domingo, 23 de dezembro de 2012

Leituras: uma sugestão de Natal.

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É excelente e notavelmente escrita a biografia de Jaime Neves, da autoria de Rui de Azevedo Teixeira. Intitulada Homem de Guerra e Boémio. Jaime Neves e editada pela bicentenária Bertrand, trata-se de uma obra académica ou, pelo menos, da autoria de um académico. Na verdade, o Autor é um académico distinto, docente da Universidade do Minho (Braga), da Universidade de  Colónia (Alemanha) e, mais tarde, da Universidade Aberta (Lisboa). O Professor Doutor Rui Azevedo Teixeira, e passamos a citar, «academicamente fez tudo o que havia a fazer: Licenciatura em Filologia Germânica, no Porto, Mestrado em Filologia Românica e Doutoramento em Letras/Literatura, em Aachen, e a prova académica para catedrático ou Agregação, por unanimidade, em Estudos Portugueses-Literatura, em Lisboa». O Mestre, modesto, desvaloriza:   «Mas, o que é que isto tudo vale de facto? As coisas tem o valor que lhes damos. Há muita gente que daria um braço por um Doutoramento. E por uma Agregação?! Por unanimidade?! Enfim, é agradável ter a nota máxima na máxima prova académica. Nada mais ter a provar a quem quer que seja em termos académicos não é nada mau. Entretanto, imagine-se a manada de inimigos que isto produz.». Sobre as obras que produziu, o Autor apresenta uma lista das opiniões favoráveis e desfavoráveis, bem como uma interessante autocrítica: tudo aqui 
 
O Professor Doutor Rui de Azevedo Teixeira
Auto-retrato, Abril de 2010, aqui
 
O Professor Doutor Rui de Azevedo Teixeira no Exacto Centro do Mundo
(Ilhéu das Rolas, São Tomé e Príncipe), aqui
 
O Professor Doutor Rui de Azevedo Teixeira em Março de 2011, aqui






A biografia de Jaime Neves surpreende pelo seu rigor histórico mas, acima de tudo, pela qualidade estilística da narrativa. Merece realce, a este propósito, a saborosíssima digressão historiográfica, mas também literária, sobre a faceta boémia de Jaime Neves, frequentador assíduo de estabelecimentos de diversão nocturna. Com a devida vénia, damos a palavra ao Autor e à sua Obra, a páginas 176-177:
 

         «Nestes territórios equivalentes aos do grande anão Toulouse-Lautrec, Neves instala-se com os inseparáveis Cutty Sark, à frente, e cigarros, uns atrás dos outros. Uma das coisas que nota neste mundo é que “não há moscas nem horas” e existe uma cumplicidade que não existe à luz do dia. No que toca às strippers, prefere as enérgicas às que se derretem todas em melosos delíquios de prazer tão fingido que incomoda. Não suporta a puta de alto coturno de olhar vazio e gelada como a morte. Sente-lhe a peçonha. Entre as praticantes da fácil arte de explorar o sexo forte, Neves conhece quase todas as variantes da mulher eterna. Basicamente mulheres de muito rouge e nenhum pudor. Há circes e messalinas, odaliscas e até cibeles. Há também as “malmaridadas”, de Mestre Gil, e as “um bocado cansadas”. Também não faltam as rafeiras e as coironas vingativas que têm como objectivo na vida fazer a vida negra aos homens. Algumas das mais velhas têm os seus chichisbéus. E há os chulos, os pobres chulos armados em maus. São morenos, magros, de bigode, pulseira e cordão de ouro falsificado, sapatos de verniz. Desaparecem quando Neves e a sua corte aparecem. Mais do que desaparecem, “desinfetam”.

