Preparava-me
para apreciar lado a lado o Beethoven-action-man que me saiu ao caminho
numa montra de um lugarejo remoto (boneco 1), e a mais icónica representação do
compositor (boneco 2), quando com dou de caras com a extraordinária história
deste último retrato – a história do artefacto, mais do que a da pintura.
Por
extraordinário que seja o retrato e a sua história – se me é ainda permitido o
à parte –, não obsta a que continue a ser bem-vindo aquele refrescamento da
representação de Beethoven mais condizente com o século 21. A série de 4
gravuras que Andy Warhol extraíra em 1987 (boneco 3), qual lata de sopa
Campbell, da pintura de 1820, resulta já, convenhamos, um nadinha século 20.
Seja como for, nem o Beethov-man nem o Beethov-série apoucam um pedacinho
sequer da obra, incluindo a sinfónica.
Em duas pinceladas,
eis parte da história do artefacto -- ainda que a pintura, da autoria de Joseph
Karl Stieler, tenha também ela que se lhe diga. Consta ser este o único retrato
para que Beethoven acedeu posar em vida. Antoine Brentano, um dos membros do
casal que patrocinou a obra, teria inspirado a Beethoven uma fervorosa paixão
e, pelos vistos, uma inusitada paciência.
Mesmo assim, o
arrebatado retratado não aguentou mais do que 4 sessões de pose, distribuídas
ao longo de três meses. As mãos que na pintura seguram o manuscrito da Missa Solene já não são as que a
compuseram, mas as que saíram da memória do pintor. Já aqui se aludiu à
quase cómica intolerância do músico perante o que o aborrecia. De maneira que
no retrato tanto podemos imaginar, como muitos, desprender-se do fundo
florestal a força da natureza que ele próprio encarnava – ou do fundo de
plantas o amor que lhes tinha –, como a impetuosa vontade de mandar tudo aquilo
às malvas e voltar quanto antes para o piano, subito.
Mas seria bem
mais atribulada a história do artefacto material, pelo menos a partir do
momento em que entrou na posse de Henri Hinrichsen, um respeitado membro da
comunidade judaica de Leipzig, e se tornou um alvo de eleição da gigantesca
apropriação Nazi de obras de arte. O quadro foi um dos objetos do saque nazi na
Noite de Cristal, a que se seguiria o confisco e arianização da editora musical
de que Hinrichsen era proprietário, acabando na morte do próprio nas câmaras de
gás de Auschwitz-Birkenau.
Finda a guerra,
e após novo confisco – desta feita pelo Exército Vermelho – o retrato foi
reavido pelo filho Hinrichsen, em Nova Iorque, através de intensa negociação.
E voltaria
agora a atravessar o Atlântico para aterrar na casa onde Beethoven nasceu, em
Bona, onde se encontra exposto.
Manuela Ivone
Cunha
Sem comentários:
Enviar um comentário