Sobre Mário Soares já
tudo (e de mais, creio eu) foi dito e eu até deveria ter o bom senso de não
acrescentar mais nada. Neste momento, ele está no Olimpo (segundo alguns) ou no
Inferno (segundo outros). Entretanto, o Jornal, de Fall River,
assediou-me quando eu estava na Colômbia com perguntas sobre a vinda dele para
um doutoramento honoris causa na Brown (em 1987) e a pedir estórias dos meus
encontros com ele.
Contei pouco porque de
outro modo pareceria estar eu a armar aos cágados. E fiz questão de dizer que
não tive nem mérito nem culpa nesse doutoramento concedido pela Brown. O
promotor foi o Senador Clairbone Pell, de Rhode Island, ao tempo uma das
venerandas figuras do Senado, que tinha um fraquito por Portugal desde os
tempos em que o pai fora Ministro dos EUA em Portugal (como antigamente se
chamava o embaixador dos EUA). Na altura, Pell era membro da Brown Corporation,
o organismo máximo que rege os destinos da universidade.
Acrescentarei então
apenas duas ou três coisas:
Mário Soares deixou a
segurança americana (o país anfitrião é que é responsável pela segurança de
entidades estrangeiras) completamente desorientada. Ele esquivava-se-lhes
constantemente para ir para aqui e para ali. Ao terceiro dia desistiram de todo
ao aperceberem-se de que ele não incorria em qualquer perigo e até gostava
deveras de misturar-se com as pessoas (emigrantes, já que não falava inglês) com
quem se cruzava e ninguém parecia ameaçá-lo.
Num domingo, numa noite
dessas ainda ocasionalmente frígidas de Maio, terminado o jantar na Casa do
Reitor da Universidade, Mário Soares regressou à Gardner House, uma mimosa
residência do século XVIII onde costumam ficar os VIP's. A caminhada até lá não
era longa, todavia deu para Mário Soares tiritar de frio. Chegado à residência,
pediu wiskey para aquecer. Ora whiskey na Gardner House é água no
Sahara. Era imperativo desenrascar-me.
O problema era ser domingo e a lei seca,
em vigor na altura em Rhode Island, não permitir a venda de bebidas alcoólicas nas
lojas. Como desenrascar a situação? Lembrei-me de ir ao Andréas, um restaurante
grego com um dono amigo de há muitos anos. Expliquei-lhe a situação e
perguntei-lhe se não me vendia uma garrafa. Vender? Agarrou em duas e
pôs-me a andar com um grande abraço grego para o Senhor Presidente de Portugal.
Onésimo Teotónio de Almeida
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