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A gente lê o Alberto Manguel e fica esmagada com tanta erudição. Uma História da Leitura é uma leitura cativante. Reading Pictures também vale muitíssimo a pena, podendo o leitor ler Leer imágenes, a tradução castelhana, de 2002, pois portuguesa não existe. Com Gianni Guadalupi, Alberto Manguel compilou o The Dictionnary of Imaginary Places, clássico de 1980 que teve uma reedição muitíssimo ampliada em 1987, chegando agora quase às 800 páginas.
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The Dictionary of Imaginary Places, ed. revista |
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Não obstante, há lacunas graves e omissões gritantes no livro de Manguel e Guadalupi. Quase tão interessante como ver o que lá está é tentar descobrir as falhas (consultámos a muito bonita edição de 2000). Que o Dictionary of Imaginary Places se esqueça da camoniana Ilha dos Amores é algo que incomoda o orgulho lusitano mas não causa dano de maior, pois já estamos habituados a desconsiderações e menoscabos vindos do estrangeiro. Agora que Manguel e Guadalupi não refiram a República da Britannula é coisa que não se compreende.
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Anthony Trollope (1815-1882) |
A Britannula era uma ilha situada perto da Nova Zelândia – ou seja, nos antípodas, se o leitor se encontrar neste momento frente a um computador em Afife, Esposende ou Trofa (há gostos para tudo). Foi esta ilha concebida por Anthony Trollope (1815-1882), numa novela fantástica e satírica, The Fixed Period, primeiramente publicada em fascículos na Blackwood’s Magazine e depois saída em livro, em 1882. Traduções portuguesas? Várias. A mais inspirada de todas, sem dúvida, saiu dos pés de Hélder Postiga, ao minuto 71’.
.The Fixed Period, 1882 |
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À semelhança da Ongoing, a Britannula era um país imaginário que acabou mal. Tinha como capital Gladstonopólis, uma óbvia, demasiado óbvia, paródia de Trollope a William Gladstone.
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William Gladstone (1809-1898) |
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A acção de The Fixed Period decorre em meados do século XX, por voltas dos anos 80, quando a ilha e os seus 250.000 habitantes tinham acabado de conquistar a independência relativamente ao domínio britânico. República com um Presidente eleito, na Britannula não existia aristocracia. Só Lili Caneças.
A prever o futuro, Trollope não era grande Maya. Anteviu a existência de telemóveis, mas o seu uso era reservado aos oficiais da Marinha; as mulheres da Britannula eram obedientes aos maridos e o sexo, quando ocorria, estava reservado à intimidade do matrimónio. Não admira que, no final da novela, a pasmacenta Britannula acabe por ser reanexada pelo Império Britânico, apesar de ainda hoje, à semelhança do que sucede com Portugal, continuarem a circular rumores sobre a sua existência como República soberana (aqui).
Na Britannula existia uma regra curiosa, que dá o nome à novela, The Fixed Period. O Parlamento lá do sítio aprovara, por esmagadora maioria, uma lei que se destinava a evitar o sofrimento prolongado dos idosos – e, sublinhe-se, a diminuir os gastos públicos com a manutenção das suas carnes avariadas. Eis uma medida de contenção do défice que deveria merecer a atenção de Viktor Caspar, actor maior da cinematografia expressionista germânica da década de 20. Quem esquece o clássico vampiresco Der Nosferatu des Subsidien von Noël und vacances? Sim, quem consegue esquecer a sombra negríssima desta criatura das trevas?
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.eine Symphonie des Grauens |
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Regressemos à distopia de Trollope. Chegando aos 67 anos, um britânulo seria levado, nos termos da lei, para um local chamado The College, situado na cidade de Necropolis. Aí, no The College, tinha lugar a sua “partida” (?!) e subsequente cremação, um ano passado após a “partida”. Que “partida” seria esta que pregavam aos britânulos sexagenários fica à imaginação dos leitores. Mas esperar um ano para cremar o cadáver de uma pessoa, para mais o cadáver de uma pessoa já morta, é algo que ofende os mais elementares princípios de higiene pública. Pior que a Britannula só mesmo Lx, capital do lixo, após cinco dias de greve dos cantoneiros.
Aqui fica, pois, toda tiradinha à borla da Wikipedia, a nota informativa sobre uma novela fantástica, que já no século XIX colocava o problema da eutanásia; com um argumento moral (o respeito da dignidade dos idosos) mas também com um fundamento económico (diminuição dos gastos públicos). Muito interessante. Premonitório? Talvez. Mas, para mim, o interesse destas utopias, ucronias ou distopias é saber como se projectaram no futuro, agora presente. Do que o grande Emilio Salgari imaginou, em 1907, no fabuloso Le meraviglie del Duemila, o que se concretizou realmente? Que correspondência existe entre a Lisboa Monumental, concebida por Fialho de Almeida em 1906, e a Lisboa despovoada e imunda, governada por António Costa em 2012? Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa...
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O futuro do passado: Júlio Verne. |
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Alguns livros ensaiam um cotejo entre o futuro do passado e o presente do presente. Um desses livros, encantador, foi escrito por Jacobson e Antoni e traduzido para português pelo Engº Vasco Taborda Ferreira, sendo publicado em 1938 pela Sá da Costa. Chama-se Das Antecipações de Júlio Verne às Realizações de Hoje. É claro que este divertissement inocente e inofensivo funciona sobretudo nas ficções que têm por objecto realidades imaginadas mas possíveis, em regra graças a mil e um artefactos tecnológicos e a outros tantos prodígios científicos. Não se aplica, claro está, às divagações de um Borges ou de um Calvino sobre lugares e seres que jamais poderiam existir. Há quem chame «paleofuturo» a esta arqueologia das imaginações pretéritas, existindo, inclusivamente, um fabuloso blogue a este propósito. Noutros lugares, tudo num registo fun, nada académico, mostra-se o futuro projectado nos anos 50 por revistas como a Popular Mechanics. Sempre, ou quase sempre, a realidade de hoje fica muitíssimo aquém daquilo que era imaginado no passado, com carros voadores ou robots domésticos e sem chuvas ácidas ou Duarte Lima. Veja-se, por exemplo, o maravilhoso livro The Wonderful Future That Never Was: Flying Cars,Mail Delivery by Parachute, and Other Predictions from the Past (PopularMechanics), publicado em 2010. Mais antigo (e mais fracote…), é o livro de Joseph Corn e Brian Horrigan, Yesterday's Tomorrows: Past Visions of the American Future, saído em 1996. Já agora, outro livro ainda: Follies of Science: 20th Century Visions of Our Fantastic Future, de John Dregni e Eric Dregni, de 2006. Como o título desta última obra indica, existe aqui uma certa autocrítica light da ciência e da técnica, nas suas promessas de um futuro radioso. Mas também das promessas políticas e da própria crença popular, alimentada de messianismo tecnológico, nas maravilhas do novo milénio. Quando pensamos, por exemplo, na War on Cancer lançada por Nixon nos alvores da década de 70, quando comparamos aquilo com que se ambicionava e aquilo que se alcançou, o balanço é decepcionante. Contudo, nem tudo foi mau, existiram avanços impressionantes, e não podemos dizer, de modo algum, que se tratava de mais uma das muitas mentiras de Trickie Dickie. Para se fazerem progressos no combate ao cancro era fundamental um impulso, um impulso político, como aquele que foi dado através da aprovação do National Cancer Act de 1971. Não se atingiram as metas ambiciosamente sonhadas e prometidas, mas progrediu-se de forma espantosa. A este propósito, nada como ir à galeria “Health Matters”, no Science Museum, em Londres. Vemos lá, entre outras maravilhas, uma sala de terapia do cancro na década de 80. Tudo aquilo parece extraordinariamente antiquado, ultrapassado, datado – e, no entanto, foi há tão pouco tempo, foi já no “nosso” tempo. É das melhores ilustrações que conheço dos progressos verificados na Medicina e, em particular, no tratamento das doenças oncológicas. É inegável o muito que se avançou, na verdade. Mas quem leia um livro apaixonante como One in Three: A son’s journey into the history and science of cancer, de Adam Wishart, fica a modos que devastado, já para não falar no mais conhecido e mais terrífico The Emperor of All Maladies: A Biography of Cancer Na literatura atrás citada, emerge, sobretudo, a delícia de ver o modo ingénuo como os antigos viam o futuro, a maior parte das vezes em obras de ficção, mas noutras em textos científicos e académicos, coisas para levar à séria. O mais curioso é verificar que quase tudo o que de melhor aconteceu – a descoberta do DNA ou a pornografia grátis na Internet, por exemplo – passou completamente ao lado das mais optimistas previsões dos nossos antepassados. No caso de Trollope, a curiosidade encontra-se no facto de ter falado da eutanásia, muito provavelmente a brincar, satirizando. Antes dele, o tema já havia sido explorado, mas há pontos muito interessantes em The Fixed Period: o facto de a lei que previa a eutanásia ter sido democraticamente aprovada, e por uma larga maioria de deputados; o facto de o fixed period ser rígido e “cego” relativamente à situação concreta de cada um, o qual bastando chegar aos 67 anos era irremediavelmente condenado; o facto de tudo isto ser regulado em letra de lei e, no final, esta nunca ter sido aplicada porque entretanto a Britannula foi reanexada; e, enfim, o facto de se utilizarem argumentos para fundamentar a eutanásia que eram baseado numa compaixão “cega” pelos idosos, mesmo contra a vontade destes, e, pormenor interessantíssimo, na necessidade de conter os gastos públicos, em escrupuloso cumprimento do memorando assinado entre a República da Britannula e o Fundo Monetário Internacional.
