8.
É um lugar-comum dizer-se que o Japão e
a voga do japonisme marcaram
profundamente a vida cultural francesa, e não só, de finais do século XIX e
princípios do século XX, ao ponto de, em Outubro de 1979, ao falar em Paris na
sessão de encerramento do colóquio «Les études japonais en France», Claude
Lévi-Strauss ter aludido, e justamente a propósito das estampas nipónicas, às
«banalidades a respeito dos Goncourt e dos impressionistas», numa referência ao
interesse de Edmond de Goncourt e de Claude Monet, entre outros, pela arte dos
«mundos flutuantes» e, em particular, de Hokusai (cf. Claude Lévi-Strauss, A Outra Face da Lua. Escritos sobre o Japão,
tradução portuguesa, Temas e Debates-Círculo de Leitores, pág. 85).
Na Biblioteca Nacional de França existe
um exemplar de A Grande Onda, podendo
até percorrer-se o álbum completo Trinta
e Seis Vistas do Monte Fuji, disponibilizado em formato digital.
Existe edição em formato papel, promovida por Jocelyn Bouquillard (Hokusai. Les trente-six vues du Mont Fuji,
Éditions du Seuil-Bibliothèque Nationale de France).
O exemplar existente na Biblioteca
Nacional de França, descrito aqui,
foi adquirido em 1888 (ou seja, antes dos existentes no Museu Britânico e no
Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque) e proveio da colecção de Samuel Bing
(aqui e aqui), comerciante de arte,
crítico e mecenas francês de origem alemã, nascido em Hamburgo em 1838 e falecido
em Vaucresson em 1905. Sendo um dos principais difusores do japonisme, Bing editou uma revista, Le Japon artistique. Document d’art et d’industrie, lida por Gustav Klimt,
entre outros, e da qual foram publicados 35 números entre 1888 e 1891, tendo
por director Charles Gillot (1853-1903).
A multiplicidade de nomes é um dos
muitos mistérios da xilogravura de Hokusai.
A
Biblioteca Nacional de França refere cinco designações em francês: L'arc
de la vague au large de Kanagawa; La grande vague; Sous la grande vague au large de Kanagawa; Sous la vague,
au large de Kanagawa; La vague.
A xilogravura da Biblioteca Nacional de
França, à semelhança das demais, tem uma dimensão 26,3 x 38,8 cm e encontra-se
impressa em papel de amoreira, formato ōban yokoe.
Neste exemplar, e também à semelhança
do que ocorre na generalidade das estampas conhecidas de A Grande Onda, existem falhas de impressão, lacunas, como a
flagrante interrupção do contorno da onda situada no lado direito da imagem.
Curiosamente,
nas reproduções disponibilizadas na Internet da xilogravura da Biblioteca
Nacional de França existem claras discrepâncias quanto ao brilho da imagem,
tudo indiciando que a mais fiel ao original é a menos brilhante, em tons
esmaecidos, onde se esfumou o perfil da nuvem no horizonte sujo.
A gravura de Hokusai, produzida em
massa para o grande público, numa impressão de baixo custo, não utilizava o
papel hōsho (ou «Japão imperial»), mas com o passar dos
anos, ou mesmo desde a sua génese, não denotava qualquer atracção pelo brilho,
já que, como escreveu Junichirō Tanizaki em Elogio
da Sombra, «observar um objecto reluzente transmite-nos um certo
mal-estar», acrescentando, sobre os japoneses : «não é que tenhamos uma
reserva a priori relativamente a tudo
o que brilha, mas, a um brilho superficial e gelado, preferimos sempre os reflexos
profundos, um pouco velados». Diz ainda Tanizaki que «os raios luminosos
parecem ressaltar na superfície do papel do Ocidente, enquanto a do hōsho ou do papel da Chin,a semelhante à superfície
coberta de penugem da primeira neve, os absorve suavemente.»
Neste
sentido, a gravura esmaecida pelo «lustro da mão», na expressão chinesa, ou
pela «usura», no dizer nipónico, é a que se aproxima mais da alma japonesa – se
é que A Grande Onda se pode considerar
sequer um reflexo da alma japonesa (aquilo a que Wenceslau de Moraes chamou o enigma moral do povo japonês), ainda que pálido e sujo, delido pela usura do tempo.
A Biblioteca Nacional da França realizou, em 23 de Janeiro último, uma conferência sobre o tema "Hokusai à la rencontre de l'Occident: les peintures de la collection Sturler, BnF, Ms. Japonais 382". A Agenda da BnF, Janeiro-Março 2018, reproduz, junto ao anuncio da conferência (p. 14), a pintura da Escola de Hokusai "Retrato da esposa dum samurai". Será que a coleção Sturler não possui um exemplar de "A grande onda"?
ResponderEliminarMeu caro Rubem,
ResponderEliminarcreio que não, mas vou tentar saber um pouco mais.
Pedia que visse esta notícia desenvolvida sobre a exposição na Casa da Cultura do Japão (Paris) que encerrou no passado dia 20 de Janeiro:
https://ramentoiscpo.wordpress.com/2018/01/21/a-laube-du-japonisme-at-the-dawn-of-japonism/~
Um abraço transatlântico, com a amizade de sempre,
António
Obrigado António, já acessei o link. Como sempre, a delicadeza e a sensibilidade característicos da arte japonesa.
EliminarGrande abraço amigo,
Rubem