15.
Algumas
análises do trabalho de Katsushika Hokusai, como a que é empreendida por Olaf
Mextorf em Hokusai (Könemann, 2017),
sublinham a existência de várias fases numa obra que se desenvolveu ao longo
de várias décadas.
Assim,
distingue-se o período Shunrō, de 1779 a 1794, o período Sōri, de 1794 a 1798,
o período Hokusai, de 1798 a 1810, o período Taito, de 1810 a 1820, o período
Iitsu, de 1820 a 1834, e, no final, o período Gakyō rōjin Manji, de 1834 a 1849.
As
ondas – marítimas, fluviais, lacustres – estão presentes em todas as etapas da
trajectória artística de Hokusai.
Muitas
aproximações à Grande Onda começam
por escrutinar o modo como Hokusai representava as ondas, ou como foi evoluindo
essa representação na sua obra.
O
catálogo do Museu Britânico tem 743 entradas referentes a Katsushika Hokusai,
mas nem todas possuem imagens disponíveis online.
Procedeu-se
a uma selecção de alguns exemplos mais significativos, com base exclusivamente
na colecção do Museu Britânico, ou seja, não contemplando outras obras onde a
presença das ondas é marcante, com destaque para Vista de Honmoku ao largo de Kanagawa, de 1803, e Kaijo no Fuji, no segundo volume de Cem Vistas do Monte Fuji, de 1834.
Vista de Honmoku ao largo de Kanagawa,1803
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Versão colorida de Kaijo no Fuji
Cem Vistas do Monte Fuji, 2ª volume, 1834
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Mais
do que um inventário exaustivo, este itinerário não cronológico por 18 imagens permite
entrever semelhanças – e dissemelhanças – com A Grande Onda.
No
entanto, e talvez mais interessante do que explorar o modo como Katsushika
Hokusai desenhava as ondas será ver a forma como a terra se confunde com o mar;
em termos simples, as ondas terrestres.
Na
série Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji,
onde se inscreve A Grande Onda, encontra-se
uma xilogravura da qual existem duas impressões, uma com as rochas esverdeadas (descrição aqui),
outra inteiramente feita a azul da Prússia (descrição aqui). Tem a assinatura «Do pincel de Ilitsu,
o antigo Hokusai» (Saki no Hokusai Litsu
hitsu, 前北斎為一筆).
A paisagem representa Kajikazaw, na província de Kai, e a gravura foi impressa
no início da década de 1830.
Da série Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji
Museu Britânico, 1907, 0322, 0.3
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Da série Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji
Museu Britânico, 1937, 0710, 0.162
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As afinidades com A Grande Onda são flagrantes.
Primavera em Enoshima, 1797
Museu Britânico, 1937, 0710, 0.206
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É
comum apresentar-se como antecedente de A
Grande Onda a representação do mar em Primavera
em Enoshima (Enoshima Shumbo, 江ノ島春望), xilogravura de 1797 assinada «desenhada por Hokusai Sori» (Hokusai Sori ga, 北斎宗理画), integrada no livro Yanagi no ito (descrição aqui).
xilogravura sem título
Museu Britânico, 1907, 0531, 0.158
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Atente-se no mar serpenteante e naquilo que parece ser, não o sendo, espuma que se acumula aos pés da figura feminina – ou de actores em papéis femininos (onnagata) – presente nesta xilogravura sem título de finais de 1770 a princípios de 1790, correspondendo à primeira fase da carreira de Hokusai, o período Shunrō (1779 a 1794). A inscrição no lado esquerdo da imagem diz precisamente «desenhado por Shunro» (Shunro ga, 春郎画) (descrição aqui).
Um
dos tópicos mais interessantes desta xilogravura consiste precisamente na
indistinção entre terra e mar, um elemento sincrético também marcante em A Grande Onda. O rochedo é envolto pelas
ondas a ponto de se confundir com elas, sensação que se adensa pela continuidade
das elevações rochosas de ambos os lados da figura feminina e, bem assim, pelos
pontos negros que salpicam a parte inferior da paisagem, os quais tanto podem
ser solo firme como salpicos salgados de um mar bravio.
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