Confesso
que fiquei danado por este livro só ter surgido agora nas livrarias, passado o
Verão. Porque melhor companhia de praia não haveria, a biografia de um Jorge
tão amado, tão bem investigado num livro gordo, mas não flácido.
Confesso
que quando li as primeiras linhas fiquei alarmado, pois, como bem notou o meu
amigo António Cabral, sempre arguto, elas podiam indiciar erro gravíssimo da
autora, que parecia imputar a Salazar a expulsão dos jesuítas de Portugal.
Relido o parágrafo, talvez seja o modo de escrita, lá não se diz, preto no
branco, tamanha enormidade histórica.
O
que do livro se percebe, entre tanta coisa, foi a absoluta centralidade da
militância comunista na vida e obra de Jorge Amado, e que essa militância
esteve a ponto de fazer perder um grande, enorme escritor (isso também
ressalta, e muito, na correspondência trocada com Zélia, livro maravilhoso
publicado há um par de anos pelos filhos do casal). Foi essa militância, é
certo, que em larga medida o lançou e projectou no mundo, e não fora isso Jorge
seria apenas um escritor brasileiro, de timbre regionalista. A autora não
carrega muito nessa tecla, mas devia, como devia ter falado mais na veneração
patética de Jorge Amado por José Estaline. Transcrevem-se alguns trechos do
execrando O Mundo da Paz, não os mais
pornográficos. Salvou-se Jorge através da lenta dissidência, mais precoce que a da
mulher Zélia, precipitada pelo relatório Krutchev ao XX Congresso, cuja leitura
fez verter lágrimas a outra lenda do comunismo tropical, Carlos Marighella.
Curiosa é a fatwa que o Partido
Comunista lançou sobre Jorge Amado quando ele deu sinais de tímido desalinho, e
logo lhe foi dito que seria liquidado como escritor, que dentro de meses a
força do Partidão faria com que não mais ouvissem falar dele. Justo o oposto:
escreveu o estrondoso Gabriela, foi
feito imortal na Academia das Letras, o melhor da sua produção esteve aí, na fase da maturidade (excepção feita ao grande Jubiabá, de tempos mais recuados).
Portugal
aparece de quando em vez, pela voz de Ferreira de Castro e Alves Redol. Mas,
até por isso, teria sido útil buscar apoio num livrinho que Álvaro Salema
escreveu só sobre a presença de Amado na nossa terra. Mas isso são pecadilhos
menores, talvez não tão menores assim para quem se recorda de Jorge Amado no
Tivoli ou às mesas das Mimis do Parque Mayer (restaurante Amadora), a que tanto fui com meu Pai. Várias
vezes o vi lá, na companhia de Beatriz Costa. Ou de Alçada Batista.
Numa
temporada em Paris, na junto com o Miguel, por pensões de turcos e putas nas
cercanias da Gare du Nord, quando éramos
muito pobres e muito felizes, como diz Hemingway em A Moveable Feast, avistámos Zélia e Jorge, nas escadarias do Sacré-Coeur,
a contemplar o entardecer. Eu trazia um livro comprado turisticamente na
Shakespeare & Co., Paris! Paris!
de Irwin Shaw, e lembrei-me de pedir-lhe um autógrafo logo ali, nas páginas de
livro alheio. Jorge assinou, pois claro, mas só agora soube que tinha por
hábito sentar-se ali, a cidade desenrolada a seus pés como uma tapeçaria de um
bazar oriental. Julgava-o visitante ocasional, como eu. Mas não, Jorge era
assíduo do Sacré-Coeur.
Essas
e outras novas são dadas por este livro, excelente, que doravante figurará como
a grande biografia, há tanto tão aguardada, de Jorge Amado, do nosso tão amado
Jorge.
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