Há
obras que têm a felicidade de estampar contracapas que sintetizam
brilhantemente o que pode interessar ao leitor. A do livro Nazis Que
Triunfaram, por Éric Branca, Casa das Letras, 2022, possui um elevado poder
de esclarecimento, como se segue:
“Em
1968, o chanceler alemão Kurt Georg Kiesinger foi esbofeteado em público,
perante as câmaras da televisão, por uma jovem e atraente caçadora de nazis
chamada Beate Klarsfeld. O momento seria o princípio do fim da carreira de um
dos muitos cúmplices de Adolf Hitler que, apesar do seu currículo maldito,
triunfaram de forma retumbante no Pós-Guerra. Mas, ao contrário de Kiesinger,
denunciado nesse instante de vergonha pelos seus antecedentes sombrios, muitos
outros destacados nazis mantiveram-se impunes e não encontraram obstáculos à
sua ascensão, fosse na própria Alemanha, fosse em países vencedores do conflito
como os Estados Unidos. Reinhard Gehlen, criminoso de guerra e responsável pela
inteligência militar na frente Leste, fundou e dirigiu os serviços secretos da
República Federal Alemã. Adolf Heusinger, chefe de operações no alto comando
das forças armadas de Hitler, alcançou a presidência do comité militar da NATO.
Ernest Achenbach, grande angariador de fundos para o Partido
Nacional-Socialista e organizador do saque à economia da França sob ocupação,
esteve à frente da comissão dos Negócios Estrangeiros do parlamento germânico e
chegou até a ser indicado para comissário europeu. Rudolf Diels, primeiro chefe
da Gestapo, membro das SS e figura envolvida no incêndio do Reichstag em 1933,
acontecimento decisivo para consolidar o poder nazi, foi contratado pela CIA
como caçador de comunista. Otto Skorzeny, protagonista de numerosas operações
especiais rocambolescas, entre as quais o rapto de Mussolini de uma fortaleza
inexpugnável, tornou-se espião ao serviço de Israel, personificando uma das
reviravoltas mais insólitas e irónicas deste conjunto de figuras. E há ainda os
casos de Albert Speer, Wernher von Braun e Friedrich Paulus, entre outros
militares, políticos e espiões que ocultaram o seu currículo manchado de sangue
para renascer das cinzas do Terceiro Reich ou que, bem pelo contrário, se
serviram precisamente da experiência adquirida no regime nazi para triunfar num
tempo que estende os seus tentáculos até aos dias de hoje, de forma
frequentemente inesperada…”
Trata-se,
pois, de um reportório sinistro. Logo o controverso Albert Speer, ministro da
Produção e do Trabalho, bom ator no julgamento de Nuremberga, passou de acusado
a testemunha, com tiradas de arrependimento, independentemente de ter
satisfeito todos os delírios arquitetónicos de Hitler, esteve à frente de
milhões de escravos, trazidos dos países derrotados, grande parte deles
morreram de fome, frio, esgotamento e doenças variadas, comprovadamente andou
ligado à economia de guerra alemã, às armas secretas e às tecnologias
avançadas. Walter Schellenberg, inequivocamente ligado ao trabalho de garantir
segurança dos territórios conquistados na URSS, o que se traduziu em operações
de liquidação avaliada em meio milhão de mortos, ligado também a um processo de
intoxicação junto de Estaline, fazendo constar que o marechal Tukhachevski, um
dos principais organizadores do novo Exército Vermelho teria tido contactos com
serviços secretos alemães para depor o senhor do Kremlin, falsificou papéis e
preparou uma das purgas mais horrendas associadas a Estaline. Por curiosidade,
este senhor veio a Lisboa numa missão não concretizada de raptar o duque de
Windsor. Concluído o processo de Nuremberga ainda teve outras acusações, foi
condenado a seis anos de prisão, beneficiou de um indulto médico. Reinhard
Gehlen, antigo chefe do serviço de informações militares para a frente Leste,
entregou-se prudentemente aos norte-americanos, tinha muito a contar o que
estes precisavam para o início da Guerra Fria, teve todas as facilidades para
voltar a montar uma rede de informações, armas secretas da NATO, será posto à
frente dos serviços secretos alemães. Rudolf Diels, o inventor da polícia
política nazi, foi uma figura fundamental para arquitetar que um comunista
holandês lançasse algum fogo no parlamento alemão, graças a esse incêndio
tornou-se legal a ditadura de Hitler, o qual lançou todos os seus opositores na
prisão e tornou o regime nazi doutrina oficial. Diels esteve ao serviço do
governo militar na Alemanha, era ele que vigiava os membros do Partido
Comunista da Alemanha e que levou à ilegalização do partido. Otto Skorzeny era
tratado pela imprensa de língua inglesa como “o homem mais perigoso da Europa”,
distinguido por Hitler com a condecoração de cavaleiro da cruz de ferro com
folhas de carvalho, trabalhou a Sul dos israelitas, possuidor de um currículo
invejável ao serviço da Alemanha nazi, foi homem de negócios em Madrid,
trabalhou para a CIA. Ernest Achenbach especializou-se em pilhagem, foi
mandatários dos interesses económicos alemães em tempos de guerra, advogado dos
cartéis do Ruhr e de criminosos de guerra, parecia que ia ser colocado em
Bruxelas em tempos de CEE, foi desmascarado, levou até ao fim uma próspera
carreira de advogado em representação dos cartéis que servia fielmente desde
1933.
O
leitor tem aqui os aliciantes para ficar suficientemente desorientado para
saber como se escolheu um chanceler com palmarés dedicados ao nazismo, como o
ministro das Finanças de Hitler encontrou uma solução para salvar o marco no
auge de uma hiperinflação, como foi um leal colaborador de Hitler na chamada
recuperação económica, absolvida em Nuremberga, embora o procurador adjunto
francês tenha dito qual o seu papel maquiavélico no regime nazi: “Este homem
nefasto soube agrupar em sua volta para os conduzir a Hitler todos os poderes
financeiros industriais pangermanistas, que ajudou Hitler a apoderar-se do
poder, que com os seus artifícios financeiros dotou a Alemanha da máquina de
guerra mais poderosa da época…”, pois bem, no Pós-Guerra foi um banqueiro altamente
conceituado e quando morreu em 1970, com 94 anos, vieram muitos embaixadores da
Ásia, da África, da América Latina ou do Médio Oriente para assistir às suas
exéquias. E não menos perturbador é a história de Adolf Heusinger, que chegou
ao topo da NATO, foi encarregue de preparar no maior segredo a invasão da união
soviética, bem como os aspetos práticos da sua ocupação, acusado pessoalmente
de massacres, soube reciclar-se, entregou aos norte-americanos a sua vasta
documentação acerca do poder militar soviético. O marechal Friedrich Paulus,
derrotado á frente do 6º exército em Estalinegrado, em 30 de janeiro de 1943,
serviu depois os interesses da RDA/URSS, parece que se sentiu muito feliz por
ter colaborado com os novos senhores da Alemanha de Leste. Mas o leitor
encontrará mais histórias, basta pensar em von Braun, o cientista prodígio dos
alemães que se notabilizou nos EUA ao serviço da corrida aeroespacial, os seus
protetores democráticos jamais referiram que ele era o pai das bombas voadoras
V1 e V2 que ainda aterrorizaram os ingleses. Coisas da História…
Uma leitura fascinante, que nos deixa atarantados como as democracias e as ditaduras se serviram sem pejo de grandes colaboradores de Hitler e dos seus crimes.
Mário Beja Santos
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