domingo, 18 de fevereiro de 2018

Notas sobre A Grande Onda - 8

 

 
8.
 
         É um lugar-comum dizer-se que o Japão e a voga do japonisme marcaram profundamente a vida cultural francesa, e não só, de finais do século XIX e princípios do século XX, ao ponto de, em Outubro de 1979, ao falar em Paris na sessão de encerramento do colóquio «Les études japonais en France», Claude Lévi-Strauss ter aludido, e justamente a propósito das estampas nipónicas, às «banalidades a respeito dos Goncourt e dos impressionistas», numa referência ao interesse de Edmond de Goncourt e de Claude Monet, entre outros, pela arte dos «mundos flutuantes» e, em particular, de Hokusai (cf. Claude Lévi-Strauss, A Outra Face da Lua. Escritos sobre o Japão, tradução portuguesa, Temas e Debates-Círculo de Leitores, pág. 85).
 
         Na Biblioteca Nacional de França existe um exemplar de A Grande Onda, podendo até percorrer-se o álbum completo Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji, disponibilizado em formato digital. Existe edição em formato papel, promovida por Jocelyn Bouquillard (Hokusai. Les trente-six vues du Mont Fuji, Éditions du Seuil-Bibliothèque Nationale de France).
 
         O exemplar existente na Biblioteca Nacional de França, descrito aqui, foi adquirido em 1888 (ou seja, antes dos existentes no Museu Britânico e no Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque) e proveio da colecção de Samuel Bing (aqui e aqui), comerciante de arte, crítico e mecenas francês de origem alemã, nascido em Hamburgo em 1838 e falecido em Vaucresson em 1905. Sendo um dos principais difusores do japonisme, Bing editou uma revista, Le Japon artistique. Document d’art et d’industrie, lida por Gustav Klimt, entre outros, e da qual foram publicados 35 números entre 1888 e 1891, tendo por director Charles Gillot (1853-1903).
 
         A multiplicidade de nomes é um dos muitos mistérios da xilogravura de Hokusai.
 
A Biblioteca Nacional de França refere cinco designações em francês: L'arc de la vague au large de Kanagawa; La grande vague; Sous la grande vague au large de Kanagawa; Sous la vague, au large de Kanagawa; La vague.  
 
         A xilogravura da Biblioteca Nacional de França, à semelhança das demais, tem uma dimensão 26,3 x 38,8 cm e encontra-se impressa em papel de amoreira, formato ōban yokoe.
 
         Neste exemplar, e também à semelhança do que ocorre na generalidade das estampas conhecidas de A Grande Onda, existem falhas de impressão, lacunas, como a flagrante interrupção do contorno da onda situada no lado direito da imagem.
 





       Curiosamente, nas reproduções disponibilizadas na Internet da xilogravura da Biblioteca Nacional de França existem claras discrepâncias quanto ao brilho da imagem, tudo indiciando que a mais fiel ao original é a menos brilhante, em tons esmaecidos, onde se esfumou o perfil da nuvem no horizonte sujo.  
 

 

 
 
 
         A gravura de Hokusai, produzida em massa para o grande público, numa impressão de baixo custo, não utilizava o papel hōsho (ou «Japão imperial»), mas com o passar dos anos, ou mesmo desde a sua génese, não denotava qualquer atracção pelo brilho, já que, como escreveu Junichirō Tanizaki em Elogio da Sombra, «observar um objecto reluzente transmite-nos um certo mal-estar», acrescentando, sobre os japoneses : «não é que tenhamos uma reserva a priori relativamente a tudo o que brilha, mas, a um brilho superficial e gelado, preferimos sempre os reflexos profundos, um pouco velados». Diz ainda Tanizaki que «os raios luminosos parecem ressaltar na superfície do papel do Ocidente, enquanto a do hōsho ou do papel da Chin,a semelhante à superfície coberta de penugem da primeira neve, os absorve suavemente.»
 
         Neste sentido, a gravura esmaecida pelo «lustro da mão», na expressão chinesa, ou pela «usura», no dizer nipónico, é a que se aproxima mais da alma japonesa – se é que A Grande Onda se pode considerar sequer um reflexo da alma japonesa (aquilo a que Wenceslau de Moraes chamou o enigma moral  do povo japonês), ainda que pálido e sujo, delido pela usura do tempo.


 
 
 
 

3 comentários:

  1. A Biblioteca Nacional da França realizou, em 23 de Janeiro último, uma conferência sobre o tema "Hokusai à la rencontre de l'Occident: les peintures de la collection Sturler, BnF, Ms. Japonais 382". A Agenda da BnF, Janeiro-Março 2018, reproduz, junto ao anuncio da conferência (p. 14), a pintura da Escola de Hokusai "Retrato da esposa dum samurai". Será que a coleção Sturler não possui um exemplar de "A grande onda"?

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  2. Meu caro Rubem,

    creio que não, mas vou tentar saber um pouco mais.

    Pedia que visse esta notícia desenvolvida sobre a exposição na Casa da Cultura do Japão (Paris) que encerrou no passado dia 20 de Janeiro:

    https://ramentoiscpo.wordpress.com/2018/01/21/a-laube-du-japonisme-at-the-dawn-of-japonism/~

    Um abraço transatlântico, com a amizade de sempre,

    António

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    1. Obrigado António, já acessei o link. Como sempre, a delicadeza e a sensibilidade característicos da arte japonesa.

      Grande abraço amigo,

      Rubem

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