Estas
não são propriamente memórias perdidas,
uma vez que o livro ainda se encontra à venda. Comprei-o em Seia, há alguns
meses, e, apesar do preço um pouco elevado, vale a pena reter as Memórias de um Deputado da Província na
Assembleia da República, de Alexandre Monteiro.
O
autor nasceu em 1941, quando os pais se deslocaram em negócios da cidade do
Porto, de onde eram naturais, à aldeia de S. Francisco de Assis, no concelho da
Covilhã. Por pouco, Alexandre não nascia no comboio, acabando por ver a luz no
interior do país, onde deixou raízes que constantemente evoca nestas Memórias. Pouco depois do nascimento, a
família foi viver para a aldeia de Menoita, concelho da Guarda, sendo esta a
cidade que, na presente autobiografia, o autor considera como sua terra natal.
Segundo diz, pela Guarda lutou arduamente, em vários momentos da sua vida,
especialmente quando foi deputado ao Parlamento da República.
Militante
social-democrata desde a primeira hora, Alexandre Monteiro conta como, em Maio
de 1974, um grupo de amigos, que habitualmente se reunia no Café Monteve,
escutou com atenção e fervor as palavras de Sá Carneiro, Pinto Balsemão e
Magalhães Mota. Depois de ouvirem, quiseram saber mais. O dr, Afonso Paiva,
ilustre médico da Guarda e amigo de Mota Pinto, enviou-lhes alguma
documentação. Lidos os textos, marcaram uma reunião com o dr. Lacerda, juiz do
Tribunal da Guarda, «que lhes explicou os princípios da social democracia».
Assimilada
a doutrina, iniciaram-se as reuniões. Entre cervejas e presunto, na cave da
loja do sr, Matos e na casa do dr. Pilão. Em Junho, o engenheiro Fernando Oliveira
trouxe as fichas de inscrição. Vários nomes assinaram, em memorável encontro
tido na quinta do Pisão, Guilhafonso, propriedade do sr. Alberto Pereira de
Matos. Dos convocados para o meeting,
um não quis assinar e outro não foi aceite, por razões que Alexandre Monteiro
prudente e elegantemente omite.
Encontraram
sede, os sr. Matos forneceu a secretária, o sr. Tracana a máquina de escrever.
Tudo em segunda mão, claro está. De seguida, sessões de esclarecimento, animação
da população, com o primeiro grande comício a ter lugar em Janeiro de 1975, no
Cine Teatro (da Guarda). Alguns elementos do MRPP tentaram boicotar o comício
fundador, sem êxito. Pois até o padre Umbelino correu com os agitadores
maoístas, correndo-os a soco pelas escadas abaixo do Cine Teatro!
No
ano quentíssimo de 1975 houve grande agitação por terras guardenses, com o sr.
Armando Marques a pedir a um amigo que lhe colocasse documentos num lugar
seguro, e o sr. Gaspar a esconder papelada no interior de um fardo de lã, na
fábrica de lanifícios do Sr, Abel Pilão (já citado). Corria o rumor de que um
camião carregado de armas iria dar entrada por Vilar Formoso, às ordens do
governo franquista. Sete indomáveis (quatro de Viseu, três da Guarda) foram a
Espanha, falar directamente com Franco. Dois deles seriam recebidos pelo
Generalíssimo, a quem contaram do perigo de Portugal ser subjugado pelos
comunistas. Quanto à história do camião de Vilar Formoso, leia-se o livro de
Alexandre Monteiro, que vale a pena.
É
um retrato curioso, delicioso, naturalmente parcial e engagé,
das lutas políticas e sindicais travadas a seguir ao 25 de Abril e nos anos
subsequentes. Sá Carneiro é evocado, como também seria de esperar, referindo o
autor que um dia, em Agosto de 1975, viu o líder do PPD, na companhia da sua
secretária Conceição Monteiro, a veranear na Ilha de Faro. Alexandre Monteiro,
que passava férias por ali, junto com a sua esposa, Maria Auxiliadora, e um
casal amigo (o sr. Castro Lopes e D. Mariazinha), não perdeu a ocasião soberana
de cumprimentar Sá Carneiro, que agradeceu o gesto.
O
livro é recheado de histórias deste género (recorda-se, por exemplo, a falsa ameaça
de tsunami, em 23 de Agosto de 1999,
que surpreendeu o autor em Armação de Pêra, onde habitualmente passa o período
estival). Além de histórias, fotografias extraordinárias na sua vulgaridade;
instantâneos da passagem pela Guarda de grandes nomes do partido, de Mota Pinto
a Cavaco Silva.
Enfim,
o Parlamento. Talvez a parte menos apelativa destas Memórias, com transcrição de documentos daquele que, para os
maldosos, é uma versão aggiornata de
Calisto Elói. Talvez seja, pouco importa. O que interessa é que viveu a sua
vida, d’antes quebrar que torcer, amigo do seu amigo. Teve dois filhos, foi
operário da Renault e deputado da República. Em 1985, fundou os TSD no distrito
da Guarda, sendo seu presidente durante 24 anos. Hoje está aposentado, escrevendo
estas memórias, que dedica à família, e onde no pórtico agradece, entre outros,
a Michael Pinto Rita (da Pastelaria Rossio), a José Gralha (da Soviauto), a
Delfim Augusto Pereira Gomes (da Moderna Jolalharia), a António Rocha (da Churrasqueira
/ Take Away / Servipronto), à Casa China de Egichina - Comércio de Artigos
Chineses, Lda., a Manuel Carvalho (do restaurante O Mondego) e à Garrafeira A
Botelha.
O
livro foi escrito numa mesa da Pastelaria Rossio, propriedade do sr. Michael
Pinto Rita. Uma fotografia mostra o autor a redigir estas memórias, de onde não
falta, cúmulo da delicadeza, um agradecimento a Isabel Cristão, «de sorriso
alegre e fácil nos lábios», empregada daquela distinta pastelaria do centro da
Guarda. É nesse estabelecimento que se aloja uma tertúlia que fala de tudo –
política, futebol, caça – e todos os meses janta ou almoça na quinta Vale de
Lobos, na Vela, concelho da Guarda, propriedade do dr. Alípio Gomes Filipe.
Cozinham o repasto o dr. Soares Gomes e o prof. João Gonçalves. A ementa oscila
entre a canja de perdiz, o arroz de tordos, o faisão no forno com ameixas, a
caldeirada de cabrito à angolana ou uma feijoada de búzios, tudo acompanhado de
vinho tinto e do «incontornável queijo da serra». Para animar os convivas,
apresenta-se à viola o juiz desembargador dr. João Inácio. E, todos juntos,
cantam o fado.
Não li tudo, mas não sera antes o café Monteneve ?
ResponderEliminarBoas
Vou tentar ver, creio que o nome que o autor indica é estre...
EliminarAbraço cordial
António Araújo
Gente feliz.
ResponderEliminarVive-se bem na Guarda. Faisão com ameixas. Que sibaritas.
ResponderEliminar