terça-feira, 26 de novembro de 2013

Vidas singulares: Frida Lyngstad.








Frida Lyngstad





          Se a Noruega já fica lá tão ao Norte, imaginem então o que será o Norte da Noruega. E depois imaginem o que será uma vilória no Norte da Noruega. E, já agora, imaginem o que seria uma vilória do Norte da Noruega no ano de 1945. Mais ainda: concebam uma vilória do Norte da Noruega nos anos 40 ocupada por nazis. Como já terão percebido, estamos a falar de Bjørkåsen, que fica ao pé de Narvik, na região de Balangen, que por sua vez fica no distrito de Ofoten. Bjørkåsen será certamente uma terra bonita, que só tem um defeito: o nome ostenta um «ø» e um «å» que são letras graficamente engraçadas mas dão uma trabalheira a procurar na função Symbol se as quisermos escrever como deve ser.

          Em 1943, chegou a Bjørkåsen um jovem sargento alemão, no contingente da II Guerra Mundial. Enamorou-se por uma rapariga norueguesa chamada Synni Lyngstad. Ele chamava-se Alfred Hasse e, apesar de ser casado, enamorou-se pela rapariga Synni. Romanticamente, ofereceu-lhe um saco de batatas – por certo, mais apreciado na altura do que um ramo de flores silvestres. Ela retribuiu com carne de baleia, outro presente amoroso, pelo menos à época. Pois a coisa pegou e, em 15 de Novembro de 1945, das batatas com baleia nasceu Anni-Frid «Frida» Lyngstad. O sargento alemão já não estava na região de Balangen. Aliás, já tinha mesmo regressado à Alemanha. Anni-Frid Lyngstad nasceu, pois, de mãe-solteira. Cresceu julgando que o seu pai tinha morrido quando o navio que o levava de regresso à Alemanha naufragou.

          Temos, portanto, uma criança que julgava ser órfã de pai, nos confins da Noruega, com a mãe Syni e a avó Arntine Lignstad («Agny»). Para mais, no pós-guerra, tempos agrestes. Tão agrestes que ela, a mãe e a avó tiveram de sair de Bjørkåsen, com receio de represálias contra aqueles que, durante a guerra, tiveram contactos com os alemães. Não havia como negar: a Frida era a prova de que existira contactos com um alemão, para mais sargento, para mais intimíssimos. Havia o risco, inclusivamente, de tirarem a criança à sua família, que é uma coisa sempre muito mal feita. A menina foi então com a avó para a Suécia e estabeleceram-se na região de Häjerdalen, um nome mais fácil de pronunciar do que Bjørkåsen, mas ainda assim esquisito. Em Häjerdalen, a avó de Frida teve um recomeço de vida duro, aceitando todo o trabalho que aparecesse. A mãe de Frida permaneceu na Noruega, mas agora mais a Sul, em terra cujo nome não foi possível apurar, mas é certamente impronunciável e metade do ano abaixo de zero. Mais tarde, juntou-se à filha Frida e à mãe Agny. Três mulheres no Norte. Mudaram-se para Malmköping, outra terra com um nome giro e que fica precisamente a 72 quilómetros de Estocolmo, que é a capital da Suécia. Porém, o fígado da mãe de Frida teve um problema, falhou, e ela morreu aos 21 anos. Em Junho de 1949, Frida e a avó Agny foram para Torshälla, que é linda (juro!) e fica mesmo nos arredores de Eskilstuna, como todos sabem. A avó Agny trabalhava como costureira enquanto Agny iniciava o seu percurso escolar, matriculando-se na C+S de Torshälla no ano lectivo de 1952. Por aquelas terras, todas com nomes de estantes da IKEA – Malmköping, Balangen, Torshälla, Eskilstuna, sem esquecer Bjørkåsen, claro –, o ano lectivo começava no mês de Agosto, uma pouca-vergonha. Frida ia passar as férias de Verão (seria cruel chamar-lhes «férias grandes») à Noruega-natal. O Tio Olive (Olívio) achava a miúda tristonha, solitária. Tudo fazia, durante as férias, para que se sentisse amada, mas quanto ao resto não sabemos pois a Wikipedia não conta.

