quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Diamonds are forever.

 
 
 
Deodatus (Roggenburg, Alemanha)
 
St Albertus (Baviera, Alemanha)
 
St Benedictus (Munique, Alemanha)
 
St Friedrich (abadia de Melk, Áustria)
 

St Getreu (Ursberg, Alemanha)

 
St Luciana (Baviera, Alemanha)
 
St Valentin (Bad Schusssenried, Alemanha)
 
St Valentinus (Waldsassen, Alemanha)
 
St Valerius (Weyan, Alemanha)
 
St Vincentus (Innsbruck, Áustria)


Dr. Paul Koudounaris


                           



Tenho uma amiga que é uma santa, ou para lá caminha. Gosta de nuvens e é tão devota, mas tão devota, que me passa os dias, as manhãs solares, a comprar pagelas nas Paulinas, à Baixa da capital. Já nem a podem ver entrar nas Paulinas, acreditem n’Isto! Compra pagelas como antigamente se compravam cromos da bola, já tem santos e santas para dar e trocar. E, como é generosa até mais não, deu-me esta notícia de um jornal de paróquia, O Guardião.

          Esta notícia remetia, por sua vez, para o trabalho de um rapaz muito giro, o Dr. Paul Koudounaris, que vive em Los Angeles e se doutorou na University of California Los Angeles, a reputadíssima UCLA, no Departamento de História de Arte. Admiro há muito este rapaz, não só porque é muito giro mas também porque faz uns livros cheios de fervor. Dele tenho um coffee table book, saído há dois anos, The Empireof Death. A Cultural History of Ossuaries and Charmel Houses. Aqui há atrasado, creio que no ano passado ou no anterior, a Mena (outra senhora piedosíssima), contou-me que tinha ido ver a Capela dos Ossos, a Évora. Em resposta, disse-lhe que havia alguns ossários daqueles, tão bons ou até em melhor, por essa Europa fora (dizem que na Hungria é com cada capela dos ossos que até faz vista e o Paulo está sempre, mas sempre, a falar-me do que viu em Itália, na cripta da Santa Maria della Concezione dei Capuccini). Recomendei à Mena, claro, o livro do Dr. Koudounaris, que ela mandou logo vir da Amazon. Depois contou a história dos ossários numa das suas crónicas semanais do Expresso 

          Agora, aqui há uns tempos recentes, o Dr. Koudounaris acaba de lançar novo livro, versando uma temática mais ou menos parecida. Heavenly Bodies trata de relíquias macabras, santos adornados pela opulência do barroco bávaro e austríaco (já na altura eram povos riquíssimos). No transacto mês de Junho, passei uma temporada ainda grande por aquelas terras, onde a cada esquina somos esmagados pelo esplendor das igrejas. Em todas elas, a figura da Morte, tópico obsessivo do drama barroco alemão. Deve existir alguma ligação, provavelmente remota, entre estas figurações da Morte e o nazismo. Não sei, parece-me. Pelo menos, as SS cultivavam muito as caveiras, com roupas Hugo Boss, como bem sabeis e até já deu polémica.

          A concluir, apenas um pensamento que me ocorreu mesmo agora: se repararmos bem, há alguma continuidade entre os santos com aquelas jóias todas, numa opulência espectacular e desmesurada, e os décors em que o Dr. Paul Koudounaris gosta de se fazer fotografar. O look do Dr. Koudounaris, doutorado pela Universidade da Califórnia e publicado pela prestigiada Thames & Hudson, remete muitíssimo para o look de St. Benedictus ou de St Friedrich (não traduzi os nomes para não meter água). Antigamente, colocavam jóias luzidias para brilhar e ofuscar os crentes, agora são piercings, animais empalhados, barbichas e chapéus altos. É óbvio que, para lá de uma eventual identificação algo insana com os seus objectos de estudos, o look do Dr. Koudouranis constitui um artifício de marketing, com aqueles cenários góticos e gore, carregadíssimos de material visual. Mas também não sucedia assim com os relicários barrocos, uma operação de marketing para dar nas vistas? Nada disto é, ou pretende ser, ofensivo para a religião ou para a devoção do povo, entendamo-nos bem. Quem vir esta reportagem, sobretudo as imagens, da «santa» de Arcozelo, vai compreender o poder de atracção destas figuras, outrora homens e mulheres santíssimos mas que agora já nem a pele trazem no corpo. Veja-se a quantidade de povo e de preces que atraem, mesmo quando são visualmente fraquitas, como acontece com a «santa» Maria Adelaide de Arcozelo (decididamente, não tinha uma boa dentição). A continuidade visual entre o St. Benedictus e o Dr. Koudounaris é que me intriga o espírito, confesso. O mundo é, e foi, um lugar estranho, Quanto ao mais, que não é pouco, a minha eterna gratidão à devota das pagelas, uma santa com S. grande.  
 
 
António Araújo
 
 
 
 
 
 
 


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