quinta-feira, 8 de agosto de 2013

E quando morrer quero ser um disco de vinyl.










Em 1977, quando lançaram as sondas espaciais Voyager, colocaram lá dentro dois discos de cobre, revestidos a ouro. Era uma daquelas ideias muito à Carl Sagan, muito à seventies: mostrar o que somos se acaso outras civilizações, de galáxias distantes, tropeçassem na Voyager e quisessem saber quem tinha construído nave tão arcaica e tosca. Os discos eram como uma espécie de best off da Humanidade e da Terra, com 115 imagens estonteantes (entre as quais, uma, inevitável, de pescadores portugueses), 35 sons naturais (ventos, águas correntes, passarada canora) e saudações em 55 línguas. Tudo acompanhado de Beethoven e Mozart, música étnica e Chuck Berry.
.... A Voyager 1 é o objecto construído pelo Homem que a maior distância se encontra do planeta Terra. Anda a caminhar espaço desde 1977. Imaginem só o que entretanto aconteceu cá em baixo: caíram o Muro e as Torres Gémeas, milhões morreram para outros tantos nascerem. Muita coisa mudou, muita coisa aconteceu. Só Eládio Clímaco permanece na mesma. Os anos não passam por ele.  

 
 
Júpiter, imagem captada pela Voyager 1





Indiferente a tudo isso, discreta e cumpridora, a Voyager lá vai andando, bem de saúde. Mandou-nos imagens incríveis de lugares a que nunca iremos. Há dois anos estava a 113,3 unidades astronómicas, no plano da constelação de Ofiúcio.

 
 
 

Enquanto isso, cá por Terra, houve quem se lembrasse de outro objecto esquecido: o vinyl. Se os que conceberam a Voyager gravaram nos seus discos os sons de Mozart ou Beethoven, agora há quem queira transmitir-nos uma impressão mórbida: que tal gravar um disco com as suas cinzas? Pode gravar no vinyl uma derradeira mensagem, para os entes queridos, ou até o testamento mortal. Mas pode mesmo desejar que, uma vez cremado para sempre, o seu pó restante seja impresso num disco. Daqueles discos negros, reluzentes, com uma cratera ao centro. Para quê? Para que os familiares ouçam o rumor da areia humana?  

O mundo é um lugar estranho, de facto. Não admira que a Voyager fuja dele a sete pés. Há quase quarenta anos.
 
 
 
 

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