          Já dissemos que Frida, que andara de Bjørkåsen para Häjerdalen, de Häjerdalen para Torshälla, com idas e vindas entre a Noruega e a Suécia (dois países caríssimos), era órfã e vivia com a avó. A avó, enquanto costurava, cantava músicas populares norueguesas, que deviam ser boas de lindas pois a menina tomou o gosto pela música. Aos 13 anos já estava a cantar em público, aos fins-de-semana, com uma banda de música Schlager, que em alemão significa «êxito musical». A danada da Wikipedia diz que a versão portuguesa de Schlager é «música pimba». Pois bem, a música pimba que Frida cantava, em actuações que chegavam a durar cinco horas, eram coisas como All of Me, Night and Day ou Begin the Beguine. Pimba? Começou a rapariga a ter aulas de canto e aos 15 anos já integrava uma banda que tocava jazz, sendo os ídolos de Frida nomes como Glenn Miller, Duke Ellington ou Count Basie (a Wikipedia omite Tony e Mikael Carreira) e, no feminino, Ella Fitzgeralda e Peggy Lee (a Wikipedia ia escrever Ágata e Romana, mas arrependeu-se a tempo). Em 1963, a empreendedora Frida já tinha uma banda com o seu nome e tudo. Quatro anos depois, ganhou um festival descobre-talentos da Suécia, com uma música inesquecível: En Ledig Dag. O prémio era um contrato com a EMI sueca. Frida não sabia (e eu sei porque estou a copiar à farta da Wikipedia e do biography.com), mas outra das benesses, além de um iPhone, era a seguinte: a sua actuação, a cantar En Ledig Dag, iria ser transmitida no show televisivo mais popular na Suécia da época, o Hylands Hörna. E dá-se o caso – isto é que é mesmo maravilhoso – de, naquela noite, em que iriam transmitir mais um Hylands Hörna, a Suécia ter mudado as faixas de rodagem. Tratou-se do célebre Dia H (Dagen H). Não foi bem mudar as faixas de rodagem, é mais onde antes se andava pela esquerda passava agora a andar-se pela direita e quem ia pela direita passava a ir pela esquerda, uma coisa assim tipo Pacheco Pereira, mas ao volante. Os suecos, porque são um povo sério, não gostam destas reviravoltas político-rodoviárias (e, já agora, também nunca gramaram muito a música do Pachekko Pereirå). Por isso, fizeram o que sempre fazem os suecos quando não gostam das coisas: fecham-se em casa. Uns fazem Scener ur ett äktenskap, isto é, cenas da vida conjugal (na altura, filmadas nuns fantásticos Super 8, muito disputados entre os povos mediterrânicos e demais PIG's), outros visionaram o Hylands Hörna. Foi um estrondo. Como é evidente, os executivos da EMI ficaram em pânico, a ver que a Frida lhes escapava atrás de melhor contrato. Na manhã seguinte, foram de Estocolmo até Eskilstuna, que não parece mas ainda fica longe. Eskilstuna, cujo prato típico é esquilo com atum, era, naquele tempo, e como o nome o indica, a capital mundial das tunas, até esta idiotia bêbada se mudar para a Alameda da Cidade Universitária, em Lisboa. Aí, em Eskilstuna, vivia Frida, com a avó. Foi lá que irromperam os executivos da EMI com um contrato na mão, tendo regressado a Estocolmo com a assinatura do punho de Frida (a avó era costureira).