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William Osler (1849-1919) |
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Já que começámos a falar de cancro, convém chamarmos um médico. Temos agora connosco Sir William Osler (1849-1919), um distintíssimo cavalheiro de origem canadiana que se fixou nos Estados Unidos e, depois, em Oxford (Inglaterra). Formado pela Universidade McGill, Montreal, foi um nome grande da História da Medicina, um dos lendários “Big Four” que lançaram o não menos lendário John Hopkins Hospital, em Baltimore, no Maryland.
Patologista, internista, pedagogo, bibliófilo, historiador, escritor, Osler teve uma vida preenchida. Era, pois, um homem de múltiplos e grandes interesses, à semelhança de algumas figuras da classe política portuguesa.
Os "Big Four" |
Patologista, internista, pedagogo, bibliófilo, historiador, escritor, Osler teve uma vida preenchida. Era, pois, um homem de múltiplos e grandes interesses, à semelhança de algumas figuras da classe política portuguesa.
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Osler em acção |
William Osler revolucionou o ensino da Medicina, privilegiando a aprendizagem feita nos hospitais, junto às camas dos pacientes, com observação in loco das patologias e enfermidades, em detrimento das aulas magistrais dadas em anfiteatros grandiosos mas afastados da realidade da doença. Se hoje vemos, nos hospitais, catedráticos de Medicina a circularem de cama em cama com os seus alunos graxistas, a Sir William Osler o devemos. Para Osler era fundamental ouvir o que os doentes tinham a contar, mais do que ouvir prédicas de mestres. “Listen to your patient, he is telling you the diagnosis”, foi uma das suas tiradas mais célebres. Curar é escutar.
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William Osler, retrato de Thomas Corner, 1905 |
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Para termos uma pálida ideia da importância de William Osler, basta dizer que o seu livro The Principles and Practice of Medicine: Designed for the Use of Practitioners and Students of Medicine, de 1892, foi sucessivamente reeditado – e, claro, utilizado – até 2001. Durante décadas, The Principles and Practice of Medicine foi considerado o principal livro de Medicina em todo o mundo, com traduções em várias línguas: francês, alemão, russo, castelhano, chinês e até português (esta por Fábio Coentrão, de cabeça, numa jogada de génio, ao minuto 63’).
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Aequanimitas, 1905 |
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Osler enalteceu o valor da fleuma, num escrito também famoso, Aequanimitas: um médico deveria manter-se sempre imperturbável, por pior que fosse o quadro clínico que tivesse de enfrentar. Aequanimitas foi o seu discurso de despedida da Universidade de Filadélfia, em 1889, quando rumou a Baltimore. Aequanimitas passou a ser a divisa das armas da família Osler e ainda hoje figura nas gravatas dos funcionários de John Hopkins.
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Armas da família Osler |
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Perguntais, e bem: mas que raio é que isto tudo tem a ver com a Britannula do Trollope? É assim: em Fevereiro de 1905, Osler fez um novo discurso de despedida. Desta feita, abandonava os Estados Unidos e a John Hopkins, rumo a Oxford e ao lugar de Regius Professor of Medicine, que ocuparia até à morte. Tudo o que Osler fez na vida ficou nos anais e, neste caso, o seu discurso ficou nos anais da gerontologia. Chamou-lhe The Fixed Period, ou seja, chamou a si a novela de Anthony Trollope. Disse, na ocasião, que o período mais activo e frutuoso da vida dos homens ocorre entre os 25 e os 40 anos. A partir daí, é sempre a descer. Recordou o The College da Briannula, onde os cidadãos dessa ilha, ao chegarem aos 67 anos de idade, se recolhiam ordeiramente para um breve período de contemplação, findo o qual eram “pacificamente extintos” com clorofórmio. A imprensa popularucha, que já a existia na época, fez parangonas: “Osler defende o clorofórmio aos 60 anos!”. É necessário perceber que Osler era um nome grande, enorme, gigantesco, da Medicina daquele tempo. Dizer que advogara publicamente a eutanásia representava um facto sensacional, tremendo. Uma coisa eram as novelas fantasiosas de Trollope, sátiras em fascículos posteriormente reunidas em livro. Outra, mais séria, era uma proclamação académica feita por alguém que já foi chamado “o pai da Medicina moderna” e que tem dezenas de doenças com o seu nome. Sem nos esticarmos muito na enumeração nosológica, temos a doença Rendu-Osler-Weber (a bem conhecida telangiectasia hemorrágica hereditária), a doença Osler-Vaquez (ou Polycythemia vera), a síndrome Osler-Libman-Sacks, a síndrome de Osler, a tríade de Osler (uma associação nada agradável de pneumonia, endocardite e meningite) e até um bichinho de nome Sphryanura osleri, que é um trematódeo, como sabem. Já no campo dos nematódeos parasitários, surge a simpática Osler filaria. Além de doenças e bicharada, Osler deu o nome a dezenas de edifícios públicos: escolas secundárias em Vancouver, Manitoba ou Ontário, uma gigantesca biblioteca na Universidade de McGill (dita, com snobismo, Bibliotheca Osleriana), o Osler Hall ou ainda o Osler Center for Clinical Excellence, criado em 2002 na John Hopkins. Se um médico tão reputado advogava a eutanásia, dizendo que aos 67 anos se chegara ao fixed period, as suas palavras davam que pensar.
Não iremos especular sobre se Osler estava a falar a sério. É que, apesar da sua pose hierática, com a inevitável bigodaça fin de siècle, e apesar do seu currículo esmagador, Sir William Osler, na verdade, era um pândego que não perdia uma ocasião para a pilhéria. E, supremo génio, o que mais o divertia era subverter os códigos da Ciência Médica, disciplina em que era mestre incontestado.
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William Shakespeare (c. 1564-1616) |
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Nas suas paródias, Osler usava o nom de plume “Egerton Yorrick Davis”. O “Yorrick”, ao que parece, constituía uma alusão erudita à caveira do defunto bobo da Corte que surge no 5º Acto, 1ª Cena, 179-188, de Hamlet: “Alas, poor Yorick! I knew him, Horatio, a fellow of infinite jest, of most excelente fancy”. Trata-se de um dos mais citados trechos de Shakespeare, mas também dos mais mal citados, pois ele anda por aí muita gente, armada em parva, que proclama “I know him well, Horatio”, quando o que lá está dito, verdade verdadinha, é “I know him, Horatio”. Em Tristram Shandy, Laurence Sterne foi buscar Yorick a Shakespeare, fazendo dele um pastor que, vindo da Dinamarca, se dirigiu às Ilhas Britânicas para servir de bobo na Corte Inglesa (El Corte Inglés, na língua de Cervantes).
