Negociações sobre a independência
de Angola
Como
prometido na crónica anterior, passemos a contar mais um
saboroso episódio narrado pelo Dr. Francisco de Sá
Carneiro em casa do Dr. Adriano Seabra Veiga, episódio em que o General António
de Spínola, na sua qualidade de Primeiro Presidente Provisório da República
pós-abrilista, dá mais uma pequena e eloquente amostra, na modesta opinião do
narrador, da sua ingenuidade e
incompetência como político
Ao dar-se
conta da maneira desastrosa como fora conduzido o processo de independência de
Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de Moçambique e de São Tomé e Príncipe, escassos
meses após o 25 de Abril, o General Spínola mandou chamar o ministro sem pasta
Sá Carneiro e disse-lhe que, quanto à independência de Angola, tinha de
seguir-se um outro processo, para não se repetirem os mesmos erros; e que, para
evitar isso, ele, na sua qualidade de Presidente da República Portuguesa, não
autorizava que o Dr. Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros do
Governo de então, participasse nessas negociações, a realizar em Londres, uma
vez que Mário Soares se deixava manobrar pelos comunistas, como já tinha
acontecido com o processo de independência das outras quatro ex-províncias
ultramarinas portuguesas. Que ia ser ele, Presidente da República, que se
responsabilizaria directamente pelas negociações sobre a independência de
Angola.
O Dr. Sá
Carneiro, perito em leis e em protocolo, fez ver ao Gen. Spínola que, na sua
qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Dr. Mário Soares tinha que
participar nessas negociações, por inerência de cargo. Que, se de facto não
queria que Mário Soares tomasse parte nessas negociações, ao General Spínola só
lhe restava uma opção: tinha que demiti-lo desse cargo.
Mas o General
Spínola tinha essa ideia tão arreigada na cabeça que não havia maneira de lhe
fazer compreender que as coisas não podiam ser feitas dessa maneira. Que não
senhor: que a questão da independência de Angola seria directamente gerida por
ele, Presidente da República, e não pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Ponto final.
E enquanto
o General teimosamente argumentava com o Dr. Sá Carneiro, o Dr. Mário Soares
passou duas horas a passear macambuziamente pelos corredores do Palácio de
Belém, à espera das instruções do Presidente da República, antes de partir para
Londres.
Isto
foi-nos contado, em tom ameno e jocoso, pelo grande e malogrado estadista, Dr.
Francisco de Sá Carneiro, durante o referido jantar em casa do Dr. Adriano Seabra
Veiga, médico e cônsul honorário de Portugal na cidade de Waterbury, estado de
Connecticut.
António Cirurgião
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