No final do século XIX, Portugal era
um país agrário e tinha mais de 90% de analfabetos. Por serem consideradas
frágeis (lembra-vos algo que disse um candidato do Chega, recentemente?), as
mulheres só podiam ser educadoras, médicas ou funcionárias públicas, não podiam
pedir o divórcio e eram tuteladas pelos maridos. Os homens podiam votar. As
mulheres, mesmo as que tivessem estudos e uma profissão, as solteiras e chefes
de família, não podiam votar.
Maria Crispim era solteira, tinha
dois filhos e trabalhava como educadora quando começou a escrever crónicas nos
jornais. Designou-se Maria Veleda, em homenagem à sacerdotisa germânica que
liderou o seu povo e enfrentou o Império Romano. Escreveu na imprensa do
Algarve, primeiro, e depois em jornais nacionais, sediados em Lisboa, onde se
tornou professora. O foco da sua escrita, e também o das peças de teatro que
encenou, foi quase sempre a condição feminina: o desinvestimento do Estado na
instrução das mulheres, a sua dependência económica em relação aos maridos, o
impedimento legal a que votassem. Em suma, a ordem instituída que as
considerava inferiores aos homens.
Maria Veleda escrevia em tom
cáustico, atraía respostas mordazes e ripostava na crónica seguinte. Era comum
vê-la em debates políticos, praticamente sozinha entre mares de homens. Muitos
deles eram-lhe hostis, mas outros, como Magalhães Lima e António José de
Almeida, figuras máximas do republicanismo, incentivaram-na, tornando-a
cronista d’O Século e dirigente da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.
Com a Primeira República, que trouxe
maior igualdade às relações conjugais e permitiu o divórcio, não chegaram a
democratização da instrução nem o direito de voto para as mulheres. Numa época
em que o movimento sufragista noutros países garantia mais direitos para as
mulheres, não sem que muitas arriscassem a vida e fossem presas, a postura
gradualista do republicanismo português gerava enorme frustração em Maria
Veleda: “não sou sufragista, mas se o fosse pediria tudo e, se não dessem tudo,
não aceitaria nada”, escreveu. António José de Almeida considerava-a “demasiado
vermelha”. Em poucos anos, Maria Veleda desencantou-se do activismo e
afastou-se.
Mesmo depois do 25 de Abril, que
trouxe o sufrágio universal ao nosso país, quando em 1976 foram atribuídos
nomes de rua à urbanização da Quinta dos Condes de Carnide, a mais importante
das ruas foi dada a Ana de Castro Osório, a gradualista antecessora de Maria
Veleda na liderança da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. O radicalismo
não deixou boa lembrança. Será por esse motivo que a Rua Maria Veleda
surge mais perto da Rua Adelaide Cabete, sublinhando que, mais do que o
activismo político, o que ali se memorializa é a Obra Maternal de apoio a
crianças órfãs, que dirigiram.
Rui
Passos Rocha
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