         Nenhuma das mulheres da noite, contudo, atinge a dimensão de uma Kiki de Montparnasse. Também não há nenhuma “giganta” de Baudelaire. Algumas medem-se, sem ficar a perder, com Claudette de la Bête, esse exemplo de “frança-dama”, como, no seu tempo, lhe chamaria Júlio Dantas. Exceptuando a autêntica flor venenosa de amoralidade e ambição, Neves nunca considera estas flores nocturnas “um fenómeno excremencial indispensável para proteger o corpo social”, como o fazem certos sociólogos conservadores. Pelo contrário, não raro, com uma atenção divertida, ouve os dramas que as damas soltam dos lábios pecaminosos. Diverte-se quando mostram “a hipocrisia, a manha e a intriga”, que, segundo Alice Schwarzer, a feminista alemã com cara de sargentão, é a pior faceta das mulheres. Percebe cada vez melhor que “quando choram, estão ao ataque”, pelo menos aquelas que dominam “a frieza das lágrimas”.
(...)
....Há em Jaime Neves muito da figura do Centauro, desse riquíssimo símbolo das lutas interiores do Homem. Nele enfrentam-se a razão e o instinto, como no caso do curso de acesso ao generalato que lhe é proposto e que recusa fazer; a virtude e o vício, como no profissionalismo e no jogo, nos copos, pequenas e populares misérias de um homem fora de série; a besta, no mato, e o homem, na cidade; ou o zapping de camas, carnal, e o espírito, como o sentir toda a solidão do mundo na condição de órfão de mãe, sem irmãos e sem companheira na peregrinação da vida. Até lhe surgir pela frente Delfina Coré dos Santos».
 
(fim de citação)
 

9 comentários:

  1. Respostas
    1. Este agradecimento é meu. Foi anónimo porque não me desenrascava com as outras alternativas, aliás, não sou grande espingarda com o computador.Julgo que outros anónimos sentiram o mesmo.
      Rui de Azevedo Teixeira

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  2. É mesmo verdade o que diz sobre o livro. Lê-se como um romance de aventuras, uma biografia, historiografia...Lê-se com o prazer do leitor adolescente. E tem humor...e é pungente no fim.
    Manuel alegre disse que o leu "De uma assentada. é um "romance, um grande romance".
    Fez bem em sugerir um verdadeiramente bom livro!

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  3. A escrita é fabulosa, muito sedutora, forte, sem merdices e com humor.

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  4. "Jaime Neves Homem de Guerra e Boémio por Rui de Azevedo Teixeira" poderia ser meramente uma biografia mas é muito mais do que isso...é um grande romance que li num dia e numa noite: não se sabe o que é mais interessante: se o protagonista, Jaime Neves, se a vitalidade do autor...mas precisa de ser bem lido, precisa de um público subtil

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  5. O Autor dá cada tacada na Tropa...mas gosta da tropa, da melhor tropa. Por isso estavam na apresentação do livro - feita por Ramalho Eanes e António-Pedro Vasconcelos - os maiores nomes da instituição militar :Alpoím Calvão, Loureiro dos Santos, Almeida Bruno, Vasco Rocha Vieira, etc, além de Eanes.

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    1. Sim estavam os maiores nomes, além de muitos coronéis e mais comandos ainda.
      Julgo que percebo porquê tantos anónimos aqui: a maior parte deles foi ou é militar. Não querem polémicas, ou porradas!
      O livro já é polémico que chegue - Neves e "gajas" de cabaret; porradas em Vasco Lourenço, Otelo,Costa Gomes,Spínola, Garcia dos Santos, etc dadas pelo Neves que o Autor transmite.

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  6. Um livro com uma qualidade literária assinalável, num estilo pessoal forte sobre um grande combatente do Império em que o Autor utilizou a sua cultura e grande experiência de vida e a verdade histórica.

    Manuel Ferreira da Silva
    coronel comando
    advogado
    Coimbra

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  7. Uma escrita forte e intensa sobre um homem forte e intenso.Quer o autor quer o biografado, nas suas absolutas singularidades, são daqueles que valem por 10.000 no dizer de Heráclito.Uma obra que mostra um homem, alguns homens, que explicam o mistério de um País pequeno que é uma Pátria imensa.
    Gabriel Rui Silva
    Doutor em literatura Portuguesa
    Professor
    Almada

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