São todo um género, os filmes de guerra, mesmo se não
equivalente à música militar, de que Clémenceau dizia, decerto com exagero,
estar para a música assim como a justiça militar está para a justiça (ou
vice-versa).
O género fílmico, quanto a ele, foi parodiado por San
Severino nessa delícia mordaz que é a canção Les Films de Guerre, uma música
caracteristicamente distinta da castrense por ter de sobra um ingrediente que
falta a esta: é muito dançável, além de trauteável.
Em contrapartida, já alguém mostrou ser perfeitamente
possível pôr um exército a marchar ao som de música civil, e com uma garra tal
que até as medalhas palpitam e saltitam no uniforme. É constatar aqui o élan que parece inspirar nas tropas norte-coreanas
a música dos Bee Gees.
E que tem isto a ver com Beethoven, o assunto de hoje?
Até agora, nada, a não ser um nome começado por B e talvez o som de uns canhões
na sua 3ª sinfonia, a Heróica. A bem dizer, Beethoven nem era para ser assunto
nesta rubrica em dia algum, antevendo eu para este ano, como antevia, uma
justificadíssima enxurrada beethoviana por tudo quanto é sala e sítio nas
comemorações do 250º aniversário do seu nascimento.
Entretanto, tocou a recolher e foi o que (não) se viu.
Beethoven, cadê? Sumiu. Para resgatá-lo de semelhante limbo, segue por
conseguinte um primeiro contributo para a efeméride, honesto ainda que sui
generis. Para sérios já estão os tempos.
A Colonel Bogey March, uma marcha militar
composta em 1914 pelo tenente F.J. Ricketts, foi celebrizada pelo histórico
filme de guerra A Ponte Sobre o Rio Kwai, de David Lean, numa empolgante
cena (sensivelmente a partir do minuto 1) em que soldados
britânicos, prisioneiros num campo japonês, a entoam andrajosos, mas de cabeça
erguida, numa marcha a cada passo mais ampla, num longo assobio em uníssono,
desafiando assim a ordem do comando nipónico que os proibia de cantar com o
propósito de lhes minar o moral.
Mas a melodia já se tinha popularizado bem antes, logo
no início da segunda guerra mundial, quando lhe foi aposta uma letra cujo tema,
um Hitler mono-testículo, se prestaria às mais criativas variações:
Hitler has only got one ball,
Göring has two but very small,
Himmler is somewhat sim'lar,
But poor Goebbels has no balls at all.
Numa outra variação,
Hitler has only got one ball
The other is in the Albert Hall
His mother, the dirty bugger
Cut off the other, when he was only small
She threw it into the apple tree
It fell in to the deep blue sea
The fishes got out their dishes
And had scallops and bollocks for tea
E assim por diante, já se terá percebido a ideia.
Mas a alegria no pagode não ficaria por aqui. E é
neste ponto que entra Beethoven. Ou melhor, alguém por ele. Dir-se-ia mesmo
alguém em quem Beethoven “baixou”, qual entidade de candomblé, guiando-lhe os
dedos na composição da Beethoven Sonata Parody em grande estilo, o seu
estilo, em mais uma variação da marcha do coronel. Esse alguém é
Dudley Moore, que também a interpretou um ror de vezes. Fica uma delas (e aqui, mais divertida ainda, de tão séria e primorosa, a
interpretação do pianista Piers Lane), seguida em baixo pela versão original
composta pelo tenente inglês.
Manuela Ivone Cunha
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