Assinando “Egerton Yorrick Davis” (ou apenas “E. Y. D.”), William Osler enviava com frequência cartas aos editores de revistas científicas prestigiadas, tudo no gozo. Enquanto Anthony Trollope imaginou uma república soberana, a Britannula, William Osler criou um alter ego, Egerton Yorrick Davis, como bem captou uma excelente análise deste singular caso, aqui. Nas cartas que escrevia para as revistas médicas, Davis apresentava-se como um antigo cirurgião do Exército americano que agora vivia solitariamente nos confins do Quebeque, numa terra chamada Caughnawaga. Segundo fazia constar, tinha escrito um controverso paper sobre os hábitos obstetrícios dos índios americanos, que havia sido rejeitado para publicação e silenciado pela comunidade médica. Por isso, em siciliana vendetta, Davis escrevia afanosamente para revistas médicas e sociedades científicas. Para aumentar a veracidade da coisa, Osler assinava “Davis” nos livros de registo dos hotéis em que pernoitava e nas listas de participantes nas conferências de Medicina a que assistia. A dado trecho, Osler considerou que Davis tinha atingido o seu fixed period e, coerentemente, matou-o. Começou então a circular a informação de que o prolífico escritor de cartas para revistas médicas se tinha afogado nos Lachine Rapids, em 1884. Foi, aliás, Osler quem propalou essa notícia. Curiosamente, Osler não tinha receio nem pudor de assumir publicamente a sua persona alternativa, chegando a dedicar os seus livros com a assinatura de Davis. Osler e Davis tinham uma relação muito ambígua, como veremos.
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A maior proeza da dupla Osler/Davis ocorreu em 1884. Um colega de Osler, Theophilus Parvin, havia publicado na Philadelphia Medical News um editorial sobre vaginismo, intitulado “An Uncommon Form of Vaginismus”. Três semanas depois, a revista publicava a carta de um leitor, o médico Egerton Yorrick Davis. Nesta carta, Davis reportava um estranho fenómeno com que deparara na sua prática clínica em Pentonville, na Inglaterra. Mais precisamente, um caso singular de cohesione in coitus, que apelida de penis captivus:
«Dear Sir: The reading of an admirably written and instructive editorial in the Philadelphia Medical News for November 24 [na verdade, November 29] on forms of vaginismus, has reminded me of a case in point which bears out, in an extraordinary way, the statements therein contained. When in practice at Pentonville, England, I was sent for, about 11:00 P.M., by a gentleman whom, on my arriving at his house I found in a state of great perturbation, and the story he told me was briefly as follows:
“At bedtime, when going to the back kitchen to see if the house was shut up a noise in the coachman's room attracted his attention, and, going in, he discovered to his horror that the man was in bed with one of the maids. She screamed, he struggled, and they rolled out of bed together and made frantic efforts to get apart, but without success. He was a big, burly man, over six feet, and she was a small woman, weighing not more than ninety pounds. She was moaning and screaming, and seemed in great agony, so that, after several fruitless attempts to get them apart, he sent for me.”
When I arrived I found the man standing up and supporting the woman in his arms, and it was quite evident that his penis was tightly locked in her vagina, and any attempt to dislodge it was accompanied by much pain on the part of both. It was, indeed, a case 'De cohesione in coitu.' I applied water, and then ice, but ineffectively, and at last sent for chloroform, a few whiffs of which sent the woman to sleep, relaxed the spasm, and relieved the captive penis, which was swollen, livid, and in a state of semi-erection, which did not go down for several hours, and for days the organ was extremely sore. The woman recovered rapidly, and seemed none the worse.
I am sorry that I did not examine if the sphincter ani was contracted, but I did not think of it. In this case there must have been spasm of the muscle at the orifice, as well as higher up, for the penis seemed nipped low down, and this contraction, I think, kept the blood retained and the organ erect. As an instance of Iago's 'beast with two backs," the picture was perfect. I have often wondered how it was, considering with what agility the man can, under certain circumstances, jump up, that Phineas, the son of Eleazar, was able to thrust his javelin through the man and the Midionitish woman (vide Exodus); but the occurrence of such cases as the above may offer a possible explanation.
Yours truly,
Egerton Y. Davis,
Ex. U.S. Army»
Na carta, como se vê, existe uma referência literata a outra obra de Shakespeare, Othello, e ao dito de Iago logo no 1º Acto: “the Moor are now making the beast with two backs”. Há também uma alusão bíblica, que para aqui não interessa, até porque Osler se enganou rotundamente (não é do Êxodo, mas de Números, 25: 7-15). Mas interessa, sem dúvida, que o Yorrick/Yorick, de Hamlet, citasse o Iago, de Othello. E, suma perfídia, começasse a carta tecendo grandes louvores a Theopile Parvin, que, segundo parece, ficou encantado e cheio de si pela publicação do testemunho de Egerton Davis!
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The Science and Art of Obstetrics, de Theophilus Parvin |
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Um pormenor delicioso: para aumentar a credibilidade da farsa, Osler deu-se ao trabalho de utilizar selos do Canadá e enviar de Montreal a carta de Davis para o Philadelphia Medical News. Segundo parece, o texto chegou à redacção da Medical News através do The Canada Medical and Surgical Journal. E, já agora, outro detalhe saboroso: a encenação foi tão bem feita que a revista publicou a carta sem hesitar e, pasme-se, ainda hoje a missiva de Davis é citada como verdadeira em vários textos de Medicina. Um outro pormenor: quer Theophilus Parvin, quer William Osler, pertenciam ao corpo redactorial da Philadelphia Medical News. Parvin era um obstetra totalmente obcecado por um tema de baixa relevância: as contracções espasmódicas dos músculos perineais, situados numa região que os médicos brasileiros designam por assoalho pélvico, existindo até um assoalhopelvico.com. Armado em parvin, Theophilus fez-se valer do seu estatuto de membro do corpo editorial da Medical News para publicar, com honras de destaque, um artigo sobre um tema irrelevante, que só a ele interessava – e de forma maníaco-compulsiva. Diz-se que Osler, que advogava a necessidade de aliar a investigação e o ensino (algo que Parvin desdenhava), terá ficado uma fera com o editorial da revista (os editoriais, para mais, não eram assinados, o que comprometia todos os membros do board). Arranjou, então, uma forma de se vingar do pomposo Parvin: vestiu a pele de Davis e enviou para a revista uma carta relatando um caso que versava um tópico que deliciava Parvin, mas que não tinha grande consistência do ponto de vista do mérito terapêutico, tal como resultava da observação dos doentes, o supremo valor para Osler. Era uma especulação teórica, já que poucos ou nenhuns casos haviam sido reportados e, quando o foram, possuíam duvidosa credibilidade. Ora, do mesmo modo que detestava as aulas magistrais, proferidas longe dos doentes, William Osler queria uma Medicina prática, longe de divagações académicas. Muito provavelmente, o artigo de Theophilus Parvin constituía para ele o exemplo acabado de uma elucubração vazia em redor de uma questão que não tinha o mínimo interesse para a Medicina e para os doentes, sendo mero reflexo da obsessão do seu colega, uma tara monomaníaca por movimentos pélvicos femininos. A História daria razão a William Osler, como sempre. Theophilus Parvin pode ter ficado muito cheio de si na altura, mas dele nem sequer existe actualmente uma entrada na Wikipedia. William Osler, pelo contrário, com o seu humor e imperturbável aequanimitas, dá hoje nome a doenças, hospitais e programas de investigação de ponta. É aqui que entra o penis captivus.
O penis captivus constitui um fenómeno raro da Natureza que alcançou o grau máximo da cientificidade: virou mito urbano. Abstemo-nos de entrar em pormenores escabrosos, mas pululam por aí dezenas de histórias de casais que dão entrada nos bancos das urgências, incapazes de se despegarem. Há de tudo, inclusive versões misóginas e boçais, de mulheres com garrafas ou produtos hortícolas com formas fálicas. Abundam, sobretudo, historietas alarves de mulheres com cães, em regra lobos-de-Alsácia (Deutscher Schäferhund). Contudo, creio poder afirmar-se, com um razoável grau de probabilidade, que aí estaremos, isso sim, perante efeitos secundários de bulbus glandis e não de casos de penis captivus em sentido próprio. Trata-se de uma opinião pessoal, minha, e portanto subjectiva; no entanto, como qualquer diagnóstico clínico, reclama-se da mais rigorosa objectividade.
