Leio sobre o início da vida dele e
parece que estou a ler sobre o meu pai, nascido sete décadas depois: cresceu
numa família de proprietários rurais; cedo se juntou à lavoura, tal como os
muitos irmãos; teve de caminhar quilómetros e quilómetros, duas vezes por dia,
para poder estudar; prosseguiu os estudos num seminário bem longe; e abandonou
o seminário antes de se tornar padre, para desgosto dos pais.
Mas ao contrário do meu pai, católico
até hoje, Tomás da Fonseca tornou-se um ateísta fervoroso e militante para o
resto da vida. Em artigos de jornal e nos livros que publicou, criticou o
sadismo, a misoginia e a pedofilia nos seminários; escreveu que os professores
deviam ser carinhosos para com os alunos, e não punitivos como era norma;
pugnou por um ensino laico, liberto de obscurantismos e democrático (na região
onde cresceu havia apenas uma turma para 12 raparigas em 20 quilómetros,
enquanto três das muitas turmas para rapazes tinham falta de alunos).
Foi assessor na Primeira República,
odiou o sidonismo e ainda mais o Estado Novo, que o prendeu no Aljube por ter
escrito sobre o Tarrafal. Criticou a beatificação de Nuno Álvares Pereira,
instrumentalizado por monarquistas e conservadores no final da República. E,
mais do que tudo, lançou-se de unhas e dentes contra o Cardeal Cerejeira e
outros dois membros do clero por, juntos, terem montado a estratégia
propagandística que fez das visões de Fátima, décadas antes, um fenómeno
nacional e internacional com reconhecimento, até, pelo próprio Papa.
Tomás da Fonseca morreu a 12 de
Fevereiro de 1968, meses antes da queda de Salazar e anos antes do fim do
Estado Novo. Bem no centro da sua Mortágua natal, a longa Rua Tomás da
Fonseca serve de residência para a biblioteca municipal (a que foi dado o
nome de um seu filho) e conduz os visitantes até uma Praceta 25 de Abril na
qual se encontra um busto deste escritor, activista e professor. A apenas 10
minutos dali, de carro, chega-se a Santa Comba Dão e ao seu Largo Dr. Salazar.
Duas mundivisões tão distintas em tão curta distância.
Rui
Passos Rocha
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