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Nas
suas Mais Que Mil Imagens, António Mega
Ferreira dedica inspiradas páginas ao génio luminar de Goya, ao Goya solar,
mediterrânico, com forte marca italiana. Ao Goya apolíneo sempre preferi,
porém, o génio dionisíaco dos Caprichos
e das últimas pinturas. É tal a devoção que, depois de ter lido há uns anos El Perro de Goya, de Antonio Saura (de
que não gostei nada, mesmo nada), andei há pouco entretido com a história da
Quinta del Sordo, nos arredores de Madrid, onde e para onde Francisco Goya fez
as últimas pinturas [cf. Miguel Hervás León, La Quinta de Goya y sus Pinturas Negras. Dos siglos de desventuras
(1819-2019), 2019].
A casa, imagine-se, foi demolida nos finais do XIX, princípios do XX, e ainda hoje se especula sobre a sua localização exacta. Ora, a composição interna da casa é essencial para percebermos o modo nada casual como as pinturas estavam distribuídas pelos dois andares. Quem sempre me perseguiu foi o cão, a mais hermética das pinturas da Quinta e, se Saturno é a chave explicativa de muita coisa nas pinturas negras (compare-se com o Saturno de Rubens), não o é da do cão, que Valeriano Bozal, num valioso e estudo (Pinturas negras de Goya, 2018, pág. 120), considera a mais moderna das obras de Goya, aquela que decerto teve influência mais directa e patente no imaginário de outro francisco, Bacon.
Isto do cão não interessa nada pois exigia uma explicação longa e densa que não tenho entendimento e ciência nem vontade de fazer. Mas o que, pese o tamanho, pode caber num curto apontamento é o papa-formigas. No Museu de História Natural de Madrid, quase ao nível da cave, fui dar com uma pintura pendurada ao alto, inacessível, que muito se arrisca a passar despercebida. Não muito longe, o esqueleto do elefante asiático que chegou a Espanha em 1773, oferta de um soberano do Sul da Índia a Carlos III, que o doou ao Real Gabinete. Três anos depois, chegava a Madrid, vinda da Argentina, uma fêmea de urso-formigueiro. Durou pouco, morreu no ano seguinte. Antes disso, e por ordem de Carlos III, fizeram-lhe o retrato. E há quem sustente, com razões sustentáveis, que não foi outro que não o jovem Goya que pintou a ursa das formigas, sendo o traço goyesco visível sobretudo, dizem, na paisagem ao fundo. Fiquei intrigado com aquilo, falei a amigos que tenho no Museu de História Natural de Madrid, mandaram-me para um livro belo, muito ilustrado, Una Colección, un Criollo Erudito, y un Rey. Un gabinete para una monarquia ilustrada, de Javier Sánchez Almazán e Cristina Cánovas Fernándes. Acontece que o livrito é muito introdutório e, quanto a isto da ursa-formigueira, introduz muito pouco, quase nada, limitando-se a referir Goya numa legendita e se calhar eu devia chamar-ljhe papa-formigas, mas em fêmea. O tema é mais desenvolvido na revista da casa-museu do pintor (revista que, olha lá, se chama Goya), que vou tentar localizar para falar aqui com mais prosperidades. Por ora, fica a ursa e, com a oferta generosa da Manuela Ivone Cunha, esta nota musical, as Goyescas Op. 11 (Intermezzo), Los majos enamorados, de Enrique Granados.
E tudo quanto acabou
de se escrever é para a Manuela Sangiorgi, que o merece, por tanta e muita coisa, como um memorável jantar, italianíssimo, no mais belo restaurante de Ravenna (obrigado, Nela San).
Obrigado, os artigos têm vários autores... obrigado em nome deles.
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