“O HISTORIADOR DEVE AJUDAR AS PESSOAS
A PENSAREM”
extractos duma entrevista dada pelo
historiador catalão Josep Fontana
ao jornal El País
O eminente historiador catalão Josep
Fontana (Barcelona, 1931), filho de um
alfarrabista, antigo militante do PSUC, doutorado em 1970, discípulo de
Vicens Vives, influenciado pelas obras de Walter Benjamin, Gramsci, Pierre
Vilar, Ferran Soldevilla e Vives, doutorando-se em 1970 e jubilando-se em 2001,
depois de ter ensinado nas Universidades Pompeu Fabra e Autónoma de Barcelona, tendo
sido ainda professor jubilado em universidades da América latina,
incluindo Brasil, é autor duma obra deveras
relevante, da qual lembraremos A História
depois da História, A Europa diante
do Espelho (1994), Ensinar a História
com uma Guerra civil de Permeio (1999), A
Época do Liberalismo (vol.VI da História
de Espanha editada por Marcel Pons, 2007), Pelo Bem do Império (2011) e, neste ano, O Futuro é um País estranho (2013), sobre o qual deu uma entrevista
ao suplemento Babelia,
do jornal madrileno El País, em
20-VI-13, do qual respigámos e traduzimos algumas passagens mais relevantes.
JF: O papel do
historiador é, sobretudo em momentos de mudanças de mudança, ajudar as pessoas
a pensarem. O que é difícil e nem sempre se consegue, em especial se o
raciocínio vai contra as convicções. Uma grande parte do que pensamos é preconceito,
tópico com muito pouca reflexão. O papel do historiador é mostrar as coisas,
dá-las às pessoas para que as interpretem. Não se trata de explicar a verdade
mas de discutir verdades estabelecidas que são duvidosas e oferecer elementos
para trabalhar com eles e ver o que de pode arrancar dos mesmas. (…). Neste
sentido, há muitas coisas que conseguem desmontar a visão histórica
estabelecida. Essa, parece-me, é a função do historiador, o que aprendi com os
meus mestres Vicens Vives, Pierre Vilar, Ferran Soldevilla. (…). O uso da
História, o que Vilar chamava “pensar historicamente”, ou seja, com uma certa
perspectiva crítica, pode ter certa utilidade. Sobretudo se se evitam as visões
globais e os esquemas simplistas e se se atende à realidade viva. Já Thompson
propunha ir às coisas concretas: o que acontece e como acontece. Como as
pessoas vivem as situações, como as sentem. Isto, claro está, é o contrário do
que faz a maior parte dos chamados “cientistas sociais” que trabalham com
grandes modelos interpretativos. É desse modo que pretendo ser socialmente
útil: importunando. Eu costumava provocar reticências, mas se não te
importares, o resultado é mais satisfatório: não lhes agradas, mas
respeitam-te.
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BABELIA: De
modo que o seu livro devia ser útil para se compreender a crise. Também para a
superar?
.
JF: Este é um
livro sobre a crise, entendida como crise social. Havia um mundo em que se
supunha que havia alternativas. E na medida em que era assim, era
imprescindível o jogo da negociação e da concessão. Hoje não há alternativa e o
que se avizinha é um período de reconquista
do passado. Talvez um dia termine a crise, mas não sabemos como será a
saída dela, não se sabe se hão-de recuperar os empregos que se perderam.
Provavelmente o que se verá é que se perderam muitas coisas que se haviam ganho
e que haverá que tornar a conquistá-las. (…). Nada voltará a ser como dantes
(…).
.
BABELIA: Que
fazer?
.
JF: (…). Temos
uma situação estranha: os jovens vão para a praça da Catalunha ou para a Porta
do Sol protestar, mas os pais deles votam PP e CiU. Que se pode esperar disto?
Nada. Porque há apenas consciência. Por outro lado, os movimentos de base a
partir dos próprios problemas me parecem mais interessantes. (…). O franquismo
caiu, em parte, pelo medo destes movimentos, incluindo, claro nesta, os
sindicatos. Não eram os partidos que lhe faziam medo. As pessoas estão a ser
cada vez mais castigadas, perdendo direitos. Acabarão por protestar. O problema
será articular com o protesto para lhe dar forma de alternativa política.(…).
.
BABELIA: As
suas críticas coincidem com aqueles que sustentam que os partidos tradicionais
respondem mais a interesses financeiros do que à população.
.
JF: Isso é
algo muito claro. Chega a crise, e o que é que se faz? Salvam-se os bancos.(…).
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BABELIA: O
socialismo, não o partido socialista, é uma alternativa?
.
JF: Socialismo
que dizer hoje que os outros devem temer que haja uma alternativa e que alguém possa
organizá-la. A social-democracia tinha como objectivo a mudança dentro do
sistema. E conseguiu não poucas coisas, por exemplo do Estado de bem-estar. Mas
quando chegou aí, ficou sem programa porque não pretendia mudar a sociedade.
(…). O afrouxamento dos controlos sobre o sistema financeiro foram Clinton,
Balir e Gonzalez que os protagonizaram. É certo que criaram um estrutura de
direitos sociais, mas logo resultou daí que não se podia pagá-lo. Não sei se o
socialismo voltará a encarar o futuro. (…).Esta alternativa não poderá ser nem
uma social-democracia que se acomodou e apodreceu, nem o socialismo
identificado com o mundo soviético, que também faliu. A prova é que, quando se
afundou a União Soviética, esta nada deixou atrás der si. Assim, há que reinventar
o socialismo. Há que recuperar a ideia de que de que pode haver esperança de um
sistema sem os vícios deste.
-
Entrevista de Francesc Arroyo, em Babelia, 20-VI-2013, p. 7, a propósito
do livro de Josep Fontana, El Futuro es
un País extraño, ed. Pasado y Presente, Barcelona, 2013.
Selecção de extractos e tradução de
João Medina.
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