segunda-feira, 23 de março de 2015

Estado de Direito.





 
Não existe o crime de pedofilia. Quem o referir, seja jornalista, magistrado, ministro ou cidadão comum, estará a falar de uma coisa inexistente.

....Ser-se pedófilo é ter como objecto de desejo sexual, as crianças. É uma parafilia, ou seja, um desvio do que se entende por sexualidade “normal”. Todavia, a maioria dos pedófilos, mesmo que comprem um apartamento com vista para uma escola e se excitem ao ver crianças, não interagem com estas nem lhes fazem, mal. Mais: sofrem porque não podendo concretizar as suas pulsões sexuais, por considerarem que eticamente não o podem fazer – ao contrário de quem tem desejo por adultos e até mesmo de fetichistas e sado-masoquistas –, nunca concretizam o seu desejo sexual. Muitos pedófilos procuram ajuda junto de psiquiatras e nunca fizeram mal a uma mosca.

....Outra coisa, que, sim, é crime, é o abuso sexual de crianças, ou como se diz na lei: crimes contra a liberdade e a auto-determinação sexual das crianças e adolescentes. Esses crimes, que vão da pornografia infantil ao abuso e contacto sexual, podem ser cometidos por pedófilos ou por adultos que, mesmo não sendo pedófilos, usam crianças porque estas são presas fáceis, calam-se e, ao confundirem mimo e afecto com a sedução, deixam-se conquistar.

....Qualquer crime tem uma moldura penal definida no Código Penal, e cada crime tem uma taxa de reincidência, seja o tráfico de droga, o homicídio, a violência doméstica, o abuso sexual ou a fuga aos impostos ou à Segurança Social. Para cada crime há uma moldura penal e que, com atenuantes ou agravantes, é estabelecida.

....Num Estado de Direito, uma vez cumprida a pena estabelecida pelo tribunal, o condenado e ex-prisioneiro deve ser considerado uma pessoa livre, havendo algumas inibições estabelecidas pelos códigos diversos (um banqueiro corrupto não pode trabalhar na banca, etc), e se se pressupõe uma taxa de reincidência deve ser feito um percurso terapêutico durante o cumprimento de pena e depois dela.

....Sendo as crianças um tema “epidérmico” (e tantas vezes usado abusivamente), a “caça ao pedófilo” pode ser uma realidade, levando a julgamentos populares e a linchamentos e a justiça por mãos próprias, o que contraria o que o avanço civilizacional nos garante. Mais: a consulta por leigos pode levar a tentativas de justicialismo e de “justiça preventiva”, a “derramas de nomes” para jornais (se aconteceu com espiões e com pessoas colocadas em redes de investigação anti-crime, o que seria alguns tablóides publicarem nomes…) e se isso fosse legítimo para este tipo de crime, porque não para a violência doméstica o que levaria ao caricato de termos de ir à polícia saber o cadastro dos potenciais namorados e namoradas… Aliás, na adolescência, a violência no namoro é uma realidade que ultrapassa, de longe, o crime sexual contra menores, só para dar um exemplo. Se o governo desejar aumentar a moldura penal, que o faça, mas cravar um ferrete em pessoas para toda a vida, designadamente quando, por exemplo, se tentem tratar e re-integrar, é em si criminoso. Além de ineficaz porque, como na pena de morte, quem comete esse tipo de crimes não vai ler as estatísticas nem pensar com lógica e racionalidade antes de os cometer! Então a “pulseira electrónica” social, de cidadãos que, aos olhos da lei, são livres, terem de reportar para onde vão ou qualquer emprego necessitar de certificados criminai roça o obsceno. Então as empregadas de casa, as educadoras, os professores, os monitores das escolas, enfermeiros, médicos, auxiliares, técnicos de radiologia ou análises, fisioterapeutas, osteopatas, acupunctores, professores de piano ou violino, o senhor que vende cromos, ou da pastelaria…

....A vida tem algo de imprevisível e não podemos proteger os nossos filhos de todos os riscos, mas podemos, sim, fazê-los confiar em nós e eles saberem que defenderemos os seus interesses. Mas escutando-os, acreditando neles, investigando se for o caso, reportando às autoridades competentes, e não agindo de forma selvática e primitiva. Não vivemos nem desejamos viver na barbárie e em estados discricionários, mas num Estado de Direito em que a força da democracia é ter, por vezes, fraquezas, mas em que um inocente na cadeia repugna muito mais do que um criminoso à solta. É essa a força do Humanismo e da Liberdade.

