quinta-feira, 14 de julho de 2016




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

# 67 - McCOY TYNER

 


Fotografia de Francis Wolff

 
Mãos de basquetebolista, percute o piano com o ânimo de um ferreiro, não fosse ele recalcitrar. Miles Davis embirrava – “I don’t like all that bangin’, you know?” – mas era injusto, McCoy Tyner fazia o que era preciso para não abandonar John Coltrane ao largo, sem a bússola rítmica e o astrolábio harmónico que lhe competia fornecer, missão que se foi dificultando na fase em que o saxofonista, ao cabo de um punhado de compassos, dava em ir-se embora para um éter musical só dele.
McCoy Tyner associou-se a Coltrane em 1959, um ano depois de se cruzarem em Filadélfia, ainda antes do denominado “Classic Quartet” que também vinculou Jimmy Garrison no contrabaixo e Elvin Jones na bateria, este a concorrer em elã com o pianista, fustigando as peles ao estilo de Muhammad Ali no acto de despachar Sonny Liston. Foram sete anos de prémio pretendido, tão diferentes dos de Jacob sem a merecida Raquel, mas, no final de 1965, Tyner – e com ele Jones: já não se conseguiam ouvir, alegaram – desligou-se de John Coltrane, quando a influência, para muitos deletéria, de Alice Coltrane e de Pharoah Sanders ganhou um peso terminante na sua trajectória musical, deslocando-a da posição convergente de um sol, com o seu campo gravitacional, para a inescrutável elipse de um cometa que só passa tangencialmente por aqui.
É de uniões de facto entre “consenting adults” que descende o jazz; donde não haver divórcios na hora da separação. Para mais, enquanto perdurou na órbita de Coltrane, McCoy Tyner foi fazendo a mão na Impulse! – ficava tudo em casa… – quantas vezes combinado com Garrison e Elvin Jones, também eles, de vez em quando, assinando obras na mesma etiqueta. Não se entenda esta domiciliação como um plano editorial de produção em série ou como um ajuste meramente comodista por parte dos músicos, mas sobretudo como uma afinidade musical e até política – houve quem dissesse que grupal – que a Impulse! tanto fomentou e tanto cunho lhe deu.
 
 

The Real McCoy
1967 (2008)
Blue Note / EMI Music Distribution - 7120
McCoy Tyner (piano), Joe Henderson (saxofone tenor), Ron Carter (contrabaixo), Elvin Jones (bateria).
 
 
Com realce dado na capa a um título rico de sentidos, nenhum deles leviano, “The Real McCoy” não é, portanto, um grito do Ipiranga porque liberdade nunca faltou a Tyner para apontar ao norte que demandava – mas agora podia soltar-se. Refinará a audição do disco se a sua música for contrastada com a de Coltrane num concerto dado dois dias depois, cuja gravação seria publicada em 2001 sob o nome “The Olantuji Concert”. Da comparação retira-se a justa medida da distância que os separava, mas também, com alguma boa-vontade, se percebe que Tyner não renegara nada, antes retrocedera a um momento anterior, eventualmente coetâneo de “A Love Supreme”, para nele encontrar outras rotas por onde prosseguir – “um passo atrás e dois em frente”, máxima leninista que poderia muito bem ter-lhe sido sugerida por Jarvis Tyner, o seu irmão mais novo, membro do Comité Central do Partido Comunista dos EUA.
Ter sido acolhido na Blue Note conferiu a “The Real McCoy” um ar de família. Com dois pulsares tão energéticos como Tyner e Jones, a escolha para completar a secção rítmica recaiu no contrabaixista Ron Carter, o “metrónomo” do Segundo Grande Quinteto de Miles Davis, renomado por não conhecer limites de velocidade, por sempre encontrar a agulha do ritmo no palheiro do contraponto, ademais, por estar habituado a bateristas estentóricos como Tony Williams.
Tal como Carter, também o saxofonista tenor Joe Henderson dir-se-ia que por esta altura era avençado da Blue Note, tantas as obras nela editadas em que participa. Todavia, no caso de “The Real McCoy” mal seria se a comparência de Henderson fosse simplesmente contratual ou por conveniência; no seu debute como cabeça de cartaz, no disco apropriadamente crismado de “Page One”, contara com os préstimos de McCoy Tyner e a eles se juntara Elvin Jones nas sessões de Abril e Novembro de 1964 que deram origem a “In’n Out” – o ex libris de Henderson – e “Inner Urge”. Isto estava tudo ligado…
Pondo a má-língua de Miles de lado, entenda-se McCoy Tyner como uma versão vitaminada de Thelonious Monk, também ele pouco dado a subtilezas no afago das teclas. E a verdade é que o seu modo, tal como se afirma eloquentemente em “The Real McCoy”, inspirou e influiu o piano de jazz nas décadas porvindouras.
 
 
José Navarro de Andrade
 

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