Neste mesmo dia, em 1855, nasceu na
baixa de Lisboa um filho de comerciantes. O pai tinha uma loja de ferragens na
Rua dos Fanqueiros e esse filho, varão primogénito, foi encaminhado para a
gestão dos negócios. Assim foi: em adulto, geriu a loja e lidou, também, com a
exportação de fruta e vinhos, outro negócio da família.
Acontece que este jovem chamado
Cesário Verde viu morrer duas irmãs e um irmão. E que também ele, dos 22 anos
até aos 31 com que morreu, padeceu da tuberculose que matou dois desses irmãos.
Tamanho sofrimento familiar, mais as leituras que o moldaram, fizeram dele um
observador sensível ao que o rodeava, em particular às vivências dos mais
desfavorecidos.
A poesia de Cesário Verde relata a
pulsão de vida e o dinamismo do comércio na baixa lisboeta: os navios que
chegavam e partiam, o rebuliço de gente, a força e a graça das varinas. Mas
mais do que isso, fala-nos da sujidade, da pobreza, dos moribundos de cólera,
peste e tuberculose, doenças que grassavam nos bairros pobres. Conta-nos,
também, que nas noites sepulcrais de Lisboa, que lhe despertavam “um desejo
absurdo de sofrer”, se ouvia um barulho aterrador vindo do Aljube: eram as
“velhinhas e crianças” lá presas a baterem nas grades.
A essa Lisboa decadente, e também à
soturnidade industrial de Londres e de Liverpool, Cesário preferia o ar puro e
a viçosidade da quinta de família em Linda-a-Pastora, nos arredores de Lisboa:
a terra que sempre fazia brotar vida, as abelhas que “engordavam na vindima” e
polinizavam, a poda das videiras, o trabalho braçal, dele próprio, dos seus e
dos contratados.
Tanto os seus poemas urbanos e
decadentistas, entre eles “O Sentimento de um Ocidental”, como os pastoris, de
que se destaca “Nós”, foram ridicularizados ou simplesmente ignorados pela
crítica literária da época. Os poetas queriam-se eruditos e românticos, não a
versejar sobre “o peixe podre [que] gera os focos de infecção”. Cesário Verde
morreu sem saber que viria a ser considerado um dos principais poetas da
modernidade portuguesa. Para isso foram essenciais o seu amigo Silva Pinto, que
coligiu os seus poemas em livro, e Álvaro de Campos, o heterónimo de Fernando
Pessoa que venerava Cesário Verde.
Republicano convicto, é homenageado
em Lisboa, desde o início da década de 1920, através de um Jardim Cesário
Verde. E o Estado Novo, que nele se inspirou para a propaganda da
ruralidade, acrescentou a esse jardim o busto que aqui vemos.
Rui
Passos Rocha
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