segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Tavares: o mítico cozido-sushi.

 
 
 

Restaurante Tavares.
À porta, o chefe Martins, da 11ª Esquadra,
acompanhado pelo estilista francês Dwight D. Eisenhower

 

 

 
 
À Rua da Misericórdia, em Lisboa, o Restaurante Tavares (Rico) é casa bem centenária. Por ela passou muita História e até alguma petite histoire, dizendo-se que Ramalho utilizava os reservados do piso de cima para fins pouco confessáveis. Fazendo jus aos seus pergaminhos seculares, o Restaurante Tavares ilustra o seu passado ilustríssimo através de predicados d’antanho. Como se pode ver na página do Tavares na Internet, é possível o cliente reservar no aristocrático Salão Nobre a sempre disputada Mesa Hermógenes dos Reis. Basta ligar para o 213421112 e pedir com bons modos: «Oi, sou Tchizé,  secretária pessoal do general  Lobito, e queria reservar a Hermógenes dos Reis aí por volta das 13 horas, 13 e meia da tarde» Há também as gémeas M&M: a Mesa Mariza, «uma diva da música do mundo» e a Mesa Madonna, «considerada a rainha da música pop». Os mais másculos poderão optar pela Mesa Hemingway, que «foi um escritor norte-americano», ou a Mesa Cary Grant, «actor estadunidense nascido em Inglaterra». Para conciliábulos discretos sobre o tormentoso futuro da res publica, aconselha-se a Mesa Sá Carneiro, «que foi um político português».
A tábua mais avantajada, com capacidade para 6 a 8 pessoas, chama-se Mesa Rei Abdullah II. Aqui o site do Tavares estica-se um bocadito, ousando aventurar-se nos complexos meandros da geopolítica internacional. Assegura que Abdullah II se trata do «actual rei da Jordânia» e que «é a favor da paz com Israel e tem intenções de tornar a Jordânia democrática». Se assim o diz o Tavares, podemos então almoçar pacificamente, ainda que os preços sejam bastante menos democráticos do que as intenções políticas de Abdullah para o seu reino.
         O site do Tavares é uma delícia. Mais saboroso, por certo, do que o que servem no prato. Falando em gozar o prato, há no site do Tavares coisas boas e em abundância, numa cornucópia de fartura que compensa a magreza do repasto. Além de uns errozitos de ortografia, apreciámos saber que o general Eisenhower foi – atenção – um «famoso estilista francês. Conhecido pelo seu estilo irreverente». A Mesa Eisenhower dá para 2 a 4 pessoas, ou seja, para um casalito ou dois que saibam degustar a irreverência francesa daquele feérico costureiro parisiense que gostava de se fazer passar por Presidente dos EUA (o que sucedeu entre 1953 e 1961, até ser apanhado na Casa Branca com um tailleur de tarar, griffe Jean Paul Gaultier).
 
 
Teatro de Operações, assinalando-se a Mesa Eisenhower
 
 
 
        
     A ementa é um achado. Pela Consoada, ao preço de 165 euros/cabeça, pode começar-se por um «Camarão Black Tiger com baunilha, shitake e ravioli de coentros». Camarão com baunilha?! No Menu Tavares, garante o restaurante, «espera-vos uma viagem inolvidável pelos sabores portugueses contemporâneos». E insiste, como se não bastasse: «Mais do que um jantar será o corolário da hegemonia da nossa terra entre as melhores referências gastronómicas de uma das mais completas zonas do planeta e dos seus melhores vinhos com uma história a ser contada pelo seu próprio palato!» «Uma das mais completas zonas do planeta» é muito, muito bom. Escrito por quem, Paulo Coelho? A abrir o palato para os sabores contemporâneos, temos o caldo verde – que, como se sabe, é uma criação original, muito contemporânea e recentíssima, do chef Hélder Martins, um efectivo da PSP nascido no Montijo que «fez licenciatura em Engenharia Alimentar e posteriormente em cozinha, ambos no Algarve».
         Prosseguindo na ementa, autêntica carta de marear dessa «viagem inolvidável pelos sabores portugueses contemporâneos», estampamo-nos logo a seguir no «camarão à Guilho», sem dúvida um sabor português – e, claro, contemporâneo.
         Mas no Tavares, no histórico Tavares Rico, o melhor de tudo é a opulência majestosa do Cozido à Portuguesa, «one portuguese tradicional meat stew that you can taste in the 5 courses menu» (repare-se no «portuguese tradicional», muito Zezé Camarinha). Bem sabemos que esta interpretação minimalista e microbiótica do cozido lusitano aparece no menu degustação, ou seja, à laia de pórtico, antes de entrarmos nas coisas sérias. De todo o modo, veja-se o que o Restaurante Tavares, o centenário Tavares, considera ser um Cozido à Portuguesa em versão de fusão. Modelo 2.0, tonalidade sushi:

 

aqui


 
 



14 comentários:

  1. LOL "À porta, o chefe Martins, da 11ª esquadra"

    E esse cozido. Quem diz que são os pobres quem passa fome está bastante desfasado da realidade.

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  2. De ser o primeiro eliminado no Top Chef, às panelas do Tavares, foi um saltinho...

    http://degustar.blogs.sapo.pt/1796.html

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  3. Paulo Coelho ou Gato Fedorento?

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  4. O que é camarão à »Guilho«?

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    1. http://womenageatrois.blogs.sapo.pt/37260.html

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    2. o resto do cozido , está num paraíso fiscal

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    3. Guilho é o aportuguesamento saloio da palavra castelhana ajillo, que significa alho.

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  5. Lamentável exemplo da desconstrução que a culinária vem sofrendo. O que haverá de "chefs" a revolverem-se nas suas tumbas..., quanto aos vivos, “é sorrir e acenar” e nunca ceder. Mais um "post" magnificamente hilário-acutilante. Cada vez mais o meu blog favorito.

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  6. Senhor Malomi, como dizer? E os pittas que andam por aí, não têm mesa? Sei lá, agora de repente veio-me o Pitta à mona.

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  7. Meus Senhores: caem os estados nações, caem as gastronomias autóctones em prol do neo-liberalismo selvagem. Produzem num lado do planeta, obrigando o outro a consumir em prol de uma formatação e mundialização da cultura em todas as vertentes, onde só se visa o control e a ganância. Claro que iremos morrer de cancro cada vez mais.

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  8. Escumalha social incapaz de viver fora das feiras de vaidades. Coitados! Metem dó! Tenham pena...

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  9. Isto chama-se cuspir nos clientes e insultar a gastronomia tradicional portuguesa que se tem revelado um cartaz turístico importante para quem nos visita."Nouvelle cuisine" é um conceito que nada tem a ver com a nossa forma de estar à mesa. Servir assim e por aqueles preços chama-se ROUBAR.

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  10. Vou partilhar o link para aqui pois a foto do FB não o trazia...Não fazia ideia de quem servia este "cozido à portuguesa" versão dieta triste!;)

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  11. A Europa caiu num novo-riquismo gastronómico que está a destruir a verdadeira gastronomia, componente essencial de uma verdadeira cultura. Este ex-polícia metido a "chef" não é mais do que um "revelador" do imenso caricato de todo um mundo de espertalhões que se limitam a replicar as habilidades da dupla de alfaiates do conto infantil de "O Rei vai nu"

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