Senhor de Chimpanzé, de Júlio Verne, é
uma opereta um pouco pateta mas mais profunda do que parece. Já falei dela aqui, e o ponto que
interessa é, claro, o da interacção profunda entre humanos e animais. Na peça
de Verne, um homem disfarça-se de macaco para conquistar os favores da filha do
director do museu zoológico de Amesterdão e, previsivelmente, instala-se a
confusão entre o que é símio e o que o não é.
Consul Peter, 1909
|
Com Kafka as coisas são mais sérias,
óbvio. Todos conhecem a metamorfose de um ser humano e insecto, mas é menos sabido
que Kafka escreveu um conto intitulado «Um Relatório para a Academia», em que
um ex-macaco, entretanto evoluído para doutor, apresenta uma sábia comunicação
universitária sobre a sua vida pretérita como mono. A sombra de Darwin parece
evidente. Menos evidente é saber se Kafka se terá inspirado num macaco de feira
para criar o seu chimpanzé, de nome Pedro Vermelho. Um artigo recente do TLS
dedica-se a esmiuçar esta temática, sem chegar a grandes conclusões. Ainda
assim, fala-se abundantemente de um chimpanzé, Consul Peter,
a quem vestiram de humano (uma crueldade…) e que fez vários tours pela Europa, incluindo Praga. E não
é descabido pensar, dizem muitos, que este foi o inspirador de Kafka.
Pierre Brassau, 1964
|
Termina-se com outra história de outro
macaco Peter. «Pierre Brassau», assim se chamava o chimpanzé que, em 1964, serviu
para uma deliciosa partida de um jornalista de um tabloide sueco. O jornalista
convenceu o dono do macaco a dar-lhe tintas e pincéis, o bicho lá sarapintou a
tela e os seus quadros foram exibidos – e aplaudidos – como arte da maior
vanguarda. Um crítico afirmou, julgando tratar-se de um artista humano, que aquelas
pinturas revelavam um autor que «pintava com a delicadeza de um dançarino de
ballet». Uma brincadeira um pouco parva, talvez, mas ilustrativa dos nossos
preconceitos. Aqui fica ela, em dia de Carnaval.
Sem comentários:
Enviar um comentário