sexta-feira, 29 de junho de 2012

Spomenik.

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“Spomenik” significa “Monumento”. Na antiga Jugoslávia, o Presidente Tito mandou erguer dezenas deles, em memória dos partisans mortos na 2ª Guerra. Foram construídos sobretudo nas décadas de 60 e 70, nos locais onde se tinham travado grandes batalhas contra os exércitos do Eixo, como Tjentište, Kozara e Kadinjača.
Em 2006-2007, o fotógrafo belga Jan Kempenaers percorreu a ex-Jugoslávia, levando na mão um mapa de 1975. Localizou e fotografou 25 exemplares, alguns deles em adiantado estado de degradação. Desse projecto resultou um livro, Spomenik – The End of History.
Estes memoriais assemelham-se a monólitos caídos de uma odisseia no espaço; ou naves vindas de outros planetas que, por um acaso, se despenharam em massa nos Balcãs. Nos tempos de Tito, eram um lugar de culto, a que acorriam milhares de jugoslavos. Em 1973, no Dia do Combatente, mais de 80.000 pessoas reuniram-se em torno de um destes monumentos. Um Stonehenge futurista que levava aos limites as potencialidades oferecidas pelo betão armado. Obras de escultores ou arquitectos, alguns de renome, propiciavam festividades cívicas essenciais à invenção de um nacionalismo sem raízes. Um nacionalismo reactivo, que vivia em larga medida da memória de um facto negativo: a "resistência". Era com base nesse traço aglutinador, puramente reactivo ou negativo, que Tito julgava ser capaz de forjar uma federação de povos, povos que durante séculos se odiaram e guerrearam. Isso explica muito da tragédia jugoslava. E, a despropósito, uma perplexidade bem contemporânea: afinal, o dito "projecto europeu" não será, também ele, puramente reactivo, idealizado nos escombros da guerra e do nazismo, nascido apenas do desejo – um desejo negativo – de evitar a sua repetição? 
No meio da tragédia dos Balcãs, alguns “Spomenik” foram destruídos. Um dos que desapareceu foi feito por Vojin Bakić (1915-1992) em Kamenska. Dizem que esse Monumento à Revolução (1958-1968) era o mais belo de todos os Spomenik, a maior escultura abstracta do modernismo europeu.  Aqui, há quem afirme que não existem registos fotográficos da peça majestosa de Bakić, mas penso que é esta:
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Monumento à Revolução, em Kamenska

Alguns colocam aqui o problema de saber se os “Spomenik” jugoslavos são arte ou pura propaganda. Colocar a questão assim, em termos dicotómicos e tão maniqueístas, não faz qualquer sentido. Estética e política não são coisas antagónicas.  De igual modo, não faz sentido forçar a nota, julgando que, no seu despojamento formal, no seu abstraccionismo geométrico, os “Spomenik” eram a versão arquitectónica ou escultórica do titismo, expressão de não-alinhamento, símbolo corajoso de rejeição do realismo soviético. No livro de Kempenaer afirma-se, inclusivamente, que o minimalismo das formas tinha um propósito ideológico: criar um estilo “neutro” onde todos se pudessem rever, assim favorecendo a reconciliação dos povos, rumo à Federação da Jugoslávia. Duvido… Por um lado, o abstraccionismo não é total: apesar de estilizadas, notam-se formas que se assemelham a flores, cogumelos, cristais, microorganismos. Por outro lado, também noutros locais do antigo bloco de Leste encontramos exemplos muito similares a estes. Apenas para referir casos de monumentos evocativos que serviam de palco a rituais cívicos (ou seja, não falando em hotéis, edifícios públicos, etc.), basta dizer que no Monte Buzludzha, na Bulgária, se construiu um OVNI para comemorar o encontro secreto em que, naquele preciso local, reuniu várias associações em 1891 que aí formaram o movimento socialista búlgaro. O monumento foi aberto ao público em 1981 e poucos anos teve de vida, sendo abandonado com a queda do comunismo. Um outro exemplo, dos mais impressionantes – e mais belos –, situa-se na Lituânia. A fortaleza IX de Kaunas, construída no século XIX, foi utilizada pela NKVD e, depois, pelas tropas alemãs. Em 1983, foi inaugurado um espantoso monumento às vítimas do nazismo. Trinta e dois metros de altura, no local onde decorreram execuções em massa durante o Holocausto, obra assinada pelo escultor Alfonsas Ambraziūnas.
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Buzludzha, Bulgária



Kaunas, Lituânia

 
A este propósito, já se falou em “brutalismo soviético” e em “construções cósmicas”, matéria que deu azo a um belo álbum da Taschen, justamente intitulado CCCP. Cosmic Communist Constuctions Photographed, de Frédéric Chaubin. Há também outro livro, de Roman Bezjak, sobre o "modernismo socialista". E, já agora, um outro, belíssimo, sobre as ruínas do império soviético, de Eric Lusito, e outro (esse  recomendo em absoluto!) sobre as "relíquias da Guerra Fria", de Martin Roemers.
Não pensemos, portanto, que este tipo de construções – umas abertamente “cósmicas”, outras não – corresponde a uma especificidade da Jugoslávia de Tito. O estado de ruína em que se encontram estas construções é tão ou mais simbólico do que a grandiosidade aquilo que elas próprias pretendiam simbolizar: no passado, a glória do comunismo; no presente, o desvanecimento da sua memória.   
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Estância de repouso e férias Drujba, no Mar Negro. Ucrânia, 1985




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         Existe um outro domínio em que a palavra “Spomenik” aparece. Uma organização na Eslovénia, cujo nome é precisamente www.spomenik.org,  procura localizar e identificar as valas comuns em que foram enterradas milhares e milhares de pessoas. O texto de apresentação não é muito claro, mas creio que buscam, acima de tudo, vítimas das purgas de Tito. Mantendo o seu sentido literal ("monumento"), “Spomenik” adquiriu, assim, um duplo e antagónico significado simbólico: no passado – num passado recente – evocava as glórias do socialismo jugoslavo; agora, dá o nome à organização que surge na sequência do trabalho feito ao longo de décadas pela comunidade eslovena no exílio, que recenseava os mortos de Tito e publicava “Livros Brancos” (Bele Knjige) com os seus nomes. O número dos locais já identificados dá bem uma noção da escala dos massacres. Pelo menos 21.000 vítimas já foram registadas. 




Livro Branco (Bele Knjige)



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Autor de mais de vinte "Spomenik", Bogdan Bogdanovic disse, recentemente: “O século XX foi um século triste e perigoso. (…) Metade dos meus colegas da escola morreram na guerra; os outros tornaram-se comunistas ou anticomunistas, e guerrearam-se entre si. A única coisa que consigo dizer é: eu vi tudo isso, vivi tudo isso e não consigo compreender o que se passou”. Nós também não.

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António Araújo













1 comentário:

  1. Fantástico post caro António Araújo, enriquecedor. Sou um leitor devoto deste espaço, mas só quero deixo as minhas impressões, que não poderiam mais positivas. O meu bem haja por este "serviço público".

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