Há pessoas
que gostam de fazer o turismo da miséria alheia. Olhando o sofrimento dos outros, como diz o ensaio de Susan Sontag.
Há excursões à Rocinha, tours em perfeita segurança às favelas do Rio ou aos bairros
pobres doutros pontos do mundo. Passeios pelo Bronx em limusine à prova de
bala. Organizam-se viagens até ao
Ruanda, para ver os campos de extermínio, se bem que isso tenha uma dimensão
muito diferente, historicizada, passada. Há uns tempos, José Luís Peixoto escreveu um
livro inacreditavelmente mau sobre a Coreia do Norte. Para lá ir, assinou
papéis a dizer que não escreveria nada sobre aquele país. Sabia de antemão que
tinha o projecto de escrever um livro sobre aquele país. Mentiu a uma ditadura, mas mentiu. Muito pior ainda: há pouco tempo, serviu de
cicerone a um grupo excursionista que queria ir à Coreia. A viagem foi
pré-anunciada nos jornais e tudo (cf. a reportagem de Leonardo Ralha, «Grupo
excursionista para Pyongyang», na revista Correio
da Manhã/Domingo). É compreensível que as pessoas tenham curiosidade em ver
a Coreia do Norte, como decerto haveria pessoas interessadas em visitar
Auschwitz em funcionamento ou conhecer Berlim no auge do III Reich. No regresso, ao
aterrar em Lisboa, José Luís Peixoto teve o desplante de dizer: «É uma abertura aos turistas que serve os interesses do regime» (cf. Correio da Manhã, de 23.09.2013). Sabemos bem que o rapaz é
apoucado, mas não alcançou sequer o que disse? Não percebe que, ao acompanhar um
grupo excursionista a Pyongyang, está «a servir os interesses do regime»? A
alinhar na sua política de «abertura aos turistas»? A favor da política e dos
interesses (dólares?) de um regime que ele qualifica de «fascista», um regime que oprime
milhões de seres humanos, que deixa morrer à fome milhares e milhares de
pessoas para seguir um dos programas militares mais agressivos do mundo.
Enquanto Peixoto e o seu grupo por lá andava, o Público noticiava, por exemplo,
isto: «Jee Heon-a viu uma mãe ser obrigada a afogar o seu recém-nascido».
José Luís Peixoto e o seu grupo excursionista à Coreia do Norte
Aeroporto da Portela, Setembro de 2013
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Imagens de Shanty Town
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Como se refere aqui, na
África do Sul, perto de Bloemfontein, existe Shanty Town, criada por uma cadeia
de hotéis de luxo, Emoya Luxury Hotel and Spa. Este resort foi criado para que os turistas «brincassem aos
pobrezinhos», como já houve uma senhora tonta que disse por aí, tendo de pedir
– e bem – as devidas desculpas. Shantyu Town é uma Disneylândia da pobreza. Sem
os riscos de viver num bairro de lata (desde levar um tiro a contrair uma
doença), os visitantes podem ter a «experiência», radical mas bem controlada, de
simularem a pobreza e a miséria por uns quantos dias. Depois, regressarão às suas vidas
«reais», bem diferentes desta. Enquanto lá estão, utilizarão latrinas fora de
casa, aquecer-se-ão em fogueiras acesas na rua. Os operadores turísticos já não sabem que «experiências»
terão de inventar mais. Nelson Mandela, cuja morte acaba de ser divulgada,
certamente não teria gostado disto. Não foi este o seu sonho, nem o país por que
lutou. No entanto, isto é mais do que um país, é o reflexo do mundo inteiro. O
mundo é um lugar estranho.
À memória de Nelson Mandela (1918-2013)
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