génio de Lubetkin, não passaria de um vulgar tanque de refresco para aves polares. Os pinguins não são propriamente aves graciosas quando estão em terra. Mas, uma vez dentro de água, nadam e mergulham com eficácia e concisão, exactamente da forma dinâmica que Lubetkin captou. É quando estão submersos que os pinguins verdadeiramente voam.  
O edifício data de 1934. A cor branca evoca territórios gelados. As elipses, segundo dizem, estão desenhadas para fazer ecoar os gritos dos pinguins (os pinguins gritam?). Lubetkin previu a existência de uma área de sombra que protegesse os pinguins da exposição solar directa. A Penguin Pool está classificada com o Grau 1 na lista das edificações que o Governo britânico decidiu proteger.
Outra obra de Lubetkin, o Finnsbury Health Centre (1938), foi ameaçada, prevendo-se o seu encerramento. Os londrinos levantaram-se e criaram um movimento de defesa do hospital. Na campanha, usaram um dos famosos cartazes Your Britain, Fight for it Now, do tempo da 2ª Guerra. O cartaz de Abram Games mostra justamente o edifício hospitalar concebido por Lubetkin. Sendo clara a influência do surrealismo de Salvador Dalí e de Giorgio de Chirico no desenho de Games, o cartaz, ao que parece, provocou a ira de Churchill por causa da representação gráfica da criança esquálida, atormentada pelo raquitismo. Mas isso é outra história.
.....Regressemos ao Zoo de Regent’s Park. A Piscina dos Pinguins continua preservada. Your Britain, Fight for it Now. Entretanto, na pacata Lisboa, as piscinas de Keil do Amaral no Campo Grande estão ao abandono e, se quisermos falar de hospitais, o que irá acontecer ao extraordinário Pavilhão de Segurança do Miguel Bombarda? Your Britain, Fight for it Now.
Saímos do Zoo ainda chuviscava. Mas depois fez sol no céu e fomos descansar ao pé de casa. Sem pressas nem horas. Kensington. Relva e esquilos ruivos, acabou a tarde. Conversas? Muitas, mas só nossas. Criámos uma senha íntima: Pingüinos. Não me lembro de um só animal que tenhamos visto no Zoo de Londres. Mas ainda exclamamos «Pingüinos!», bem alto, sempre que revemos a Piscina de Lubetkin. O tempo é diferente consoante as idades da vida: tu cresces, eu envelheço. Pingüinos. Foi assim aquele dia. Melhor era impossível, Leonor. Melhor era impossível.


Para a Leonor, com amor, do Pai.


António Araújo










Berthold Lubetkin (1901-1990)



















Finnsbury Health Centre

Abram Games, Your Britain, Fight for it Now (1943)

Jóia de Cari Jane-Hakes, in Hybrid Handmade



London Zoo, Regent's Park




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