Pachekko Pereirå


      A partir daí, Frida teve uma carreira fraquita. Em 1969, participou no Melodifestivalen, que é o Festival da Canção/Melodias da Suécia, onde se selecciona a música que a Suécia leva depois ao Festival da Eurovisão. A letra não ajudava, bastando referir o título da canção: Härlig är vår jord («Não ligues ao javardo», em português). Ficou em quarto lugar. Isto, em palco. Já nos bastidores, conheceu o compositor Benny Andersson, com quem viria a casar mais tarde. É preciso dizer também que Frida já era amiga de  Agneta Fältskog, que em alguns países é conhecida mais vulgarmente por «Anna». Agneta tinha sido telefonista num stand de automóveis, mas entretanto singrara no mundo fantástico da música sueca, sobretudo com a popularíssima canção Jag var så kär (os mais alarves traduziriam por «Eu Vendo Este Carro» ou «Eu Quero é Sacar», quando na verdade o título é «Eu Estava Tão Apaixonada», sendo a música composta por Agneta após romper o namoro com um moço chamado Björn Lilja, apelido que não ajuda ninguém a manter uma relação estável). O percurso de Agneta foi um pouco mais acidentado do que o de Frida, pois chegou a estar noiva de um compositor e produtor musical alemão, foi com ele para a Alemanha, onde se deu mal, quebrou o noivado e regressou à Suécia (de onde saíra depois de ser acusada de se estar a aproveitar da situação dos ciganos, sempre uns coitadinhos, com a música Zigenarvän, que traduzido dá «Amigo Cigano» e conta a história de uma rapariga que vai a um casamento cigano, daqueles de três dias, e se apaixona pelo irmão do noivo, que é cigano). O regresso da Agneta à Suécia também apresenta bom material, como o facto de ter feito o papel de Maria Madalena no Jesus Christ Superstar.

          A gente lê isto e pensa logo em tempos muito antigos. Ficai a saber que tudo isto se passou corria o 1972, ano em que Eládio Clímaco entrou na RTP, um marco fundamental na história da civilização azteca. Já antes de 1972 – ou seja, em tempos bastante pré-colombianos – Agneta tinha conhecido outro Björn, mas este de apelido Ulvaeus, com quem casou em 1971.

          Frida era amiga de Agneta que casou com Björn Ulvaeus, mas nesse tempo já namorava com Benny Andersson que nesse mesmo ano de 1971 lhe produzira um álbum, que tinha um imaginativo título: Frida. Os quatro juntaram-se todos num grupo chamado ABBA, que durou apenas uma década de 1972 a 1982, ou seja, que não sobreviveu, nem por sombras, à permanência de Eládio Clímaco na Rádio Televisão Portuguesa.





         
Enquanto os ABBA estavam no auge da fama, o filho do sargento alemão, um adolescente chamado Peter Hasse folheava a única revista do mundo com nome de esfregona e com coragem de mostrar na capa os Modern Talking. Ao ler a portentosa Bravo, Peter viu uma reportagem sobre os ABBA em que dizia que Frida era filha de Alfred, portanto, do seu pai. Ele era, portanto, meio-irmão de Frida. Como é evidente, o miúdo foi ao escritório tirar teimas junto do pai, perguntando-lhe se, por acaso, teria estado na região de Balangen enquanto os nazis escavacavam aquilo tudo, fiordes e tudo. O pai Alfred não pôde negar e passados meses ocorria o reagrupamento com a filha Frida, que o julgava morto e afundado há várias décadas. O encontro teve lugar na capital da Suécia (Estocolmo) e no ano de 1977, ou seja, numa altura da História em que Eládio Clímaco não só estava na RTP como já tinha apresentado, em 1976, um Festival da Canção (os Jogos Sem Fronteiras só veriam a luz do dia mais tarde, em 1979, ainda em vida dos ABBA).


