sábado, 10 de fevereiro de 2024

Maluda.

 



Os nomes das ruas costumam durar décadas ou séculos, raramente são alterados. É o caso da longa Rua das Praças, no bairro da Lapa em Lisboa, que é cortada por sete ruas, passa pelo mítico Sr. Vinho cantado por Amália e acaba junto ao ISEG. A rua é estreita e ladeada por prédios, não há ali praça nenhuma, hoje, mas o nome mantém-se desde o século XVIII. 

É pena, porque lhe ficaria bem o nome Rua Maluda. A pintora Maluda (Maria de Lourdes Ribeiro) viveu nessa rua e teve aí o seu atelier. Mais importante: as janelas e azulejos dessa mesma rua inspiraram alguns dos quadros mais icónicos de Maluda, entre eles o que ilustra este texto, baseado na fachada do n.º 37 da Rua das Praças. Crê-se também que o lindíssimo azul-Tejo de tantas obras da pintora resultou de anos e anos a ver o rio pela janela de sua casa. 

Nascida e crescida, até aos 30 anos, na liberdade colonialista de Goa e Maputo e na liberdade europeia de Paris, Maluda viveu os seus restantes 35 anos vida em Lisboa (morreu faz hoje 25 anos). Tinha um estilo de vida boémio e era amiga de muitos outros artistas, entre os quais a já referida Amália. Era também homossexual, e o seu longo namoro com Ana Zanatti provocou um mini-escândalo na elite socioeconómica a que pertencia.  

Da sua obra sobressaem as janelas lisboetas, quase sempre fechadas, reflectindo mais o exterior do que mostrando o interior. O detalhe geométrico dos desenhos e o brilho nos azulejos são um deleite para quem ama Lisboa banhada pelo sol, para quem ama pintura e arquitectura, simetria e ordem, cores fortes e cheias. Mas Maluda fez muito mais: desenhou Lisboa vista de cima, com o Tejo ao fundo; desenhou quiosques lisboetas, faróis e janelas manuelinas em selos premiados internacionalmente; fez cartazes, tapeçarias, serigrafias. 

A Rua das Praças é a minha Rua Maluda, e não a Rua Maluda que existe, desde 2007, no bairro das Galinheiras da freguesia de Santa Clara, a mais exterior do concelho de Lisboa. Essa longa rua, tem graça, também é cortada por várias, neste caso seis, ruas transversais. As suas muitas janelas, sem azulejos em volta, são de bairro social. E é possível que dentro delas vivam algumas das pintoras do futuro. 

 

                                                                            Rui Passos Rocha

 

 



 


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