De acordo com a literatura que consultei (José Vilhena et all), quando, em finais do ano de 1981, circulou o miserável boato que envolveu uma cançonetista platinada do grupo “Doce” e um possante jogador do Sport Lisboa Benfica, o penis captivus foi uma das explicações propostas para o desagradável incidente. Os rumores são terríveis, como o mostra um livro interessantíssimo de Cass Sunstein, um dos maiores constitucionalistas norte-americanos, com uma obra colossal, que faz cruzamentos fascinantes entre Direito e Psicologia Social. O livro, On Rumors (2009), até foi publicado cá, pela Dom Quixote, mas a sapiência e a astúcia comercial dos livreiros nacionais colocou-o nos escaparates junto aos manuais de auto-ajuda e aos livros de lifestyle. Portugal é sensacional: traduzem e editam um livro destes, de um nome grande como Cass Sunstein, que discutiu como poucos o precautionary principle, e depois vendem-no na secção de astrologia azteca e terapia reiki… Mais grave do que isso foi, sem dúvida, o boato sobre a cantora loura e o futebolista nascido em Bissau.
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Ainda nos nossos dias a Gazeta de Viseu se permite dizer, aqui: "Há quem diga que é tudo mentira, há quem diga que é tudo verdade." De facto, perante qualquer realidade da vida há sempre pessoas que dizem que é verdade, enquanto outras insistem que é mentira. Mas, como cidadãos de um Estado de direito, muitos se interrogam: para quando uma homenagem nacional ao vilipendiado Maurício Zacarias Reinaldo Rodrigues Gomes, vulgarmente conhecido por Reinaldo? Para quando um desagravo público à injustiçada Laura Diogo?
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Maurício Zacarias Reinaldo Rodrigues Gomes, a.k.a. Reinaldo |
Ainda nos nossos dias a Gazeta de Viseu se permite dizer, aqui: "Há quem diga que é tudo mentira, há quem diga que é tudo verdade." De facto, perante qualquer realidade da vida há sempre pessoas que dizem que é verdade, enquanto outras insistem que é mentira. Mas, como cidadãos de um Estado de direito, muitos se interrogam: para quando uma homenagem nacional ao vilipendiado Maurício Zacarias Reinaldo Rodrigues Gomes, vulgarmente conhecido por Reinaldo? Para quando um desagravo público à injustiçada Laura Diogo?
Reinaldo, o cromo 40 |
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Caso se veja envolvido numa situação análoga, deve o leitor escutar os avisados conselhos do blogue TopMusicas:
“Recorda-nos Rosa (nome fictício), que agora vendo ao longe «a Laura Diogo sofreu muito naquela altura. Ela foi apanhada desprevenida e não sabia como lidar com a situação.» Perante um boato destes é normal que qualquer um fique perplexo e não saiba como lidar com a situação. Mas podemos dar-lhe algumas dicas. Ora veja...
Não vacile. Pense que estes boatos devem ser condenados de forma veemente e pondere a hipótese de consultar um especialista de Psiquiatria. Poderá ser uma forma de prevenir uma depressão.
Outra coisa a ter em consideração é não se deixar embalar nos meios de comunicação social. Declare apenas o estrito e necessário. Seja sintético/a”.
Vamos então ser sintéticos. O futebolista e a cançonetista foram vítimas de outro mito urbano. Como o nosso saber nestas matérias é puramente livresco, recomendamos vivamente uma leitura: La légende du sexe surdimensionné des noirs (2005), um livro curioso de Serge Bilé, que trata precisamente da mitologia que constituiu a fons et origo do infame boato sobre o atleta do Benfica.
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Nascido na Costa do Marfim, Bilé é um jornalista e prolífico escritor que se tem dedicado, em várias obras, à questão da negritude: as aparições da Virgem na Martinica (Le miracle oublié, 2008), o racismo no Vaticano dos nossos dias (Et si Dieu n’aimait pas les noirs?, 2009), os negros nos campos de concentração (Noirs dans les camps nazis, 2005), os tempos em que os negros possuíam escravos brancos (Quand les Noirs avaient des esclaves blancs, 2008), os últimos testemunhos da escravatura (Paroles d’esclavage, 2011), o racismo no sistema de ensino (Au secours, le prof est noir!, 2009), mas também histórias de negros colaboracionistas (Sombres bourreaux, 2011). Vamos esquecer alguns momentos mais tristes da carreira de Bilé, como o espectáculo musical Soweto, que glorifica o amor de Winnie e Nelson Mandela (o subtítulo é esclarecedor do nível de pirosismo deste trabalho “Quand l’amour change le destin d’un peuple”). Ou, no mesmo registo, as canções de amor escritas por Bilé para serem cantadas – e cito – por “les plus belles voix antillaises”.
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Livro de Serge Bilé, 2005 |
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Nascido na Costa do Marfim, Bilé é um jornalista e prolífico escritor que se tem dedicado, em várias obras, à questão da negritude: as aparições da Virgem na Martinica (Le miracle oublié, 2008), o racismo no Vaticano dos nossos dias (Et si Dieu n’aimait pas les noirs?, 2009), os negros nos campos de concentração (Noirs dans les camps nazis, 2005), os tempos em que os negros possuíam escravos brancos (Quand les Noirs avaient des esclaves blancs, 2008), os últimos testemunhos da escravatura (Paroles d’esclavage, 2011), o racismo no sistema de ensino (Au secours, le prof est noir!, 2009), mas também histórias de negros colaboracionistas (Sombres bourreaux, 2011). Vamos esquecer alguns momentos mais tristes da carreira de Bilé, como o espectáculo musical Soweto, que glorifica o amor de Winnie e Nelson Mandela (o subtítulo é esclarecedor do nível de pirosismo deste trabalho “Quand l’amour change le destin d’un peuple”). Ou, no mesmo registo, as canções de amor escritas por Bilé para serem cantadas – e cito – por “les plus belles voix antillaises”.
Não queremos insistir na tese do sexe surdimensioné des noirs, matéria que tem servido de pasto a muito cliché sexista e machista. Mas não podemos deixar em branco que um dos casos mais recentes de penis captivus teve lugar no Quénia, o mês passado. De acordo com o Nairobi Gal Diary, de 9 de Maio transacto, o fenómeno parece ser frequente naquele país, a ponto de os quenianos terem cunhado um nome para o designar: kukwamiana. Basicamente, o kukwamiana é uma paráfrase afro do latino penis captivus. O povo do Quénia, na sua esmagadora maioria, atribui as causas do fenómeno à acção de bruxaria e juju.
Tenho dado muito aos leitores aqui no Malomil, sem nada pedir em troca. Creio ser chegado o dia em que posso pedir, rogar e rastejar, implorar de coração aberto, que dediquem uns poucos minutinhos da vossa atenção para, a sós ou em família, visionarem este vídeo, que volta menos volta vai ser retirado do Youtube – portanto, é aproveitar enquanto é tempo.
Muitos poderão dizer que se trata de uma montagem, mas poucos se atreverão a afirmar que o vídeo é uma falsificação. A cena passou-se há um mês, mês e picos. A multidão ululante cerca a casa onde está o par enlaçado, os vizinhos sobem aos telhados entre gritos e vozearias, grande algazarra, todos querendo presenciar o fenómeno da Natureza. As autoridades civis e religiosas comparecem no local com prontidão, sem delongas nem atrasos burocráticos: na cena, um polícia e um pastor. Um homem de camuflado. Seguiremos o relato do Nairobi Gal Diary. O marido, de seu nome Mwaniki, solicita ajuda e tenta negociar com os seus potenciais libertadores: “Sitaki huyo bibi nataka 50,000”. Obtém, como contraproposta, “Hata mimi sitaki bibi, muulize kama atachuka 10,000 kwanza”. Naquele aperto, quem não aceitaria? Alcançado o acordo, o pastor avança, faz umas rezas, interroga o casal: “Mnaamini Mungu? Toa hio kitu!”. Depois, dá uns calduços no rapaz e, num ápice, voilá!, está quebrado o feitiço, desfazendo-se o incómodo enlace.