 
Mário Cordeiro

 


 


 

10 comentários:

  1. Totalmente de acordo. Uma vez cumprida a pena não há nada que justifique a perseguição social do condenado.

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  2. Eu cá, não gostaria de ter como vizinho de andar um fulano que vinha de vinte anos de cadeia por ter morto uma família inteira.
    E muito menos tê-lo, sem o saber.

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    1. Também nunca saberá que o seu vizinho actual poderá, um dia, matar a família inteira. A dele ou a sua. A alternativa é vivermos numa ilha isolada.

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    2. Bom, ha varios remédios para esse problema. Assim de repente, vejo pelo menos dois :

      1. Comprar uma vivenda isolada numa ilha deserta protegida por uma milicia e comprar também um cão, não va algum miliciano ser um antigo condenado sem v. saber.

      2. Ganhar juizo.

      Um é incomparavelmente mais barato que o outro. Mas o dinheiro não é tudo na vida...

      Boas

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  3. Muito obrigado a ambos.
    É curioso que uma das respostas (que aliás não responderam a nada) tenha necessidade de partir imediatamente para o insulto.
    Supostamente quem visita este excelente e didáctico blog deveria ter um mínimo de educação, mas lá está, somos surpreendidos por quem menos de espera.
    A minha observação era simples, eu não gostaria daquela situação.
    Nenhum dos senhores comentou a mesma.
    Ou seja gostariam ou não?
    Estados de alma a mim não me interessam, não sou padre.

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  4. Concordo com o fato da lista existir apenas para as autoridades competentes e nao para dominio publico..mas convinhamos... que para os abusadores de crianças (para nao usar o termo pedofilo) que instintivamente procuram empregos que os coloquem diretamente em contacto com elas...acho que deve haver certo controle para empregos demasiado perto de crianças..falar em perseguição é facil..mas qual é o pai ou mae que por muito racional que seja fica descansado em ter um/uma abusador de crianças a mudar lhes a fralda numa creche?

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  5. Num Estado de Direito estas listas de pedófilos não podem existir. E nenhum governo com cinco dedos de testa e dois de democracia pensa nelas com o antepáro de que os pais vão ficar gratos pela protecção dada aos filhos. Um Estado Democrático tem o dever de protecção a todos os cidadãos, sem excepção. Não é a inaugurar a caça às bruxas que o problema se resolve.

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    1. a taxa de reincidência neste crime é demasiado elevada para se permitir que indivíduos como estes sejam educadores por exemplo. é como colocar um alcoólico (que não admite o seu problema) numa fabrica de wiskey, e esperar que nao façam nada. não faz qualquer sentido,
      esse estado de direito que fala é o utópico, daqueles que também não precisava de colocar fechaduras na porta porque não haveria ladroes.

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  6. Tranquilizou-me ouvir um pediatra dizer que a protecção das crianças não pode ser feita atropelando princípios penais, constitucionais e até civilizacionais básicos.
    Considero também que, tendo em conta as características da criminalidade “contra a autodeterminação sexual” (que só raramente se deverá a desconhecidos) e até o actual modo de vida das crianças (que pouco andam sozinhas pelas ruas e pelos espaços públicos) haveria uma enorme desproporção entre as vantagens preventivas da “lista” (quantos crimes iria evitar?) e as suas consequências negativas e riscos. A “lista” pode mesmo levar a situações absurdas: um rapaz de 16 anos que mostre uma revista pornográfica a um amigo de 13 irá constar da “lista dos pedófilos”!
    Para protecção das crianças de pessoas próximas, já hoje se exige a quem pretenda exercer funções (públicas ou privadas, mesmo que não remuneradas) que o ponham em contacto com menores a apresentação de um certificado do registo criminal particularmente exigente no que respeito aos crimes em causa (Lei nº 113/2009, de 17 de Setembro).
    Obrigada ao Mário Cordeiro e ao Melomil pelo texto.

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  7. Sejamos claros.A pedofilia como a definiu MC no post é um desejo íntimo logo desconhecido se não explicitado sob a forma de atos feitos ou tentados e provados.Um desvio sexual assumido no estado atual da lei e em principio não tratado com uma pena de prisão.Sera punido e não tratado.Quem mata a familia toda num acesso de raiva ou premaditadamente(ele ha familias...)é punido e nada leva a supor que caso não seja considerado doente que o vá repetir .Estarei errado mas estou apenas a tentar refletir sem preconceito.A ideia da lista no quadro legal ja existente é uma ideia (mais uma )idiota e feita sem reflexão.A lista esta feita.O que se discute é o acesso á mesma.

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