António
é o cartoonista português que mais admiro. O melhor, o mestre. Tendo todos os
livros dele, nunca perdi uma exposição das suas obras. Em miúdo, recortava semanalmente os seus
cartoons dos tempos do PREC, mais
tarde reunidos em Kafarnaum.
Em
várias ocasiões, tenho defendido aqui os desenhadores e ilustradores
portugueses contra a moda avassaladora da compra, por parte das editoras de livros, de desenhos ou fotografias nos
bancos de imagens internacionais. Aludi, vezes sem conta, aos efeitos deletérios desta tendência para o futuro dos nossos ilustradores, fotógrafos, artistas gráficos e desenhadores, sobretudo os mais jovens.
Noutras
ocasiões, fora do Malomil, tenho escrito e falado em palestras, conferências, etc.
sobre as pessoas com deficiência, os direitos a quem têm direito em nome da sua
dignidade (o tema, aliás, é muito cá de casa). O primeiro direito que têm as
pessoas com deficiência é não serem insultadas pela deficiência que têm.
Já
uma vez, há uns meses, Miguel Sousa Tavares escreveu nas páginas do Expresso: «Wolfang Schäuble é uma personagem condenada à história. Da sua cadeira de rodas, ele não vê de perto os milhares, milhões de mutilados que a receitada troika causou em países como Portugal e a Grécia.»
Agora,
foi a vez de António utilizar o facto de Wolfgang Schäuble viver confinado a
uma cadeira de rodas para fazer uma intervenção humorística, ou cartoonística.
Foi ainda mais longe: utilizou essa condição de Schäuble como pretexto para uma
alusão metafórica ao estado – sem dúvida, lamentável – da União
Europeia. Ao lado do ministro alemão, colocou os chefes de governo português e espanhol,
todos de cadeira de rodas, num cartoon que intitulou, de forma jocosa,
«A locomotiva europeia». A «locomotiva europeia» é, na ironia do cartoonista
António Moreira Antunes, uma corrida de pessoas em cadeiras de rodas... Não teve
graça. Bem pelo contrário, este cartoon é
uma desgraça. Pelo que significa de desprezo insultuoso e menosprezo jocoso
relativamente às pessoas com deficiência.
E
não, nada disto tem a ver com a polémica caricatura de João Paulo II com o preservativo,
nem sequer com o facto de sermos a favor ou contra a austeridade ou as políticas dos governos de Atenas, Berlim e
Bruxelas. Não venham com essa, não confundamos as coisas. Não falem das caricaturas de Maomé, da tragédia do Charlie Hebdo ou de uma alegada maior «liberdade criativa» dos caricaturistas face a todos os demais que intervêm no espaço público. No caso do Papa, António fazia uma crítica mordaz à posição da Igreja sobre o
uso do preservativo. Concorde-se ou não com essa crítica, ache-se de bom ou mau
gosto, fique-se ou não chocado com aquela imagem do Papa, nesse cartoon nada existia de discriminatório. Aqui é diferente. Aqui atinge-se desastradamente um conjunto de pessoas vítimas de discriminação e preconceitos: as pessoas com deficiência. Como, em idêntico registo, se poderia visar os negros ou as mulheres. No fundo, é o mesmo que fazer um cartoon racista sobre Obama ou um cartoon sexista sobre Hilary Clinton. Aqui
utiliza-se um handicap físico de uma pessoa como motivo de gozo ou pretexto para ironia fácil.
É
a segunda vez que, em poucos meses, nas páginas do Expresso são insultadas as pessoas com deficiência. É tempo desse
jornal pedir desculpas aos leitores pelas infelizes intervenções de dois dos
seus melhores colaboradores. Seria o mínimo. Em nome de uma sociedade em que sejam
combatidos os preconceitos e as discriminações – o que, como é evidente, nada
tem a ver com a política da Grécia, da Alemanha, com a austeridade ou o futuro do euro ou o referendo do Syriza. Não nos
iludamos com a espuma dos dias: o que o cartoon
de António Moreira Antunes revela é uma atitude desprezível, indigna daquele que é o grande
mestre do cartoon português do pós-25 de Abril. No melhor pano, a pior nódoa.
António Araújo
Salvo melhor opinião, um texto brilhante. A criatura será detestável, mas é inaceitável atingir a deformidade, a infelicidade. Cumprimentos.
ResponderEliminarAntónio Cabral
Sem dúvida um texto é uma análise bem feita
ResponderEliminarEm democracia , nem sempre vale tudo.
Antonio Moreira Antunes foi muito baixo , ou como se costuma dizer, Antonio Moreira Antunes foi, num ápice de " Bestial a Besta"
É uma pena........mas é assim.
Salvo devido respeito por opinião contrária, não concordo com a crítica aqui feita. A circunstância do ministro das finanças alemão andar numa cadeira de rodas é um facto que não pode ser ignorado, isto é, não podemos ignorar que ele tem uma especificidade, uma característica que o distingue dos demais. Claro está que isso, de per si, é irrelevante sobre o mérito ou demérito da sua pessoa e/ou politicas.
ResponderEliminarO cartoonista utiliza essa especificidade como mote para a crítica ao estado da UE, mas não usa a deficiência do Ministro Schauble para o atingir, aliás, o cartoon não visa essa deficiência até porque são colocados outros primeiros ministros na mesma situação.
Penso que em relação ao artigo de Sousa Tavares há uma grande diferença. Aí a referência à cadeira de rodas é irrelevante para a concretização da ideia do autor pelo que, de forma implícita, poderá ver-se nessa referência uma intenção de diminuir o ministro das finanças alemão por causa da sua deficiência.
Apoiado
EliminarUm cartoon tem que ser agressivo, é verdade.
ResponderEliminarEstá bem conseguido.
No entanto é obsceno, mais que não seja para o visado.
E para a família.
Não é caso único onde a genialidade do artista contrasta com a pulhice como ser humano.
Não vale a pena citar nomes (cada um tem os seus) mas em Portugal há vários.
O palerma do António queria meter a Igreja num preservativoi. POis está lixado, há-de ir preservadinho num caixão ou numa urnita de cinzas e a Igreja ccá ficará só para o chatear. Dizer que esse gajo é o melhor cartoonista português é discriminar uma categoria de pessoas, os cartoonistas portugueses merecem respeito. António não tem piada nenhuma e os seus desenhinhos são do pior academismo. Ou então é o avental que o torna óptimo.
ResponderEliminarOra bem...
EliminarClaro que não é o melhor cartoonista portugues e isso foi só a manteiga para depois...também pouco importa se tentou meter a igreja num preservativo.Seria dificil e um gasto inutil de latex.para envolver tanta podridão.
ResponderEliminarO que interessa é que percebam de uma vez o que é uma caricatura!!O nariz grande ajuda.É um defeito?O dono do nariz provavelmente não acha graça que se faça graça com o seu desproporcionado apendice.É um insulto a todos os aleijados?! Pelo amor de Marx!Que histeria.Haja juizo.
Um morcão de Leça a falar de podridão. É das conservas, pá.
ResponderEliminarMorcão!!!Pá já nãp ouvia há muito.Gosto e sou um bocado sim.
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