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O mito do penis captivus continua o seu caminho, tendo-se agora fixado pelo Extremo Oriente, qual gripe das aves. Em 2009, foi noticiado pelo GMA News um caso ocorrido nas Filipinas: um homem de 32 anos, casado, funcionário do Ministério das Obras Públicas e Auto-Estradas, ficou aprisionado no interior de uma rapariga de 20 primaveras que trabalhava num shopping da cidadezinha de Isulan, província de Sultan Kudarat. O fenómeno do penis captivus ocorreu às 10 da noite e, com paciência oriental, só por volta das 3h30 da madrugada é que ambos ousaram solicitar apoio médico, acabando por dar entrada para saída no hospital local, devidamente protegidos de olhares curiosos por um lençol. De acordo com as notícias, estiveram mutuamente sequestrados durante 17 horas.
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O mito do penis captivus continua o seu caminho, tendo-se agora fixado pelo Extremo Oriente, qual gripe das aves. Em 2009, foi noticiado pelo GMA News um caso ocorrido nas Filipinas: um homem de 32 anos, casado, funcionário do Ministério das Obras Públicas e Auto-Estradas, ficou aprisionado no interior de uma rapariga de 20 primaveras que trabalhava num shopping da cidadezinha de Isulan, província de Sultan Kudarat. O fenómeno do penis captivus ocorreu às 10 da noite e, com paciência oriental, só por volta das 3h30 da madrugada é que ambos ousaram solicitar apoio médico, acabando por dar entrada para saída no hospital local, devidamente protegidos de olhares curiosos por um lençol. De acordo com as notícias, estiveram mutuamente sequestrados durante 17 horas.
As Filipinas parecem ser propícias à eclosão do penis captivus. Em Setembro de 2010, rebentou em Manila o «Vaginismus Scandal»: dois actores e modelos popularíssimos, John Lloyd Espidol Cruz e Shaina García Magdayo, teriam supostamente dado entrada no St. Luke’s Hospital, com algumas dificuldades em verem-se livres um do outro. A notícia foi prontamente desmentida, tendo-se provado que, na altura da alegada ocorrência, John Loyd estava a trabalhar em Mortal e Shaina Magdayao na preciosa série Precious Hearts Romances Presents: Alyna.
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O problema destes boatos é que deixam marcas. Há poucos dias, mais precisamente no passado dia 4 de Maio, Shaina anunciou à imprensa mundial a ruptura da sua relação com John Lloyd Cruz. A História, sempre implacável, registou para a posteridade o escândalo do vaginismo que abalou as Filipinas. Acompanhemos um vídeo que, por um imperativo de rigor científico, exibimos aqui na sua versão original, em língua tagalog:
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John Lloyd Cruz |
Shaina Magdayao |
O problema destes boatos é que deixam marcas. Há poucos dias, mais precisamente no passado dia 4 de Maio, Shaina anunciou à imprensa mundial a ruptura da sua relação com John Lloyd Cruz. A História, sempre implacável, registou para a posteridade o escândalo do vaginismo que abalou as Filipinas. Acompanhemos um vídeo que, por um imperativo de rigor científico, exibimos aqui na sua versão original, em língua tagalog:
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Para os mais interessados, há um sítio na Internet chamado vaginismus.com. De acordo com um artigo publicado em 1979 no British Medical Journal, não existem registos fidedignos de penis captivus no século XX (aqui). Assim que esta prestigiadíssima publicação científica publicou esse artigo, da autoria do Dr. F. Kräupl Taylor, logo apareceu na caixa de correio da eminente publicação uma cartinha de um leitor, o Dr. Brendan Musgrave, garantindo ter presenciado um caso, em 1947, na Ilha de Wight: “I can distinctly remember the ambulance drawing up and two young people, a honeymoon couple I believe, being carried on a single stretcher into the casualty department. An anaesthetic was given to the female and they were discharged later the same morning.” (aqui)
Note-se, em abono da verdade, que o Dr. Kräupfl não enjeitava o penis captivus. Pelo contrário, confirmava a sua existência, baseando-se nos trabalhos de dois ginecologistas alemães do século XIX, F. Scanzoni (em 1870, no nº 7 do Beiträge zur Geburstkunde und Gynäkologie) e G. Hildebrandt (em 1872, no nº 3, pág. 221, do Archiv für Gynäkologie). Na História da Medicina germânica, Friedrich Wilhelm Scanzoni von Lichtenfels (1821-1891) não é muito conhecido pelo penis captivus; a sua fama advém, isso sim, da violentíssima polémica que manteve com o seu colega húngaro Ignaz Philipp Semmelweis (1818-1865), depois de este se ter atrevido a sugerir que os obstetras deveriam lavar as mãos antes de examinarem as pacientes. Scanzoni achou a ideia um escândalo. E não foi o único: a tese de Semmelweis sobre as virtudes da lavagem das mãos, um procedimento elementar de higiene, suscitou uma enorme reacção na comunidade médico-científica, só logrando confirmação, graças aos trabalhos de Pasteur, vinte anos depois de ser proposta. Scanzoni, como se disse, foi um dos mais ferozes críticos de Semmelweis, história descrita aqui.
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Friedrich Wilhelm Scanzoni von Lichtenfels (1821-1901) |
Ignaz Phillip Semmelweis (1818-1865) |
Mas gostava que me explicassem – a sério, é um pedido de ajuda aos leitores – por que motivo a República Democrática Alemã apreciava Semmelweis a ponto de, em 1950, lançar um filme, Semmelweiss - Retter der Mütter, em que o médico húngaro, adversário de Scanzoni, era o herói da história. Não sei se se trataria de um filme de propaganda, uma película educativa a exortar o pessoal hospitalar a ser mais asseado. Não tive tempo para esmiuçar o assunto, mas valia a pena saber, até porque já antes tinha existido outro filme sobre Semmelweis, That Mothers Might Live, uma curta-metragem produzida pela MGM em 1938, galardoada com um Oscar. Fizeram-se, aliás, várias obras cinematográficas sobre Semmelweis, pelo menos sete, algumas recentes, de 1994, 1995 e de 2001.
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Quanto a Hildebrandt, é curioso o caso que descreveu em 1872: desde a noite de núpcias, a esposa sempre sofrera de vaginismo e os espasmos dos bulbospongiosi impediam que o casal mantivesse relações sexuais. Como já notaram Sidney Bondurant e Stephen Capannari, num artigo publicado em 1971 na revista Medical Aspects of Human Sexuality (aqui), trata-se de uma situação muito similar à descrita na carta de Davis e quase de certeza Osler inspirou-se neste caso descrito por Hildebrandt.
