segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Tarde demais.


 
 
 
 
Dois livros absolutamente obrigatórios. A sério, não exagero. Um, sobre alterações climáticas, que ainda estou a ler, aterrado. It is worse, much worse, than you think, são as palavras já célebres do livro de David Wallace-Wells, The Uninhabitale Earth. Senhores editores, TRADUZAM-NO E PUBLIQUEM-NO CÁ. Feita esta súplica, outro livro. Este deveria ser obrigatório em escolas, gabinetes ministeriais, salas de conselhos de administração, em toda a parte. Deveria existir um exemplar em cada lar português. Não, não estou a exagerar. Peter Frankopan, um reputadíssimo académico, que ensinou em tudo o que é excelência universitária, já tinha escrito As Rotas da Seda, traduzido cá, e muito bem. Regressa agora com As Novas Rotas da Seda. Além de estar escrito de uma forma, digamos, arrebatadora e ligeiramente mais sedutora do que as fotografias de Verão da Senhora Dolores Aveiro, o livro conta histórias de pasmar, começando por referir o óbvio: todos os grandes clubes de futebol europeus estão nas mãos de estrangeiros. Sintomático, não? Depois, mil e um episódios: o do chinês que comprou uma propriedade de 3000 hectares em França só para produzir trigo para uma rede de boulangeries destinada às classes emergentes de Pequim ou Xangai, a do pó de talco com que polvilhamos os nossos bebés vir do Afeganistão e, mais precisamente, dos talibãs (sabia?), etc., etc. Percebe-se aqui Trump ou o Brexit: mais não são do que estertores de um Ocidente em agonia. Enquanto por cá andamos em querelas e xenofobias, e a Europa e a América não têm desígnio nenhum, absolutamente nenhum (a América, quando muito, terá o desígnio de tentar resistir à esmagadora hegemonia da China, perante a qual tem uma dívida de biliões), enquanto por cá não temos desígnio nenhum, dizia, a China lançou há anos a gigantesca iniciativa da Rota da Seda, vamos chamar-lhe assim. O mais espantoso é que quando falei dela – e deste livro – a algumas pessoas, pessoas ilustradas, ninguém sabia o que era a iniciativa Uma Rota, Uma Faixa… É uma coisa longínqua, distante… Será? Com os nossos centros de decisão económica já muito hipotecados aos chineses, com as vias de construção da Rota a serem preparadas para acabarem em Portugal, com os chineses a deixarem de ser imitadores de tecnologia e a já terem a vanguarda de muita investigação de ponta? (ver aqui, ou aqui, e até já uma Associação Amigos da Nova Rota da Seda...) Com as sanções de Trump ao Irão e a outros países a serem aproveitadas pela China, que de caminho engole os países africanos através de dívidas colossais (à China…), a troco de infraestruturas megalómanas, edificadas… pela China? De quem é o porto do Pireu, ou a EDP? Muitos de nós ainda não percebemos que o Ocidente acabou, morreu. Na melhor das hipóteses, Portugal será um resort para turistas asiáticos, com vinhos de marca e uns castelinhos d’encantar. Nada mais. O próximo século é do Pacífico, e regiões limítrofes. O que se anda para lá a fazer na Ásia Central – e que este livro mostra com abundantes exemplos –, o que se faz e as parcerias que existem no Tajaquistão, no Cazaquistão, no Turquemenistão, etc. O quão distraídos andamos nós, com as novelas do governo italiano ou do Brexit, enquanto China e Índia se desenvolvem e armam à bruta. O que não percebemos que, com o domínio global da China, que é um país não-democrático, a democracia – toda a democracia! – está em risco em todo o mundo. O que não percebemos que para dominar um país já não são necessárias frotas navais ou carros de assalto, nem soldados, basta a asfixia económica, o investimento maciço, o controlo da informação, a manipulação da Internet. Duvidam? Leiam este livro. Que ademais não é um panfleto sinofóbico, longe disso. É um extraordinário livro, não muito grande, que se lê num ápice. E que, insisto, devia ser obrigatório, lido por milhões de europeus, como o livrinho vermelho do nunca renegado Mao Zedong (apesar de ter morto milhões e milhões, quem fala disso, quem ousa clamar por justiça histórica transnacional? Já agora, quem se ergue hoje por Taiwan ou pelo Dalai Lama?). Ia escrever que é bom ler e meditar neste livro «antes que seja tarde», mas não: já é tarde, já acabou. Mas convém sabê-lo, estar consciente disso. Discorda? Leia As Novas Rotas da Seda. Já agora, uma pergunta: porque é que a sociedade de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados é sócia honorária da Associação Amigos da Nova Rota da Seda???
 




 
 
 
 
 

  

 

 







1 comentário:

  1. Obrigado pela recomendação, vou seguir. Aconselho sobre o mesmo tema "O Despertar da Eurásia", do português Bruno Maçães.

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