impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 13 - STAN
KENTON
Fotografia de William Gottlieb
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É fácil detestar Stan Kenton. Os
maestros e líderes das grandes bandas eram famosamente narcísicos, egocêntricos
e até tirânicos – que ninguém se deixe iludir pela bonomia de Count Basie, o fino
trato de Duke Ellington, ou o discrição de Gil Evans – mas só Stan Kenton teve a
jactância ou a ingenuidade para exibir esses traços com birras públicas. “O
mundo precisa de uma música forte!” pregou ele em 1947, numa das entrevistas
que dava cheias de pontos de exclamação. Em 1950, num depoimento à revista
DownBeat arrogou-se como cúmplice de Woody Herman e Dizzy Gillespie – que não
foram tidos nem achados – para proclamar que as suas bandas se declaravam
honrosamente culpadas de acabarem com o negócio da música de dança. Quem o
fosse ouvir queria “música progressiva” e não dar ao pé.
O caso assumiria proporções desagradáveis
em 1956, quando Stan Kenton se sentiu deliberadamente preterido nas escolhas
das melhores orquestras do ano pelos críticos da DownBeat e enviou um telegrama
à direcção da revista: “É óbvio que há um novo grupo minoritário, o músico de
jazz branco. A única coisa que ganho com a opinião dos vossos génios literários
do jazz é um profundo repugnância.” A réplica veio no editorial do número
seguinte, pelo punho de Leonard Feather, que em privado desdenhava Kenton com o
epigrama “Can’t Stand Him”,
devolvendo-lhe a acusação de racista.
Já em final de carreira Stan Kenton
consumaria o seu opróbrio na comunidade do jazz ao apoiar a candidatura
presidencial Barry Goldwater, o nec plus
ultra do conservadorismo republicano. Procuraria ele deliberadamente a
maldição? Que ela não o abandonou pode-se constatar numa sondagem promovida pela
revista JazzTimes, tão ulterior quanto 1997, para conjecturar quem era sub e
sobreavaliado no jazz – três vozes apontaram o nome de Kenton nesta última
categoria.
New
Concepts of Artistry in Rhythm
1952 (2011)
EMI Music Distribution - 0688829
Stan Kenton (piano, maestro); Conte Candoli, Buddy
Childers, Don Dennis, Maynard Ferguson, Ruban McFall (trompete); Bob
Fitzpatrick, Keith Moon, Frank Rosolino, Bill Russo (trombone); George Roberts
(trombone baixo); Bill Holman, Richie Kamuca (saxofone tenor); Lee Konitz,
Vinnie Dean (saxophone alto); Bob Gioga
(saxophone barítono); Don Bagley (contrabaixo); Sal Salvador (guitarra);
Kay Brown (voz); Stan Levey (bateria); Derek Walton (congas).
Levante-se o réu:
Depois de tantos libelos não deixa de
ser surpreendente que qualquer antologia ou selecção do jazz, por mais que se
contorça em face da óbvia antipatia que a personagem difunde, acabe por incluir
San Kenton e, sobretudo, o disco “New Concepts of Artistry in Rhythm” no seu
rol.
Entender-se-á melhor a sua música se
nela forem realçados os cromossomas autenticamente californianos. A partir de
meados da década de 40, ao passo que a labareda do bebop se propagava pela
América como fogo na pradaria, a orquestra de Kenton cativou uma presença e uma
influência quase hegemónica na cena musical de Los Angeles. Ciente de que a era
do swing declinava, o maestro creu-se ungido para vaticinar o amanhã das big
bands e arvorando-se arauto do modernismo replicou a bitola de Wagner (não é
alegoria: em 1964 publicaria o disco “Kenton Plays Wagner”): a sua orquestra
passou a ser maior e a tocar mais alto do que as outras, insuflada por um
formidável trem de cinco trompetes e quatro trombones.
O estilo encorpou à medida do volume,
assimilando no formato do jazz uma exaltação e uns agudos que emulam com
nitidez a ansiedade de Dimitri Tiomkin e o suspense de Bernard Herrmann, cotadíssimos
compositores de bandas sonoras cinematográficas, que à época poderiam ter sido
vizinhos de Kenton. O arcaboiço rítmico onde assenta este pesado edifício resulta
do fascínio pelo filão cubano que Dizzy Gillespie desbravara e da
disponibilidade de Los Angeles como polo da emigração latina.
“New Concepts of Artistry in Rhythm”, se
bem que possa ter as máculas da petulância e do ecletismo, acaba por ser o
retrato musical de uma cidade, de um tempo e de uma ideia voluntariosa – enfim,
de uma singularidade.
José Navarro de Andrade
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