Ainda
ontem falei aqui de manipulações fotográficas ou de imagens mas o tema é tão
vasto e tão rico que há sempre novo material a mostrar – ou a esconder. Vêem a
fotografia da esquerda? E a da direita? A diferença é óbvia: um decote generoso
foi cuidadosamente retocado para perder uma boa parte da sua generosidade. Há uns anos, li um livro de divulgação sobre o
amor e a sexualidade no franquismo, La vida amorosa en tiempos de Franco, de Rafael Torres, banal e previsível,
dizendo o que já esperávamos, nada trazendo de novo. Também
entre nós, Isabel Freire pouco de novo trouxe com Amor e Sexo no Tempo de Salazar.
Agora,
graças a esta notícia do El País,
soube da existência de uma obra mais surpreendente e frutuosa, porque se concentra num objecto
específico: a censura aos cartazes de cinema. Neste livro de Bienevenido Llopis,
La censura franquista en el cartel de cine, a iconografia é o ponto dominante e a obsessão com o sexo uma
constante. Talvez melhor, a obsessão com o corpo da mulher. Ou com tudo aquilo
que pudesse despertar fantasias, como a lingerie. Veja-se como num cartaz de
um filme de Truffaut a rapariga mantém um vestido reduzido, mas agora deixou de estar em
roupa interior. Ou como, num filme com Peter Sellers, se retirou a cama do plateau, mantendo tudo o resto. No
geral, as pernas nuas eram castamente tapadas. Noutros casos ainda, temos Ursula Andress em Dr. No a sair da água já não em biquíni mas num completo fato de
banho. A censura, por vezes, era mais subtil do que pensamos; limitava-se a
introduzir um elemento que alterava a carga erótica da imagem e da mensagem. O
caso mais caricato é o do Pato Donald: nem o punho erguido escapou; a possível
alusão ao imaginário comunista, mesmo num filme de Walt Disney (que de
comunista pouco tinha), era rasurada e censurada. O livro cobre cerca de 40 anos de actividade
censória: com o passar do tempo, a censura tornou-se talvez mais sofisticada e
refinada. Certamente mais permissiva, num certo sentido. Mas os resultados
caricatos (veja-se o cartaz de Chacales del
Mar…) mostram, no fundo, que a censura, mesmo quando sofisticada na forma,
é sempre muito limitada nos propósitos. Sobretudo
nestes domínios eróticos, o defeito maior da censura não é restringir a
liberdade ou ser estúpida no modo como actua; o seu principal defeito é ser
inútil e até, talvez, contraproducente. Será a censura o maior dos afrodisíacos? Já agora, em tempo: não seria possível fazer um livro destes cá?
Não eram somente as imagens que eram censuradas. Os títulos dos filmes também, para reduzir-lhes a carga provocativa.
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