domingo, 25 de fevereiro de 2024

Cesário Verde.


 



Neste mesmo dia, em 1855, nasceu na baixa de Lisboa um filho de comerciantes. O pai tinha uma loja de ferragens na Rua dos Fanqueiros e esse filho, varão primogénito, foi encaminhado para a gestão dos negócios. Assim foi: em adulto, geriu a loja e lidou, também, com a exportação de fruta e vinhos, outro negócio da família. 

Acontece que este jovem chamado Cesário Verde viu morrer duas irmãs e um irmão. E que também ele, dos 22 anos até aos 31 com que morreu, padeceu da tuberculose que matou dois desses irmãos. Tamanho sofrimento familiar, mais as leituras que o moldaram, fizeram dele um observador sensível ao que o rodeava, em particular às vivências dos mais desfavorecidos. 

A poesia de Cesário Verde relata a pulsão de vida e o dinamismo do comércio na baixa lisboeta: os navios que chegavam e partiam, o rebuliço de gente, a força e a graça das varinas. Mas mais do que isso, fala-nos da sujidade, da pobreza, dos moribundos de cólera, peste e tuberculose, doenças que grassavam nos bairros pobres. Conta-nos, também, que nas noites sepulcrais de Lisboa, que lhe despertavam “um desejo absurdo de sofrer”, se ouvia um barulho aterrador vindo do Aljube: eram as “velhinhas e crianças” lá presas a baterem nas grades. 

A essa Lisboa decadente, e também à soturnidade industrial de Londres e de Liverpool, Cesário preferia o ar puro e a viçosidade da quinta de família em Linda-a-Pastora, nos arredores de Lisboa: a terra que sempre fazia brotar vida, as abelhas que “engordavam na vindima” e polinizavam, a poda das videiras, o trabalho braçal, dele próprio, dos seus e dos contratados. 

Tanto os seus poemas urbanos e decadentistas, entre eles “O Sentimento de um Ocidental”, como os pastoris, de que se destaca “Nós”, foram ridicularizados ou simplesmente ignorados pela crítica literária da época. Os poetas queriam-se eruditos e românticos, não a versejar sobre “o peixe podre [que] gera os focos de infecção”. Cesário Verde morreu sem saber que viria a ser considerado um dos principais poetas da modernidade portuguesa. Para isso foram essenciais o seu amigo Silva Pinto, que coligiu os seus poemas em livro, e Álvaro de Campos, o heterónimo de Fernando Pessoa que venerava Cesário Verde. 

Republicano convicto, é homenageado em Lisboa, desde o início da década de 1920, através de um Jardim Cesário Verde. E o Estado Novo, que nele se inspirou para a propaganda da ruralidade, acrescentou a esse jardim o busto que aqui vemos.  

 

                                                           Rui Passos Rocha


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