segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Allez les Bleus et vive la France!




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A França é a nação anfitriã do próximo Campeonato da Europa em 2016. E há uma grande expectativa que les bleus consigam repetir os feitos do Europeu de 1984 e do Mundial de 1998 quando Michel Platini e Zinedine Zidane lideraram a equipa francesa à vitória … em casa. Tudo indica que a França já fez a sua «estrada de Damasco» e depois de anos muito tumultuosos voltou à ribalta. Foi difícil levar a cabo a renovação da sua selecção depois de uma geração de ouro que «terminou» em 2006 com a derrota na final face à Itália. Aliás é sempre difícil levar a cabo uma renovação depois de uma geração excepcional (mesmo com imenso talento individual) sendo a Espanha de hoje o caso mais evidente. Em relação à França assistimos a exibições decepcionantes que culminaram com o seu afastamento na fase de grupos no Mundial em 2010. Foi pública a divisão do grupo, a contestação relativa ao episódio Anelka e a relação difícil com o treinador Raymond Domenech. O «escândalo» de ter ficado em último lugar do grupo na África do Sul foi tão grande que ficou célebre a conversa entre o capitão Thierry Henry e o Presidente francês de então Nicholas Sarkozy sobre o «fiasco francês».
Mas a julgar pela presença em massa do público francês nos jogos de preparação (a França como anfitriã está automaticamente qualificada), e dos quais o último em Marselha, no Stade Vélodrome, face à Suécia a 19 de Novembro é um excelente exemplo, diria que os anos tumultuosos e infelizes são águas passadas. Do ponto de vista do «regresso do público» o momento de viragem foi a vitória francesa em casa, em 2013, face à Ucrânia no caminho para a «Copa» no Brasil. Os franceses conseguiram anular a vantagem de dois golos dos ucranianos e acabaram por vencer por 3 a zero.
 
 
O nacionalismo francês e o orgulho na sua selecção nacional voltaram a estar na moda. Esta vaga nacionalista é, obviamente, potenciada e instrumentalizada pela elite política com o intuito de projectar a imagem de uma França «poderosa» além-fronteiras.
 
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No entanto, esta mensagem de apoio à selecção não é consensual na vida política francesa quando incluímos a Frente Nacional. Sem dúvida que a actual líder, Marine Le Pen, tem um discurso muito mais inteligente que o seu pai mas a questão mantém-se para os seus correligionários: esta selecção representa a França? O que é a identidade francesa face à imigração? Há um modelo? Os filhos de imigrantes nascidos em França são «verdadeiros» franceses?
 
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Mas na formulação destas perguntas os franceses da Frente Nacional não estão sozinhos a nível europeu. Ainda neste fim-de-semana a Suíça teve mais um referendo onde a questão da imigração foi um tema forte. Não deixa de ser curioso que uma das maiores vítimas de uma política mais restritiva será a … selecção suíça. Se olharmos para os jogadores que venceram a Lituânia no último jogo relativo à qualificação para o Campeonato da Europa temos: Jacques Moubandje (nascido em Douala, Camarões), Johan Djourou (nascido em Abidjan, Costa do Marfim), Gökhan Inler (filho de pais turcos), Haris Seferovic, Granit Xhaka, Xherdan Shaqiri, Blemi Dzemaili, Valon Behrami e Admir Mehmedi (ascendência de países resultantes do fim da Jugoslávia). E se olharmos para outros jogadores igualmente importantes temos ainda Ricardo Rodriguez e Philippe Senderos que têm também nacionalidade espanhola. O impacto da «imigração» tem sido muito positivo e a Suíça fez a Argentina tremer nos oitavos-de-final no Brasil. Tendo em conta este factor há quem imagine o que seria a selecção suíça sem os «imigrantes».
 
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E há quem faça o exercício ao nível das várias selecções nacionais e mesmo quem o faça relativamente a jogadores de origem africana. O que seriam as selecções sem os seus jogadores filhos de imigrantes ou naturalizados? Há muitos exemplos mas poderíamos olhar para os italianos Angelo Ogbonna (pais nigerianos) ou Mario Balotelli (nascido em Palermo de pais ganeses). A Bélgica seria também uma selecção com baixas de peso tendo em conta o capitão Vincent Kompany, Romero Lukaku, Kevin Mirallas, Moussa Dembélé, Marouane Fellaini e Axel Witsel. A estes nomes apontados teríamos que juntar o agora titular Radja Nainggolan da Roma. E os campeões do Mundo? A Alemanha ficaria sem Mezut Özil, Shkodran Mustafi, Sami Khedira, Lukas Podolski e Miroslav Klose (agora retirado da selecção). Mas é, sem dúvida, Jérôme Boateng, um dos centrais indiscutíveis da selecção alemã e do Bayern de Munique, que melhor ilustra esta questão já que o seu irmão Kevin-Prince Boateng optou pela selecção ganesa.
 
