sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O bife académico.

 
 

 
 
         Confesso que não percebo o vendaval do bife. O reitor da Universidade de Coimbra anunciou que, no início do próximo ano, as cantinas académicas vão deixar de servir carne de vaca. Só isso, nada mais do que isso. Não disse que o consumo de carne de vaca está proibido no interior das instalações académicas. Determinou apenas que um determinado produto deixa de ser servido nas cantinas. Um produto cujo consumo a OMS desaconselha em doses excessivas, sabendo nós também que moderar o consumo de carne de vaca é também vantajoso para o ambiente. O que Coimbra fez nem sequer é original, muitas universidades inglesas fizeram-no – e não consta que isso tenha merecido pronúncia pública do ministro da agricultura inglês ou da rainha Isabel II. O que a Universidade de Coimbra está a fazer é, tão-só, eliminar a carne de vaca das ementas das cantinas. Justifica-se que um ministro venha falar – de resto, com pouco respeito pela autonomia universitária – em «populismo» e «demagogia»? Uma universidade pública dar um sinal público de compromisso com algo que é defendido por todas as instituições internacionais de referência, com a OMS à cabeça, é «populismo» e «demagogia»? A universidade será por acaso obrigada a servir bife de vaca? Alguém disse, porventura, que um aluno que seja apanhado a comer um hambúrguer no Páteo das Escolas será punido ou perseguido? Por amor de Deus, o que está em causa é, e é apenas, uma decisão sobre as ementas de uma cantina. Uma decisão que não é neutra, obviamente, que tem uma carga simbólica, evidentemente. Mas essa carga simbólica é negativa e desprezível? Não. Podem não a achar louvável, podem achar o que quiserem, mas decidir, em nome da saúde e do ambiente, que num estabelecimento público não se serve mais um determinado produto – é só isso! – não parece ser uma questão que mereça comentários, incluindo este. Todos os dias há centenas de vozes a apelar à moderação no consumo de carne de vaca. Agora, o reitor de Coimbra, juntando-se ao coro, determinou que as cantinas académicas deixar de servir bifes. Dir-se-á, repete-se, que isto é um sinal. Pois é, e ainda bem. Ou não é também um sinal, de sentido contrário, proclamar-se que se come carne de vaca, como se isso interessasse e tivesse a ver com o assunto? E, entre os dois sinais públicos, entre os dois gestos simbólicos (vetar o bife vs. proclamar o seu consumo), ambos legítimos numa sociedade livre, qual é o mais positivo do ponto de vista sanitário e ambiental? Qual é? Importam-se de ler esta nota da Direcção-Geral de Saúde sobre consumo de carne e cancro?
         Eis um pálido e primeiríssimo aviso das tensões e conflitos que nos aguardam, nesta e noutras matérias (por agora, à conta do bife coimbrão, já temos dois ministros à batatada). As alterações climáticas, está estudado, irão provocar guerras entre povos e nações, confrontos a propósito da água e de outros bens essenciais. Portugal e Espanha, provavelmente, vão ter vários confrontos diplomáticos, espera-se que só diplomáticos, a propósito de rios e cursos de águas. Mas os conflitos vão eclodir, e muito, no interior de cada país, pois a emergência climática vai obrigar a mudarmos radicalmente de estilo de vida, afectando interesses instalados em muitos sectores económicos, e não só. Há alarmismo e algum desnorte, sem dúvida. Mas, com serenidade e calma, devemos concluir que temos de mudar, e mudar muito. Todos os dias há sinais que o mostram, relatórios novos, dados incontroversos. O facto de uma decisão tão simples e circunscrita, como esta do reitor de Coimbra, suscitar tamanho vendaval é um preocupante prenúncio das guerras que aí vêm, na hora em que tivermos de agir – e agir drasticamente. É isso que os que criticam o reitor de Coimbra deviam perceber, quando falam em populismo ou proclamam o seu apreço ao bife. Como será quando as coisas forem mais sérias e mais drásticas? Dir-se-á que já não será no tempo de Capoulas Santos ou doutros como ele. Talvez, não sei. Mas sei que os que vierem a seguir, as gerações vindouras, não deixarão de julgar os que agora mandam e decidem pelo que fizeram – e, sobretudo, pelo que deixaram de fazer.
 
 
 
 
 
 
 
 

2 comentários:

  1. Caro António, eu sei que abomina os livros do José Rodrigues dos Santos, mas aconselho-o a ler neste momento o "Sétimo Selo", livro de 2007, e onde todas as preocupações que o António tem vindo a expressar neste blogue, aparecem já descritas no livro. Todos os modelos e previsões apocalípticas previstas em 2007 como iminentes, continuam bem longe de se verificar, 12 anos passados. É que do que vou constatando, para evitar a catástrofe não há soluções de compromisso; para evitar a catástrofe só quase regressando à "idade da pedra": é isso que implicaria cortar radicalmente as emissões de CO2 provenientes dos combustíveis fósseis. Resta por isso ter "fé" no progresso científico que permita inverter os efeitos do CO2. Poderá retorquir-me argumentando que isso é o mais cómodo, mas eu já faço reciclagem há muitos anos e nem sou demasiado consumista. Agora deixar de comer bife de vaca ou louvar aos céus quando o Governo tributar em 5€ cada litro de gasóleo, ou deixar de usar o automóvel ou o avião, isso não farei. Vamos caminhando e apalpando terreno neste "nevoeiro" das alterações climáticas. PS- se conseguir, leia o livro e depois poderemos retomar este ponto!

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  2. Deixo ainda a ideia do Progresso Tecnológico Exponencial em que vivemos e que começou com as 1ªas ferramentas usadas pelos nossos antepassados. O progresso foi sendo feito muito lentamente mas desde a revolução industrial que passou para outro nível e quanto mais anos passam maior é o ritmo de inovação. Deixo este artigo que já está desactualizado pois é de 2015 mas que deixa pistas animadoras sobre a "fé" no progresso e na inovação humana ainda na nossa geração para resolver problemas tão complexos como as alterações climáticas, a fome ou as doenças: https://medium.com/@nivo0o0/when-exponential-technological-progress-becomes-our-reality-74acafd65e26

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