Se, nas suas
origens, a actual crise afectou especialmente as economias e as sociedades dos
países do Sul da Europa, os seus efeitos acabaram por se fazer sentir na União como um todo, expondo as debilidades de um «projecto comum» que vê serem testados os
seus fundamentos essenciais de coesão e solidariedade, por um lado, e de
capacidade de decisão ou acção conjunta, por outro lado. A crise tornou-se
«europeia» e, no seu epicentro, encontra-se a Alemanha, enquanto nação mais
poderosa da União e, directa ou indirectamente, a principal credora das
economias endividadas do Sul. Sem diabolizar a Alemanha, Ulrich Beck expõe os
perigos das estratégias de poder que podem nascer no contexto de uma «Europa
alemã», que já não é uma miragem mas uma realidade. Ao contrário de muitos
outros, que aproveitaram o défice da economia – e da política – para produzirem
um superávite de ensaios de ocasião, com soluções miraculosas e acusações
populistas, Ulrich Beck surpreende pela serenidade e pela lucidez. Mais do que
avançar respostas, o seu ensaio traça cenários e enuncia os perigos de cada um
deles. A análise, desenvolvida à luz da noção de «sociedade de risco», não é
contaminada por intenções ou preconceitos ideológicos. É isso que lhe permite,
por exemplo, explicar uma das grandes dificuldades que se suscitam aos
arquitectos de uma união bancária: os bancos vivem à escala transnacional mas
morrem à escala nacional, isto é, operam em vários países mas, quando vão à
falência, é o Estado a que pertencem, e os seus contribuintes, que têm de pagar
a factura. Do mesmo passo, adverte para os riscos de uma saída do euro,
panaceia que alguns advogam como remédio infalível para as crises dos Estados
com problemas. Segundo Beck, a saída do euro implicaria, desde logo, a criação
de uma Europa a três velocidades: a daqueles que conseguiram manter-se na moeda
única, a dos que nunca a quiseram integrar e, enfim, a dos que foram incapazes
de cumprir as exigências da união monetária. Se acaso a Grécia ou Portugal
abandonassem o euro, não ficariam posicionados a par do Reino Unido. Ocupariam,
até em termos simbólicos, um lugar muito diferente, e inquestionavelmente mais
precário. Em breves páginas, Beck sintetiza, de forma notável, os efeitos
dramáticos de um abandono da zona euro. O autor denuncia ainda a forma como a
Europa é sujeita à dominação alemã, realizada através de uma estratégia
deliberada de hesitação, o «Merkiavel». No final, aborda as propostas para um
novo contrato social europeu e para a introdução de «mais democracia» através
de «mais Europa», na senda de documentos como «Doing Europe», apresentado em
Maio de 2012 por personalidades como Helmut Schmidt, Jürgen Habermas, Herta
Müller, Jacques Delors, Richard von Weizsäcker ou Imre Kertész, o qual sugeria,
por exemplo, a instituição de um ano europeu voluntário como modo de forjar
aquilo que, na verdade, mais falta faz: um «povo europeu». Se ideias como esta
podem parecer irrealistas e utópicas, Beck observa, com pertinência: “Aquilo
que até à data era considerado «realista» torna-se ingénuo e perigoso, uma vez
que aceita o colapso como inevitável. E aquilo que era considerado ingénuo e
ilusório torna-se «realista», porque procura evitar a catástrofe e, além disso,
tornar o mundo melhor”. Este é um ensaio inconformado e pouco disposto a aceitar
a catástrofe, mas que não perde a esperança nem o sentido da realidade. E a
realidade é só uma, a da emergência da «Europa alemã». Facto que não é bom para
a Europa, para os seus Estados-membros e nem sequer para a própria Alemanha.
António Araújo
O euro tinha como objectivo tornar a Alemanha mais "europeia", mas aconteceu o inverso : Foi a Europa a tornar-se mais alemã,sujeita como está ao seu diktat.
ResponderEliminarÀ França o euro convinha precisamente pelas razões apontadas : O problema gaulês era a incapacidade de aguentar a competição com os alemães e a moeda única era suposto servir para"domesticar" essa concorrencia. Agora estão todos sugeitos ao brutalismo da Alemanha.
Quanto às piedosas palavras de U. Beck o melhor antidoto é ler "Crisis in the Eurozone" de. Costas Lapavitsas, (Verso Ed. -ISBN 13: 978-1-7816-8041-4).
O Prof Lapavitsas dirige um grupo de doutorados em Economia no SOAS (dep.da U. de Londres) entre os quais se encontra uma portuguesa e esse livro é o resultado das suas investigações e um verdadeiro choque para os defensores do TINA : «There Is No Alternative.» (começando na austeridade e acabando no Euro obviamente...)