sábado, 7 de dezembro de 2013

A Europa Alemã, de Ulrich Beck.




 





Se, nas suas origens, a actual crise afectou especialmente as economias e as sociedades dos países do Sul da Europa, os seus efeitos acabaram por se fazer sentir na União como um todo, expondo as debilidades de um «projecto comum» que vê serem testados os seus fundamentos essenciais de coesão e solidariedade, por um lado, e de capacidade de decisão ou acção conjunta, por outro lado. A crise tornou-se «europeia» e, no seu epicentro, encontra-se a Alemanha, enquanto nação mais poderosa da União e, directa ou indirectamente, a principal credora das economias endividadas do Sul. Sem diabolizar a Alemanha, Ulrich Beck expõe os perigos das estratégias de poder que podem nascer no contexto de uma «Europa alemã», que já não é uma miragem mas uma realidade. Ao contrário de muitos outros, que aproveitaram o défice da economia – e da política – para produzirem um superávite de ensaios de ocasião, com soluções miraculosas e acusações populistas, Ulrich Beck surpreende pela serenidade e pela lucidez. Mais do que avançar respostas, o seu ensaio traça cenários e enuncia os perigos de cada um deles. A análise, desenvolvida à luz da noção de «sociedade de risco», não é contaminada por intenções ou preconceitos ideológicos. É isso que lhe permite, por exemplo, explicar uma das grandes dificuldades que se suscitam aos arquitectos de uma união bancária: os bancos vivem à escala transnacional mas morrem à escala nacional, isto é, operam em vários países mas, quando vão à falência, é o Estado a que pertencem, e os seus contribuintes, que têm de pagar a factura. Do mesmo passo, adverte para os riscos de uma saída do euro, panaceia que alguns advogam como remédio infalível para as crises dos Estados com problemas. Segundo Beck, a saída do euro implicaria, desde logo, a criação de uma Europa a três velocidades: a daqueles que conseguiram manter-se na moeda única, a dos que nunca a quiseram integrar e, enfim, a dos que foram incapazes de cumprir as exigências da união monetária. Se acaso a Grécia ou Portugal abandonassem o euro, não ficariam posicionados a par do Reino Unido. Ocupariam, até em termos simbólicos, um lugar muito diferente, e inquestionavelmente mais precário. Em breves páginas, Beck sintetiza, de forma notável, os efeitos dramáticos de um abandono da zona euro. O autor denuncia ainda a forma como a Europa é sujeita à dominação alemã, realizada através de uma estratégia deliberada de hesitação, o «Merkiavel». No final, aborda as propostas para um novo contrato social europeu e para a introdução de «mais democracia» através de «mais Europa», na senda de documentos como «Doing Europe», apresentado em Maio de 2012 por personalidades como Helmut Schmidt, Jürgen Habermas, Herta Müller, Jacques Delors, Richard von Weizsäcker ou Imre Kertész, o qual sugeria, por exemplo, a instituição de um ano europeu voluntário como modo de forjar aquilo que, na verdade, mais falta faz: um «povo europeu». Se ideias como esta podem parecer irrealistas e utópicas, Beck observa, com pertinência: “Aquilo que até à data era considerado «realista» torna-se ingénuo e perigoso, uma vez que aceita o colapso como inevitável. E aquilo que era considerado ingénuo e ilusório torna-se «realista», porque procura evitar a catástrofe e, além disso, tornar o mundo melhor”. Este é um ensaio inconformado e pouco disposto a aceitar a catástrofe, mas que não perde a esperança nem o sentido da realidade. E a realidade é só uma, a da emergência da «Europa alemã». Facto que não é bom para a Europa, para os seus Estados-membros e nem sequer para a própria Alemanha.
 
 
 
António Araújo
 
 
 
 

1 comentário:

  1. O euro tinha como objectivo tornar a Alemanha mais "europeia", mas aconteceu o inverso : Foi a Europa a tornar-se mais alemã,sujeita como está ao seu diktat.
    À França o euro convinha precisamente pelas razões apontadas : O problema gaulês era a incapacidade de aguentar a competição com os alemães e a moeda única era suposto servir para"domesticar" essa concorrencia. Agora estão todos sugeitos ao brutalismo da Alemanha.
    Quanto às piedosas palavras de U. Beck o melhor antidoto é ler "Crisis in the Eurozone" de. Costas Lapavitsas, (Verso Ed. -ISBN 13: 978-1-7816-8041-4).
    O Prof Lapavitsas dirige um grupo de doutorados em Economia no SOAS (dep.da U. de Londres) entre os quais se encontra uma portuguesa e esse livro é o resultado das suas investigações e um verdadeiro choque para os defensores do TINA : «There Is No Alternative.» (começando na austeridade e acabando no Euro obviamente...)

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