É importante considerar os riscos associados
às interpretações por analogia na compreensão de fenómenos
sociais e históricos. Na análise comparativa dos diferentes processos coloniais
liderados por países europeus no século XX, se faz sentido comparar a atitude
de Portugal com a atitude de outras potências coloniais europeias como a
Inglaterra, a França ou a Bélgica, fará muito mais sentido comparar a evolução
dos territórios de Angola e de Moçambique, o coração do império português, com
a evolução dos territórios vizinhos da África Austral. Em primeiro lugar e
sobretudo, com a decisiva África do Sul (e Namíbia), a potência regional, logo
seguida pela Rodésia do Sul (Zimbábue). Num segundo plano, com os demais países
fronteiriços, todavia com um peso estratégico bem mais relativo: Rodésia do
Norte (Zâmbia), Niassalândia (Malawi), Tanganica (Tanzânia) ou o Congo. Num
terceiro plano, pode considerar-se o Botswana, embora neste caso sem fronteiras
com Angola ou Moçambique.
Mesmo que focássemos a atenção apenas
na Europa, não é menos relevante considerar que a segunda guerra mundial e as
suas profundas sequelas atingiram de forma directa e, por isso, muito
significativa as potências europeias com colónias na África Subsaariana:
França, Inglaterra, Bélgica e, embora recente, a Itália. Houve uma excepção:
Portugal. Pode acrescentar-se o contexto peninsular marcado pela violenta
guerra civil de Espanha (1936-1939), a antecâmara da segunda guerra mundial, o
que torna mais saliente a singularidade portuguesa em contexto europeu. Logo,
um país que teve um percurso diferenciado na conjuntura que condicionou de modo
mais marcante a Europa no século XX e que, de alguma forma, simbolizou para os
países envolvidos uma ruptura com um certo tempo histórico, não é tão absurdo
quanto isso que esse país alimentasse representações sociais, partilhadas por
elites e pessoas comuns, que projectassem essa sua excepcionalidade no ciclo
histórico do império colonial africano.
É certo que parte importante da
manutenção das lógicas de continuidade histórica podem ser remetidas para os
regimes salazarista e marcelista, mas é também certo que uma opção dessa
natureza não existe nem resiste no vácuo social.
E como referi no início, colonizar e
descolonizar são fenómenos do tempo longo dependentes de circunstâncias
históricas particulares de cada caso. Mesmo considerando que fosse previsível,
desde os anos cinquenta, a antecipação de tendências gerais de longa duração
favoráveis às independências africanas, o que faz a história é a forma concreta
como essas tendências se materializam em cada caso. E não é de somenos
considerar que nenhuma potência colonial europeia largou a sua jóia da coroa de
mão beijada (tese do Prof. Maciel Santos). Nem os ingleses a Índia, nem os
franceses a Argélia (onde os franceses travaram uma guerra de guerrilha entre
1954 e 1962). Angola não destoou. Como é fácil constatar, existem desfasamentos
nos processos e no tempo, mas não de orientação política de fundo.
Terá até sido bem mais coerente ou
homogéneo o modo como terminou a dominação colonial portuguesa em África do que
o desfecho da presença colonial inglesa neste continente. Tal torna-se visível
se considerarmos o prolongamento de regimes brancos em estados africanos com
independências formais: os casos da Rodésia do Sul (1980, Zimbábue) e da África
do Sul/Namíbia (1990). Estes regimes podem ser considerados fórmulas
reinventadas de dominação colonial branca europeia que resistiram na África
Austral para lá do final do ciclo colonial português e que se inserem na velha
lógica britânica de indirect rule.
Nas pesquisas de campo que realizei em Moçambique
não é por acaso que as pessoas comuns quando comparam a colonização portuguesa
com a inglesa, como é seu hábito, persistem nessa comparação até ao final do
ciclo colonial português. Quem vê a África Austral a muitos e muitos
quilómetros, a partir da longínqua Europa, é natural que se regule por
referentes formais, legais, burocráticos. Só que a vida vivida e
auto-representada pelas pessoas comuns em espaços territoriais concretos
obedece a lógicas que lhes são peculiares. Logo, na perspectiva em que situo a
questão, é plausível considerar que os portugueses saíram primeiro, mais
depressa e de modo mais radical da África Austral do que os outros europeus.
Em suma, as teses que criticam a obstinação
do regime português do Estado Novo em prosseguir na aventura colonial contra
todas as evidências não podem ser necessariamente interpretáveis à letra, nem
na actualidade e muito menos à época.
Gabriel
Mithá Ribeiro
Sem comentários:
Enviar um comentário