 
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Como podemos ver a imigração é um factor a ter em conta no futebol. Para alguns destes imigrantes ou dos seus filhos o futebol é uma forma de melhorarem a sua vida. Para os poucos que são talentosos o futebol ao mais alto nível permite-lhes ter uma vida que muito dificilmente conseguiriam alcançar. Jogadores de famílias abastadas como Andrea Pirlo ou Gian Luca Vialli são a excepção à regra num mundo onde a maioria dos jogadores tem um background humilde e muito difícil. Estes jogadores, tal como Atlas era responsável por carregar o mundo sobre os seus ombros, têm a seu cargo toda a família. Para além do seu talento e do mérito de o trabalharem, há outros factores importantes na «curta» carreira de um futebolista tais como o seu agente ou os clubes onde joga. A forma como os jogadores gerem a sua carreira é um tema fascinante ao qual voltarei mais tarde.
E a selecção francesa? Se olharmos para a selecção que deu o primeiro título internacional à França, em 1984, liderada por Michel Hidalgo temos, entre outros, Jean Tiganá, nascido em Bamako, Mali e naturalizado francês, Luis Fernández nascido em Espanha e … Michel Platini, filho de imigrantes italianos. Mas foi a diversidade da equipa campeã do mundo em 1998 (e que voltou a ser campeã europeia em 2000) que foi colocada no centro das atenções. Desde logo, o herói Zinedine Zidane era filho de argelinos e muçulmano não praticante. E também tínhamos, por exemplo, Marcel Desailly, Lilian Thuram, Christian Karembeu, Patrick Vieira, Thierry Henry e David Trezeguet. Ficaram famosas as declarações de Jean-Marie Le Pen insurgindo-se contra uma selecção que era «artificial», ou seja, não suficientemente «branca» para ser francesa. A vitória categórica dos bleus na final contra o Brasil fez calar a Frente Nacional mas não por muito tempo.
 
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A selecção continuou a fazer parte da discussão política e a Frente Nacional a fazer dela um exemplo do que não deveria ser considerado francês. Esta posição levou os jogadores a apelarem ao voto em Chirac em 2002 contra Jean-Marie Le Pen. Em 2006 as críticas voltaram ao centro das atenções tendo Le Pen acusado o treinador Domenech de sub-representar os «brancos». Tendo em conta os anos difíceis vividos pela selecção até 2013 houve igualmente polémica nas estruturas federativas francesas sobre a possibilidade de estabelecer quotas para jogadores árabes e negros com dupla nacionalidade. Esta controvérsia que na altura envolveu o seleccionador Laurent Blanc foi muito intensa e, em alguns aspectos, ainda está por resolver. Um exemplo desta tensão verificou-se durante o Campeonato do Mundo no Brasil relativamente à Argélia. Esta equipa fez um campeonato extraordinário tendo claudicado nos oitavos-de-final perante a Alemanha por duas bolas a uma. Não só os festejos dos sucessos argelinos levaram Marine Le Pen a afirmar que «temos que parar a imigração» e aqueles envolvidos nas celebrações «têm de escolher: ou são argelinos ou são franceses… não podem ser ambos», mas se a Argélia tivesse derrotado a Alemanha encontraria… a França nos quartos-de-final. Esta possibilidade que lembrou o desastre do jogo entre as duas selecções em 2001 levou a medidas extras de segurança.
Mas foram as recentes declarações de Willy Sagnol, antigo internacional e agora treinador do Bordéus, que fizeram «rebentar» novamente os estereótipos e o racismo no futebol francês. As reacções mais fortes vieram do jogador francês com mais internacionalizações na selecção nacional masculina: Lilian Thuram. Este jogador, nascido em Guadalupe, foi um defesa fabuloso na selecção (e nos vários clubes por onde passou) e desde que se reformou tem-se dedicado ao combate ao racismo através da sua Fundação. Segundo Thuram há muito para fazer em França e, em especial, em tempos de maior vulnerabilidade económica. A sondagem efectuada este ano pela Comissão Nacional Consultiva de Direitos Humanos demonstrou que o número de franceses que admitiam ser bastante ou um pouco racistas tinha aumentado de 22% em 2012 para 35%. A estes dados temos que acrescentar a popularidade eleitoral da Frente Nacional que inclui, pela primeira vez, lugares no Senado e há mesmo quem advogue a candidatura de Marine Le Pen a presidente em 2017.
O contexto francês é preocupante mas não é o único a nível europeu. Para além do caso suíço há muitos outros países onde há problemas sérios de racismo a nível do futebol: desde a Itália à Hungria. E apesar da campanha da UEFA e da promoção de tolerância zero em matéria de racismo há muito por fazer. Andrea Pirlo escreve na sua autobiografia como Mário Balotelli tem sido vítima de insultos racistas nos campos de futebol italianos e como a sua figura é em si mesma um «antídoto ao racismo» (pp. 131-134).
 
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E o que pode ser feito? Durante a controvérsia sobre a possibilidade de se impor quotas no futebol francês a jogadores negros e árabes com dupla nacionalidade Arsene Wenger foi claríssimo: «o futebol nacional tem de ser identificado pela sua cultura e pela qualidade da educação, não com as origens dos jogadores». E se há selecção onde encontramos talento e mérito é, sem dúvida, a francesa.
 
 
 
Apesar da enorme falta que Franck Ribéry vai fazer (faria em qualquer selecção no mundo) temos jogadores como Blaise Matuidi, Mathieu Valbuena, Karim Benzema, Yohan Cabaye, Patrice Evra (agora na Juventus depois de oito anos no Man. United) e Antoine Griezmann. Mas gostaria de destacar dois jogadores: Raphaël Varane e Paul Pogba. Ambos são dois jogadores de classe mundial com ... 21 anos. É um prazer ver Pogba a jogar na Juventus e tenho pena que Varane não jogue mais no Real Madrid mas a competição é de facto (ainda) muito dura.
Como podemos ver pelo enorme talento à disposição do treinador Didier Deschamps (outro grande jogador) a renovação da selecção parece garantida. Eu vou continuar a admirar o futebol e os seus jogadores pelo seu mérito e talento. E esta selecção continuará a dar muitas dores de cabeça à Frente Nacional.
Como diria Lilian Thuram vive la France, la vraie!
 
 
Raquel Vaz-Pinto
 

 
 
 
 

1 comentário:

  1. Eu diria a julgar pelas arbitragens decisivas no apuramento da França para as duas últimas grandes competições europeias para desgraça da Ucrania e sobretudo da Irlanda(gol com a mão)foi e é o Platini aos comandos da europa do futebol.

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