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Spermatologia, 1720 |
Citando o livro de James Ricci, One Hundred Years of Gynaecology (1945), o Dr. Kräupfl informa que a primeira descrição do sintoma de penis captivus foi feita em 1729 por Martinus Schurigius (1656-1733), o primeiro nome da História da Medicina a explorar em profundidade os órgãos sexuais, tendo escrito em 1720 um clássico do voyeurismo, Spermatologia. Adverte Kräupfl, porém, que outro autor, Rollerston, afirmara na revista Janus, em 1939 (nº 39, pág. 196), que existiam registos mais recuados do fenómeno. Até há quem assevere que já Homero e Lucrécio aludiram ao pénis captivus (cf. Earl F. Nation, “William Osler on Penis Captivus and other Urological Topics”, Urology, Outubro de 1973, aqui). Segundo J. D. Rollertson, fontes medievas dos séculos XII-XIV relatam casos de pecadores que mantinham relações sexuais no interior das igrejas e, na manhã seguinte, eram surpreendidos pelos fiéis, os quais só conseguiam separá-los à custa de baldes de água fria ou graças ao poder da oração. Geralmente, não bastava a oração dos leigos: nos casos mais bicudos, as rezas feitas por monges revelavam-se mais eficazes para desencravar a situação. No entanto, o Dr. Kräupfl não confere credibilidade a esses testemunhos, pese a sua vetustez praticamente milenar. Como, de resto, não confia no relato de um caso, este ainda mais dramático: pela Primavera de 1923, dois jovens estudantes foram encontrados in aperto num jardim público de Varsóvia. O guarda do jardim tinha sido alertado pelos gritos lancinantes do elemento masculino do desafortunado casal. Prontamente socorridos, acabariam por ser separados ainda na ambulância, com a ajuda de um anestésico. Contudo, a projecção mediática do caso fez com que ambos os jovens se suicidassem com dois tiros de revólver: um para ela; outro para ele. O Dr. Kräupfl, no artigo do British Medical Journal que estamos a analisar, duvida igualmente da veracidade de um caso ocorrido em Bremen, relatado pelo Dr. Bloch. O homem era estivador do porto dessa cidade costeira e, pela manhã, foi descoberto numa zona esconsa das docas, literalmente agarrado por uma mulher. Juntou-se uma multidão em redor do casal, que ao tempo não havia Internet para mostrar coisas daquelas. Tendo sido administrada à mulher uma dose de clorofórmio (o mesmo produto com que na Britannula se despachavam os idosos), o estivador acabaria por conseguir libertar-se dela e rapidamente largar amarras dali para fora. Kräupfl duvida da autenticidade deste caso. De igual modo, questiona – e bem – a tese sustentada por Walter Stoeckel (Lehrbuch der Gynäkologie, 4ª ed., Leipzig, 1933), segundo a qual apenas relações sexuais ilícitas conduziriam ao penis captivus. Uma curiosidade: Stoeckel menciona especificamente os arbustos como um locus classicus para a emergência do penis captivus. Ora, sendo este resultante de uma contracção involuntária dos músculos vaginais (Scanzoni e Hildebrandt esgrimem argumentos sobre que músculos vaginais levariam ao penis cativus), não se compreende, de facto, por que razão tal fenómeno só ocorreria em situações de ilicitude sexual. Nisso, estamos de acordo com o Dr. Kräupfl – que, ainda assim, opina que, de um ponto de vista “teorético” (sic) não é de excluir in limine que o penis captivus seja potenciado pela ilicitude das relações sexuais, dado o seu carácter furtivo e dada a impetuosidade sexual exponenciada pelo medo do risco e pelo sentimento de transgressão.
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Walter Stoeckel (1871-1961) |
Lehrbuch der Gynäkologie, de Stoeckel |
Para Kräupfl tudo isso poderia aumentar os espasmos musculares vaginais e, pronto, conduzir à cativação do pénis. “Such a reaction cannot be dismissed offhand as impossible. It is theoretically quite possible”. Francamente… É espantoso como num artigo saído em 1979, numa revista de referência mundial como o British Medical Journal, se utilize um jargão e uma abordagem conceptual que em nada diferem das mais pedestres incursões oitocentistas em matéria de sexologia, feitas de forma impressionista, baseadas empiricamente no diz-que-diz e eivadas de preconceitos e estereótipos. Valha-nos Santa Marta Crawford.
Pior ainda: a dado passo, o Dr. Kräupfl, citando Kirsch (The Sexual Life of Women, 1910), convoca o nome de Davis. É espantoso: em 1979, num texto publicado no British Medical Journal, um especialista como o Dr. F. Kräupfl Taylor ainda tomava por verdadeiro o testemunho de Davis… Pelo menos, não questionou o que Kirsch escrevera sobre o penis captivus e o texto de Davis, ainda que não sejam correcto dizer, como o faz Lawrence Altaffer (“Penis Captivus and The Mischiveous Sir Wiliam Osler”, Southern Medical Journal, vol. 76, Maio de 1983, aqui), que se deve a Kräupf a afirmação segundo a qual existe uma “more or less credible instance of penis captivus” reportada por Davis. Em todo o caso, num texto publicado em 1979, no British Journal of Medicine, não se questionou a autenticidade da patranha de Sir William Osler, perpetrada quase um século antes e bem conhecida da comunidade médica. Quer dizer: em 1979, a pilhéria de Sir William Olser ainda fazia vítimas.
Permitimo-nos ainda apontar uma lacuna, e grave, no texto do Dr. Kräupfl. Este não cita as memórias da Drª Elisabeth Moor, publicadas com introdução, notas e epílogo do escritor Graham Greene em 1975, com o título An Impossible Woman. The Memoirs of Dottoressa Moor of Capri. Em 1948, Greene comprou “Il Rosaio”, uma bela casa em Capri, que manteve durante mais de 40 anos. Aí escreveu partes substanciais de livros famosos como The End of the Affair (1951), The Quiet American (1955) ou Our Man in Havana (1958). Em 1978, foi feito cidadão honorário de Anacapri. E foi aí que conheceu e se tornou amigo de Elisabeth Moor. Até há um livro: Greene on Capri. A Memoir, de Shirley Hazzard (2000). O The New York Times escreve que, apesar da sua longa permanência em Capri, Greene nunca escreveu sobre aquele paradisíaco local. Ai, Deus meu… santa ignorância! Em 1985, numa tiragem limitada de 500 exemplares assinados pelo autor, com cuidada edição de Rolando Pieraccini, a Eurographica, de Helsínquia, publicou The Monster of Capri (“Monster” foi, a dado passo, um petit nom de Greene). O livro mostra uma sequência de postais de Capri, escritos para duas crianças, os seus netos. Não consta, é certo, da sua bibliografia, tal como apresentada na Wikipedia. Mas devia constar. A partir do momento em que o divulgou esta obra, colocando-a na “esfera pública”, ela deve constar da sua bibliografia. E é a prova de que, ao contrário do que diz o NY Times, ela integra o seu corpus literário, mesmo que numa categoria diversa da das obras de ficção- Na epistolografia, por exemplo. Mas quem percebe destas coisas é o meu amigo António Ramalho. Tenho razão, António?
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The Monster of Capri, 1985 |
Provas tipográficas da obra de Elisabeth Moor |
An Impossible Woman, 1975 |
Graham Greene em Capri, c. 1949 |
Nas suas memórias, Elisabeth Moor, a amiga de Graham Greene, recorda ter sido chamada de urgência ao Hotel Eden-Paradiso, em Anacapri, Itália. O episódio envolve uma rapariga de nacionalidade alemã e um rapazola italiano que, logo que se libertou daquele ersatz da Srª Merkl, fugiu às pressas do Eden-Paradiso. Conta Elisabeth Moor, ainda que a partir de testemunhos indirectos, um caso passado em Lucerna, durante a 2ª Guerra, em que uma rapariga suíça e um homem negro tiveram de conquistar a liberdade com a esforçada ajuda de três médicos.
Elisabeth Moor – ou, melhor, a “Dottoressa Elisabeth Moor” – era uma figura lendária de Capri, onde trabalhou como médica entre 1926 e 1971. Para a feitura das suas memórias, contou com a ajuda do escritor e cineasta escocês Kenneth Macpherson (1902-1971), um homem com uma biografia sexual muito atribulada, autor de um filme de culto, Borderline, realizado em 1930, que foi redescoberto por acaso na Suíça, em 1983. O filme, apesar de mudo, era muito loquaz para a época, retratando um triângulo amoroso. Convém dizer que Macpherson era bissexual e a sua mulher, uma riquíssima herdeira, era lésbica, mas, entre múltiplas infidelidades e outras cumplicidades – partilharam como amante a escritora H.D., Hilda Doolittle (1886-1961), actriz principal de Borderline –, mantiveram-se casados durante mais de 20 anos e ajudaram muita gente a fugir da Alemanha nazi.
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Desde 1947, Macpherson passou a viver em Itália e na Suíça, acabando por se fixar em Capri, a “Villa Tuoro”, na companhia do seu amante, um fotógrafo, escritor e linguista com um belíssimo nome: Algernon Islay de Courcy Lyons (1922-1993). A mulher de Macpherson aceitou custear as despesas daquela luxuriante vida na Villa, com a condição de Kenneth e o namorado cuidarem do idoso escritor escocês Norman Douglas (1868-1952). Kenneth cumpriu o acordo, e permaneceu em Capri até à morte de Douglas. Quem era a médica pessoal do novelista escocês? A Dottoressa Moor, pois claro. A amiga de Graham Greene, que relatou alguns casos de penis captivus. O Dr. Kräupf não os cita, mas afirma peremptoriamente que, no século XX, não existem situações registadas, e credíveis, de penis captivus.
