sábado, 14 de janeiro de 2017

Memória de Soares.

 
 
 
 
 
 
 
Sobre Mário Soares já tudo (e de mais, creio eu) foi dito e eu até deveria ter o bom senso de não acrescentar mais nada. Neste momento, ele está no Olimpo (segundo alguns) ou no Inferno (segundo outros). Entretanto, o Jornal, de Fall River, assediou-me quando eu estava na Colômbia com perguntas sobre a vinda dele para um doutoramento honoris causa na Brown (em 1987) e a pedir estórias dos meus encontros com ele.
 
Contei pouco porque de outro modo pareceria estar eu a armar aos cágados. E fiz questão de dizer que não tive nem mérito nem culpa nesse doutoramento concedido pela Brown. O promotor foi o Senador Clairbone Pell, de Rhode Island, ao tempo uma das venerandas figuras do Senado, que tinha um fraquito por Portugal desde os tempos em que o pai fora Ministro dos EUA em Portugal (como antigamente se chamava o embaixador dos EUA). Na altura, Pell era membro da Brown Corporation, o organismo máximo que rege os destinos da universidade.
 
Acrescentarei então apenas duas ou três coisas:
 
Mário Soares deixou a segurança americana (o país anfitrião é que é responsável pela segurança de entidades estrangeiras) completamente desorientada. Ele esquivava-se-lhes constantemente para ir para aqui e para ali. Ao terceiro dia desistiram de todo ao aperceberem-se de que ele não incorria em qualquer perigo e até gostava deveras de misturar-se com as pessoas (emigrantes, já que não falava inglês) com quem se cruzava e ninguém parecia ameaçá-lo.
 
Num domingo, numa noite dessas ainda ocasionalmente frígidas de Maio, terminado o jantar na Casa do Reitor da Universidade, Mário Soares regressou à Gardner House, uma mimosa residência do século XVIII onde costumam ficar os VIP's. A caminhada até lá não era longa, todavia deu para Mário Soares tiritar de frio. Chegado à residência, pediu wiskey para aquecer. Ora whiskey na Gardner House é água no Sahara. Era imperativo desenrascar-me.
 
O problema era ser domingo e a lei seca, em vigor na altura em Rhode Island, não permitir a venda de bebidas alcoólicas nas lojas. Como desenrascar a situação? Lembrei-me de ir ao Andréas, um restaurante grego com um dono amigo de há muitos anos. Expliquei-lhe a situação e perguntei-lhe se não me vendia uma garrafa. Vender? Agarrou em duas e pôs-me a andar com um grande abraço grego para o Senhor Presidente de Portugal.
 
Onésimo Teotónio de Almeida

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