Marie-Laetitia de Solms (1831-1902)
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É sobejamente conhecido o célebre livro
da princesa Rattazzi, Le Portugal à vol d’oiseau
– Le Portugal et les Portugais, saído em Paris em 1879 e com um profundo e
polémico impacto no nosso país. A melhor edição dessa obra, com introdução e
notas de José M. Justo, foi publicada entre nós em 1997, pela Antígona, sendo
dela que se publica este brevíssimo trecho:
Em
testemunho da boa e leal verdade deve fazer-se justiça aos habitantes de
Lisboa: o que entre eles há de mais notável não é à sua indústria que o devem,
é à natureza que se deleitou em benevolências, que tudo lhes concedeu, entre
outras coisas uma admirável, o Tejo, e depois de os acariciar como filhos
mimosos da fortuna, recolheu-se ao silêncio do descanso para ver e observar o
que eles fariam desses dons privilegiados. Sim, o Tejo é verdadeiramente belo e
eu admiro-o com toda a sinceridade da minha alma: não porque o rio possua, como
afirmam as liras hiperbólicas dos poetas, ou como talvez possuísse em tempos
pré-históricos, as famosas margens floridas, habitualmente cantadas em odes
laudatórias; ou ainda porque enrola e desenrola as suas águas puras e
transparentes em que se espelha, orgulhoso, o céu azul; mas porque é grande,
desafogado, aformoseado de amplos e luminosos horizontes e abriga um dos mais
esplêndidos ancoradouros do mundo.
Subir o Tejo, desde a barra até Lisboa,
é um dos espectáculos que valem bem toda uma viagem. É simplesmente
maravilhoso! Deixando-se o mar, e salva essa passagem que é a entrada na barra, manobra laboriosa para
as embarcações de grande lote em consequência da acumulação e deslocação
quotidiana das areias, seguimos rio acima. As margens estreitam-se, a massa de
água contém-se sensivelmente num leito de menores proporções, entre a torre de
Belém e o Lazareto; depois, conservando sempre na distância de algumas centenas
de metros uma largura média, desenvolve-se e dilata-se novamente no centro da
própria Lisboa, entre o Arsenal da marinha, na margem direita, e o Barreiro e a
Aldeia Galega, na margem esquerda, numa extensão superior a três léguas;
ostentando a mais admirável bacia onde quotidianamente dão fundo centenares de
navios, e onde todas as armadas e frotas do universo estariam perfeitamente, comodamente,
podendo manobrar à vontade sem perigo de abalroamentos.
Não há espectáculo mais grandioso nem
gozo superior ao de aportar a Lisboa, vindo do Alentejo, embarcando no
Barreiro, e cortar o Tejo na sua maior amplidão. A cidade abre-se então como um
leque aos olhos deslumbrados do touriste,
com os seus milhares de casas disseminadas na espalda das colinas e nas cumeadas
dos montes.
(…)
Lisboa, com os passeios e calcetamentos
angulosos, afigura-se-nos um alegrete de cardos e azevinhos simetricamente
guarnecido de buxo. Dir-se-ia que houve um prazer especial em reunir todas as
pedras pontiagudas ou chanfradas que se encontraram no país para adrede as
semear sob os pés dos transeuntes. Alguém me disse: «Quando deixaremos de caminhar
sobre escórias de bronze? Onde diabo iria a câmara municipal buscar estes
engenhos de tortura e destruição? Não há razão para nos admirarmos que os pés
femininos sejam aqui verdadeiros pés de estátuas!»
Afinal, tudo isto condiz perfeitamente
com os estendais de camisas, calças, cobertas de cama, cobertores esfarrapados,
saias e outras variedades de trapos pendurados sobre as nossas cabeças na maior
parte das ruas, balouçando-se nas janelas ao sabor da viração.
Muitas ruas, porém, constituem excepção
e não oferecem aos transeuntes esses picarescos aspectos. Algumas são
verdadeiramente notáveis. Infelizmente, figuram em minoria e como que parecem
perdidas no labirinto.
Os monumentos, as praças públicas, os
passeios correspondem ao resto. A cada passo se nos deparam belezas dignas de
menção e quase todas devidas à munificência da natureza.
Os monumentos não abundam em Lisboa e
aos estrangeiros que, desembarcando, pedem para os ver, faz-se ouvidos de mercador.
Maria
Rattazzi
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