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Hilda Doolittle (1886-1961) |
Desde 1947, Macpherson passou a viver em Itália e na Suíça, acabando por se fixar em Capri, a “Villa Tuoro”, na companhia do seu amante, um fotógrafo, escritor e linguista com um belíssimo nome: Algernon Islay de Courcy Lyons (1922-1993). A mulher de Macpherson aceitou custear as despesas daquela luxuriante vida na Villa, com a condição de Kenneth e o namorado cuidarem do idoso escritor escocês Norman Douglas (1868-1952). Kenneth cumpriu o acordo, e permaneceu em Capri até à morte de Douglas. Quem era a médica pessoal do novelista escocês? A Dottoressa Moor, pois claro. A amiga de Graham Greene, que relatou alguns casos de penis captivus. O Dr. Kräupf não os cita, mas afirma peremptoriamente que, no século XX, não existem situações registadas, e credíveis, de penis captivus.
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Urban Legend, 1998 |
Tudo indicia, na verdade, que se trata de um mito urbano. E, não por acaso, o tema do penis captivus é recenseado pelo especialista em mitos urbanos, Jan Harold Brunvand, a pp. 142-145 do seu The Choking Doberman and Other Urban Legends (1984; 2003). É também aflorado num inenarrável filme de 1998, realizado por Jamie Blanks e justamente intitulado Urban Legend. Sinais dos tempos: Urban Legend foi um sucesso e teve sequelas.
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Jackie Collins, em 1956 |
Hollywood Wives, 1983 |
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Antes disso, já a Literatura tinha chamado a si o penis captivus, pela mão da escritora Jackie Collins (1937-), cuja página oficial na Internet vende hoje canecas e bonés de beisebol. Na novela Hollywood Wives, de 1983, o 9º livro da sua vasta bibliografia activa, Jackie Collins trata do penis captivus. A trama da novela é bastante complexa. Como personagens principais, temos: (a) Elaine Conti, rapariga natural de Brooklyn que foi para Hollywood, onde tenta singrar na Meca do cinema enquanto o seu casamento com o sex-symbol Ross Conti se desfaz aos poucos; (b) Marileen Gray, a melhor amiga de Elaine, que vive uma vida de luxo e fare niente, graças à pensão de alimentos que recebe do ex-marido, o actor Neil Gray; (c) Karen Lancaster, filha da superestrela George Lancaster, também uma das melhores amigas de Elaine Conti (o que não a impede de se embrulhar com o marido desta); (d) Ross Conti, marido de Elaine, uma antiga celebridade da 7ª Arte que, aos 50 anos, qual cidadão da Britannula, entrara num declínio acentuado da sua carreira artística; (e) Neil Gray, ex-marido da lontra citada em c), famoso realizador britânico, alcoólico em recuperação; (f) Jason Swankle, afamado decorador de interiores que complementa essa actividade com a gestão de uma agência de escort boys para senhoras ricas mas solitárias; (g) Gina Germaine, actriz sem escrúpulos que usa todos os meios e mais um para se afirmar em Hollywood, recorrendo inclusivamente à chantagem; (h) Oliver Easterne, arrogante director de um dos principais estúdios de cinema; (i) Buddy Hudson, jovem actor de ambições desmedidas, que tenta dissimular um passado pouco recomendável; (j) Angel Hudson, mulher do anterior, angelical, cuja juventude, beleza e inocência a tornam um alvo fácil das víboras hollywoodescas; (l) Deke Andrews, jovem com perturbações mentais, que partira de Filadélfia até Hollywood em busca dos seus pais, deixando pelo caminho um sanguinolento rasto de homicídios e outras malfeitorias; (m) Dectective Leon Rosemont, polícia de Filadélfia que tem como hobby perseguir Deke Andrews através dos Estados Unidos da América do Norte. Não admira que, com tamanha riqueza de caracteres, finamente recortados e com uma tremenda densidade psicológica, longe dos clichés e dos estereótipos que rodeiam Hollywood, esta obra literária de Jackie Collins tenha alcançado um colossal sucesso. De todos os seus livros – e são muitos –, diz-se que Hollywood Wives foi o que atingiu maior êxito junto do público. Até o exigente JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias se rendeu a esta novela de Jackie Collins, um tour de force literário em que, como referimos, entra o penis captivus. Dado ser a primeira vez que o penis captivus tem honras de entrada nos anais da Literatura, é justo qualificar Hollywood Wives como uma obra seminal.
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Jerzy Kosinski (1933-1991) |
Num registo distinto, completamente distinto, temos uma descrição de penis captivus no livro O Pássaro Pintado (1965), de Jerzy Kosinski (1933-1991). A acção do livro, de que existe tradução portuguesa (Ulisseia, 1968), decorre na 2ª Guerra e o episódio em causa relata uma violação brutal de uma rapariga judia. Não vamos entrar em pormenores, mas todos os que conhecem minimamente o universo de Kosinski imaginam a cena. Ainda assim, o livro suscitou imensa polémica: foi banido na Polónia comunista, sofreu acusações de plágio, disse-se que o escritor queria relatar factos autobiográficos que não vivera, etc., etc. Não sendo um “grande escritor”, Kosinski é uma personalidade fascinante. Interessei-me por ele quando li Roman, a autobiografia do seu amigo e compatriota Roman Polanski. Kosinski, que teve uma vida atribuladíssima, afirmou que escapou por um triz ao massacre organizado por Charles Manson que vitimou Sharon Tate, mas Polanski nega a sua versão da história. Dele li A Árvore do Diabo (trad. portuguesa, Livros do Brasil), pelo que não fiquei muito admirado quando soube que se tinha suicidado: meteu-se numa banheira de água quente e enfiou um saco de plástico na cabeça. Deixou um bilhete escrito: “I am going to put myself to sleep now for a bit longer than usual. Call it Eternity”. Mindfucker.
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Saint-Osler... |
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Terminamos com Sir William Osler, o homem que fez a ponte entre a eutanásia e o pénis cativo. Poderíamos fazer ainda umas incursões teóricas e densas sobre o penis captivus. O mito é tributário do fascínio e da atracção-repulsa que o órgão sexual feminino suscita no imaginário colectivo, masculino em particular. Basta lembrar as histórias da vagina dentata (que deram um filme de terror em 2007) ou referir as bolandas em que andou o quadro de Courbet, L’Origine du Monde (1866), que até Lacan teve pudor de exibir na sua casa de campo e, para pagar os direitos sucessórios aquando da sua morte, acabou no Musée d’Orsay, onde hoje é dos quadros mais populares: a julgar pelo número de postais com reproduções das obras do museu, a tela de Courbet é a segunda mais popular do d’Orsay. Em torno vaginismo (não confundir com o penis captivus) existem milhares de histórias e lendas, eruditas e populares. Seria interessante ver o que dizem homens como Egas Moniz ou Adsrúbal de Aguiar, mas fica para a próxima. Claro que teríamos de falar também do Doutor José Bacalhau, médico e professor de Coimbra, autor da incontornável obra Anatomia, Fisiologia e Patologia do Pénis, dissertação de doutoramento apresentada à Universidade de Coimbra e publicada em 1922 pela Imprensa da Universidade, num grosso volume de 425pp. Além de dissertar sobre o pénis, o Doutor Bacalhau foi o reedificador do Hotel Aviz no sítio do Penedo Gordo, no Espinhal. Aquela seria a distopia do Doutor Bacalhau, a sua Britannula íntima, de que hoje só restam vestígios esparsos, após muitas e muitas pilhagens. Num país civilizado, já se teria feito uma belíssima biografia desta personagem e do seu Xanadu, mas estamos em Portugal, o país possível. O meu amigo Gastão de Brito e Silva já fotografou as ruínas para o Ruin’Arte, um blogue de que falarei aqui um dia destes. Um abraço, Gastão!
A crer num inquérito realizado no Vanderbilt University Hospital, e divulgado num estudo de Bondurant e Cappannari, muitos profissionais de saúde não desdenham que o fenómeno seja real. É sintomático que se diga que o penis captivus é muito doloroso, podendo mesmo ser fatal para o homem, e que a ilicitude das relações sexuais potencia a eclosão do singular fenómeno. A cativação do pénis seria, assim, a sanção aplicada aos que prevaricavam – ou a ameaça latente para que o não fizessem. Não por acaso, alguns relatos antigos associam o uso de afrodisíacos a situações de penis captivus, como refere Charles Roland, num texto que contém a mais ampla resenha de casos dessa patologia que conheço, alguns deles hilariantes (para quem lê, claro). Se quiséssemos divagar ainda mais, entrando por escorregadios caminhos psicanalíticos, poderíamos perguntar se o fenómeno não representa um expediente feminino que, consciente ou inconsciente, poderá confirmar a freudiana inveja do pénis.
