Em
1977, quando lançaram as sondas espaciais Voyager, colocaram lá dentro dois
discos de cobre, revestidos a ouro. Era uma daquelas ideias muito à Carl Sagan,
muito à seventies: mostrar o que
somos se acaso outras civilizações, de galáxias distantes, tropeçassem na Voyager
e quisessem saber quem tinha construído nave tão arcaica e tosca. Os discos
eram como uma espécie de best off da
Humanidade e da Terra, com 115 imagens estonteantes (entre as quais,
uma, inevitável, de pescadores portugueses), 35 sons naturais (ventos, águas
correntes, passarada canora) e saudações em 55 línguas. Tudo acompanhado de Beethoven
e Mozart, música étnica e Chuck Berry.
.... A Voyager 1 é o objecto construído pelo
Homem que a maior distância se encontra do planeta Terra. Anda a caminhar espaço
desde 1977. Imaginem só o que entretanto aconteceu cá em baixo: caíram o Muro e
as Torres Gémeas, milhões morreram para outros tantos nascerem. Muita coisa
mudou, muita coisa aconteceu. Só Eládio Clímaco permanece na mesma. Os anos não passam por ele. ![]() |
Júpiter, imagem captada pela Voyager 1
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Indiferente
a tudo isso, discreta e cumpridora, a Voyager lá vai andando, bem de saúde.
Mandou-nos imagens incríveis de lugares a que nunca iremos. Há dois anos estava
a 113,3 unidades astronómicas, no plano da constelação de Ofiúcio.
Enquanto
isso, cá por Terra, houve quem se lembrasse de outro objecto esquecido: o vinyl.
Se os que conceberam a Voyager gravaram nos seus discos os sons de Mozart ou Beethoven, agora há quem queira transmitir-nos uma impressão
mórbida: que tal gravar um disco com as suas cinzas? Pode gravar no vinyl uma
derradeira mensagem, para os entes queridos, ou até o testamento mortal. Mas
pode mesmo desejar que, uma vez cremado para sempre, o seu pó restante seja
impresso num disco. Daqueles discos negros, reluzentes, com uma cratera ao centro.
Para quê? Para que os familiares ouçam o rumor da areia humana?
O
mundo é um lugar estranho, de facto. Não admira que a Voyager fuja dele a sete pés. Há quase quarenta anos.
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