Frida e o Pai


          Os ABBA acabariam por se dissolver, civilizadamente, assim como os casamentos dos dois pares que formavam a banda. Bem, Frida e Benny não foram sempre casados, viviam juntos (casariam uma temporada, de 1978 a 1981). Frida casara aos 16 anos com esse ranhoso do Ragnar Frederiksson, de quem teve dois filhos, tendo-se divorciado aos 23 anos. Só obteve a guarda dos filhos (dois) quando a carreira dos ABBA estava consolidada. Benny, de seu lado, casara depois de ser pai de um filho Peter, após um encontro sexual que teve aos 16 anos com Christina Grönvall (está assim dito na Wikipedia, juro). Benny reincidiu com Christina, daí resultando uma filha, Hélene. Divorciaram-se em 1966, ano glorioso.

          O que alguns não sabem é que, entre várias outras parecenças, existe um traço comum a Anni-Frid «Frida» Lyngstad e Lili Caneças: ambas pertencem à alta realeza europeia. Eládio Clímaco também pertence, mas por via do ramo Ramsés II. Frida casou em 1992 com o príncipe soberano Heinrich Ruzzo Reuss de Plauen, pelo que, além do Festival da Eurovisão, a rapariga de Bjørkåsen conquistou o direito a usar o título de Sua Alteza Sereníssima Anni-Frid Synni Reuss de Plauen. Entrementes, e como não gravava um disco ia para 12 anos, perpetrou um álbum todo em língua sueca, o Djupa andetag, trabalho de 1996 cuja tradução para português seria sempre, mas sempre, muito brejeira, até mesmo ordinarota e quimbarreirona. Nem tudo, contudo, foi um conto de fadas: a filha Lise-Lotte morreu em 1998 num acidente de automóvel nos Estados Unidos e o príncipe faleceu de cancro logo no ano seguinte. Fechado este parêntesis mais negro, refira-se que o príncipe Heinrich Ruzzo era um príncipe alemão, conde de Plauen, da muito antiga Casa Reuss (à Rua dos Fanqueiros). A Casa Reuss possui mais de 800 anos, tendo sido fundada pelo tio-avô paterno de Eládio VII, o Clímaco. 



(falecido a 1 de Janeiro de 1470)
32º Grão-Mestre da Ordem Teutónica, aqui em roupagens ABBA



          Portanto, Frida é princesa de um país onde o seu pai fora sargento e, nessa qualidade, estivera na Noruega, daí fugindo antes dela nascer, mas já a tendo concebido. Ela fugiu da Noruega para evitar perseguições por ser filha de um militar da Alemanha, país do qual viria a ser Alteza, e Sereníssima. Ao que parece, o encontro de 1977 correu emotivamente, mas a filha Frida e o pai Alfred nunca mantiveram relações de proximidade (Alfred escreveu uma importante carta à Bravo, aqui em português). Eis, assim, uma rapariga que nasce no Norte da Noruega, filha de pai alemão que julgava morto, vai para a Suécia com a avó, fica órfã de mãe aos dois anos, casa aos 16 e divorcia-se aos 23, sendo uma estrela da música sueca e depois mundial, acabando por ser tratada como Sua Alteza Sereníssima apesar de ser neta de uma costureira e cantar músicas que não eram propriamente serenas. Os vestidos dos ABBA, esses sim, sempre foram principescos. A vida muda num segundo, não é? E esta é uma biografia improvável de acontecer, quase tão improvável como eu a escrever. Fi-lo apenas por um motivo provável: amo os ABBA. E, claro, alimento há anos uma paixão assolapada, mas não correspondida, por Eládio Clímaco, que, não desfazendo, também é um príncipe. Do Egipto.  
António Araújo 
   

4 comentários:

  1. Texto e história fab, absolutamente fab :-) !!!

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  2. Mamma Mia! Não sabia nada disto. A vida desta gente dava um bom filme, espero que o Manoel de Oliveira lhe deite a mão e que seja um candidato a vencedor de Oscar para melhor filme estrangeiro.

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  3. Espero que o Manel de oliveira NÃO lhe deite a não. Cá por coisas.
    E não, não sou um robô, sou o robocop.

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  4. Só mesmo tu António! Fabuloso! Eu sei que soa mal dizer, mas eu gosto dos ABBA...

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