domingo, 15 de março de 2020

Virulências [crónicas da peste]




 

VIRULÊNCIAS
[crónicas da peste]
 
 
 
 
Última Hora: Coronavírus fica de quarentena depois de contagiar classe política. Vírus pode não sobreviver ao contágio.
 
 
 
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Breve e inevitavelmente, os militares sairão à rua para tentar controlar o caos causado pela pandemia. Pelo sim, pelo não, distribuam cravos e cantem canções de resistência. Pode ser que desta vez corra melhor.
 
 
 
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Governo pondera proibir ajuntamentos em hospitais e centros de saúde. Só serão recomendados e autorizados ajuntamentos em cemitérios.
 
 
 
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Devido à pandemia, os bancos anunciaram que vão passar a funcionar à porta fechada. Não há nenhuma novidade nesta medida. Os bancos portugueses sempre funcionaram à porta fechada.
 
 
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Autoridades decidiram encerrar centros comerciais, praias, feiras, missas, discotecas, etc., e suspender o campeonato de futebol. Se conseguirem cancelar as telenovelas e os programas da manhã dos canais nacionais, Portugal poderá ainda vir a ser um país civilizado.
 
 
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Imaginem que um cidadão preocupado, depois de apresentar sintomas, faz o teste da gravidade e que o resultado é positivo. Pergunta inevitável: o vírus, é menino ou menina?
 
 
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Quarentena: mais vale quarenta dias encerrado na despensa de casa do que 15 dias deitado na cama de um hospital.
 
 
 
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Álcool esgota em farmácias, supermercados, bares e lojas de conveniência. Afinal, os alcoólicos tinham razão.
 
 
 
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Não se esqueça de manter os hábitos de higiene: lave as mãos com água e sabão e guarde o álcool para tirar as nódoas mais difíceis.
 
 
 
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Será desta, finalmente, que os clássicos vão ser lidos?
 
 
 
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PARA OS FANÁTICOS E IMBECIS DEPENDENTES DAS NOVAS TECNOLOGIAS
QUE ANUNCIARAM COM ESTRONDO O FIM DO PAPEL
 
 
Agora, ide pelos vossos dedos e limpai o cu aos vossos tablets.
 
 
 
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Está provado que as invasões bárbaras do turismo não fazem bem à saúde de ninguém (excepto à Renova).
 
 
 
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Quando o papel higiénico esgotar (que, acreditem, esgotar-se-á antes da nossa finita paciência), lembrem-se do Diário da República, dos contratos precários, dos recibos verdes e de todos os volumes obrados por autores bestsellers que circulam por aí.
 
 
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Calma, não é ainda o fim do Mundo, é apenas o fim do papel higiénico.
 
 
 
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Procura-se: rolo de papel higiénico por estrear. Dão-se vísceras.
 
 
 
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Pela nossa saúde, não deixem esgotar o álcool nem a ração para animais.
 
 
 
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Da China, nem bons unguentos nem bons sacramentos.
 
 
 
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Reconhecemos que vêm aí tempos difíceis quando vemos um tipo desesperado entrar num luxuoso Jaguar com duas latas de sardinha compradas ao preço de marisco vivo.
 
 
 
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Depois de uma visita breve ao supermercado, concluo que a Civilização está de quarentena.
 
 
 
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Conselho [glosa]: Mantenha os amigos sempre por perto e os víveres mais perto ainda.
 
 
 
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Ando a dizer isto desde sempre: o melhor que podemos fazer para proteger os amigos e familiares é não os visitar.
 
 
 
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Calma, não vos precipitais sobre o abismo da barbárie, o pior ainda está por vir.
 
 
 
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A Existência é uma experiência de quase-vida.
 
 
 
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Recomendação [glosa]: sepultar os vírus, cuidar dos mortos e fechar os aeroportos.
 
 
 
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Ricardo Álvaro
 
[o autor destes arremedos febris não respeita o Desacordo Ortográfico, escreve segundo a ortografia antiga e testa negativo por natureza]
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

4 comentários:

  1. «Quando o papel higiénico esgotar (que, acreditem, esgotar-se-á antes da nossa finita paciência), lembrem-se do Diário da República, dos contratos precários, dos recibos verdes e de todos os volumes obrados por autores bestsellers que circulam por aí.»

    Concordo. E acrescento: todos os livros, revistas, jornais e folhetos escritos e impressos utilizando o AO90.

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  2. Em verdade vos digo: não há pandemias de vergonha. Quem não a tem, é dono do mundo. Floresce, frutifica - porreiro, pá ! O tempore o mores - eis o mi(n)istério da orbe ao avesso. :)

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  3. Muito bom. Parabéns ao autor.
    Penso que me será permitido partilhar o texto.

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