É igualmente sintomático que, quer na Europa da Idade Média, quer no Quénia dos dias de hoje, se julgue que uma intervenção do transcendente pode resolver o problema (nos tempos medievais, dizem, a libertação do pénis cativo graças às orações dos frades era considerada um milagre). Outros propunham soluções radicadas no imanente: na página 209 de Sexual Hygiene and Pathology, publicada em Filadélfia no ano de 1955 (e com muita difusão no mundo), John F. Oliven defendeu que o penis captivus seria libertado se se introduzisse um dedo polegar no recto da mulher, o que iria “ajudar a relaxar o espasmo vaginal”. Como já observou jocosamente Earl Nation, num estudo que citámos atrás, Oliven só não especificou que polegar deveria ser utilizado. Que opinião terá o Prof. Júlio Machado Vaz de tudo isto?
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Isbrand van Diembroeck (1609-1674) |
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Uma descrição apaixonante, pelo modo como está redigida, é-nos fornecida por Isbrand van Diembroeck (1609-1674), um grande anatomista do século XVII. Na versão inglesa: “When I was a Student at Leyden I remember there was a young Bridegroom in that Town that being overwanton with the Bride had so hamper'd himself in her Privities, that he could not draw his Yard forth, till Delmehorst the Physician unty'd the Knot by casting cold Water on the Part.”
Em todo o caso, a mais hilariante de todas é aquela em que A. C. Jacobsen nega a existência do penis captivus com um argumentário nacionalista: do mesmo modo que o povo britânico nunca seria escravo de ninguém, o pénis nunca poderia ser capturado. Aqueles que não seguissem o exemplo dos britânulos e jamais ousassem sair do domínio da Coroa estavam salvaguardados da ameaça da cativação do pénis. Nitidamente no gozo, com uma alusão jocosa à Carta do Atlântico, Jacobsen escreveria no Medical Times, em 1945: “Has the human penis ever really been in captivity? We doubt it. We jealously proclaim its complete freedom in a world of compromises, inhibitions and frustrations. If the penis is not free, then all privilege is a fiction. As Britons never shall be slaves, so the penis never shall be captured. Failure to include such a declaration in the Atlantic Charter was a serious omission”.
Existe, enfim, outro ponto merecedor de referência. William Osler manteve uma relação ambígua com o seu alter ego. Por vezes, não tinha pudor em assumir que este era uma criação sua – e chegou a assinar livros com o nome de Davis. Mas, noutros casos, talvez para adensar o simulacro, mostrava distanciamento face a Davis. Quando o editor da Medical News lhe fala da carta que recebera sobre o penis captivus, William Osler, que tanto trabalho tivera em enviá-la do Canadá, tenta dissuadi-lo de a publicar: “I know he is not a reputable character…”, terá dito Osler.
Noutra ocasião, traçou o perfil biográfico de Davis, explicando a proximidade que tinha com ele mas, ao mesmo tempo, procurando distanciar-se:
“I never could understand about Egerton Yorrick Davis. He is represented to have practices at Caughnawaga nearly opposite Montreal, where his collections were stored in the Guildhall. Some have said that he was a drunken old reprobate, but the only occasion on which I met him, he seemed a peaceable enough old rascal. One thing is certain, he was drowned in the Lachine Rapids in 1884, and the body was never recovered. He had a varied life -- in the U.S. Army; in the North West; among the Indians; as a general practitioner in the north of London. I knew his son well -- a nice mild-mannered fellow, devoted to his father”.
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William Osler, o mestre da Medicina, continuou a entregar-se ao seu desporto favorito, a pilhéria. Os colegas eram os seus alvos predilectos e, numa ocasião, discorreu sobre a doença de Peyronie ou “estrabismo do pénis”, tendo recebido uma resposta à altura daquele com quem pretendia gozar (aqui). E, enquanto estava em Baltimore, não se livrou Osler de ser, ele próprio, afectado por problemas urológicos, ainda que fora dos domínios do penis captivus.
O período vitoriano está cheio destas personagens dúplices, plenas de ambiguidades e disfarces. Aliás, todo o século XIX e princípios do século XX estão carregados de exemplos como este. A rigidez de todos códigos (morais, profisionais, etc), imposta num tempo de grandes transformações, teria obviamente de dar nisto: a fachada respeitosa e séria convivia com a ocultação do desregramento, uma vezes inofensivo e juvenil, outras criminoso e vil. A questão é mais subtil do que a mera denúncia da hipocrisia de alguns eminent vitorians. Tudo tem a ver, como dissemos, com a circunstância de ser essencial respeitar códigos rígidos em todos os planos da vida e, ao mesmo tempo, se viver num tempo que apelava, por vezes impunha, a ruptura desses códigos. Não havia espaço para essa ruptura, pois o condicionamento era, acima de tudo, interior, radicava no ser mais íntimo de cada um, após décadas de adscrição de um “modelo” de gentlemanship. Para resolver esse dilema, só existia um caminho – a duplicidade. Uma vezes, duplicidade de atitudes e práticas de vida. Outras, como no caso de Osler, duplicidade de caracteres. Neste jogo desvenda-se alguma esquizofrenia, social e pessoal, mas só assim se poderia estar em dois sítios ao mesmo tempo: na cátedra de Oxford ou na curadoria da Bodleian, e do outro lado da plateia, a gozar com o meio académico e com a classe médica. Numa evocação de Sir William Osler, alguém disse, certeiramente: “I have known many men, of varying degrees of distinction, but I have never known a really great one devoid of a sense of humor.”
Nuns casos humor, noutros simples desregramento. Mas havia que encontrar formas para cumprir os códigos que se interiorizaram desde o berço e o ensino das primeiras letras e os apelos, quantas vezes irresistíveis, de um tempo novo. Há anos, Ian Gibson publicou Erotomaniac, um livro fascinante sobre Henry Spencer Ashbee, um próspero e respeitável cavalheiro vitoriano, que secretamente acumulava uma quilométrica colecção de literatura pornográfica. Ainda que para um período um pouco mais recuado, um livro recente veio traçar a biografia de John Cleland, o autor de Fanny Hill; pelo que tenho visto, o livro, Fanny Hill in Bombay, vem mostrar que Cleland era mais do um aventureiro e ateu militante, um pornógrafo sodomita, possuindo vasta cultura e grande variedade de interesses intelectuais.
Ao fim de uma vida de honrarias e grandes feitos, à mistura com paródias e dezenas de celebérrimos mots d’esprit, Sir William Osler teria um fim triste. Em 1911, foi tornado baronete. Teve dois filhos: um, morreu pouco depois de nascer e o outro seria mortalmente ferido em combate na Grande Guerra. Aos 21 anos, pereceu na batalha de Ypres (ou Passchendaele, sobre a qual existe uma tenebrosa musiqueta de Chris de Burgh). Osler nunca recuperou da morte do filho e, em 1919, aos 70 anos, seria vitimado pela gripe espanhola. A mulher faleceria nove anos depois. As cinzas do casal repousam actualmente na Osler Library, na Universidade de McGill, comprovando que, nos nossos dias, as bibliotecas são o local apropriado para acolher os restos mortais da ciência.
Sobre Sir William Osler foram publicados três grandes livros. Um, de Harvey Cushing, The Life of Sir William Osler, de 1925, e que, apesar da sua natureza algo apologética, conquistou um Pulitzer. Outro, assumidamente hagiográfico, de Charles S. Bryan, Osler: Inspirations from a Great Physician (1997). Mais recentemente, de Michael Bliss, William Osler: A Life in Medicine (2007).
Como não li nenhum, recomendo todos.
António Araújo
http://www.telegraph.co.uk/news/newstopics/howaboutthat/9343300/Pictured-mating-turtles-frozen-in-time-fifty-million-years-ago.html
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