Quando
alguém se dispõe a escrever sobre roupa interior soviética, talvez deva
interrogar-se sobre o que anda a fazer nesta vida. Sobretudo, porque já houve
quem analisasse o assunto a fundo, e com muito mais propriedade e acerto. Desde
logo, no maravilhoso blogue Real USSR. Lifting the Iron Curtain.
Mas a matéria mereceu mais, justificou até douta investigação académica. A
doutora Olga Gurova
trabalha este tema há uns anos valentes e sobre ele até já publicou um livro em casto cirílico.
Segundo a aturada investigação da doutora Gurova, no domínio da roupa interior
soviética existiram três períodos históricos, todos muito materialistas e, se a
noite pintava, às vezes dialécticos. Assim, no sombrio tempo de Estaline
predominavam as cores escuras – preto, azul-marinho, etc. –, com o argumento
austero de que o escuro leva mais tempo a sujar e, logo, não tem de ser
cambiado todas as manhãs (a trousse
semanal afigura-se, portanto, como mais um dos crimes históricos do estalinismo,
mesmo que não denunciado por Krutschev no XX Congresso do PCUS); depois, com a abertura de
Nikita e aquelas liberalidades todas, a paleta de cores interiores alargou-se,
tornando-se a roupa íntima, e cito Gurova, uma forma de «expressão pessoal»; no
período apertado dos anos 70 e 80, as imposições sanitárias contra a obesidade
fizeram rarear os tamanhos XXL, dificultando a vida das matrioshkas mais avantajadas.
Este é, em síntese, o contributo epistemológico da doutora Gurova para uma
análise diacrónica da indumentária interior soviética, circa 1920-1989. Para Agosto deste ano, e em lugar do cirílico
casto, está anunciado, desta feita numa língua mais depravada, o inglês, novo volume da autora.
O livro da doutora Olga Gurova
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Ginástica matinal em underwear estalinista
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Em
tempos, escrevi aqui no Malomil sobre a portentosa Vera Mukhina e os seus copos, objecto de uma apropriação
selvática pela IKEA. Até o Harry Potter abusou da estatuária indefesa de Vera Mukhina,
havendo mesmo imagens de pastiches
capitalistas de O Operário e a Camponesa
em versão Mickey e Minnie. O mundo está desgraçado.
O Operário e a Camponesa
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No
preciso dia em que estava a pensar escrever estas linhas, um anjo trouxe-me uma
notícia surpreendente: a vodca faz mal à saúde.
Publicado na ultra-prestigiada revista
médica Lancet, um estudo veio dizer,
pasme-se, que os homens, com idades até aos 55 anos, que ingiram três ou mais
garrafas de meio litro de vodca por semana terão um risco de morte prematura
35% superior aos que se ficarem pela água gaseificada (isto da água é só um
suponhamos, ou seja, uma hipótese académica). Sir Richard Peto, o investigador
da Universidade de Oxford que conduziu este inquérito a mais de 151.000 russos,
concluiu que um homem das Rússias bebe, em média, 20 litros de vodca por ano,
enquanto os britânicos se ficam por uns abstémios três litros/ano de bebidas
fortes. Um quarto da população masculina da Rússia morre antes dos 55 anos, o
que é um número incrível, se comparado com os 7% dos habitantes do Reino Unido
e dos 1% dos Estados Unidos, país conhecido pelos seus hábitos alimentares
muito saudáveis e frugais. 25% da população masculina a morrer tão cedo é
matéria para preocupação. A Rússia tem uma esperança de vida masculina de 64
anos, sendo um dos 50 países do mundo onde essa esperança – a de vida masculina
– é mais baixa.
Nas
vésperas dos Jogos Olímpicos de Inverno, uma festa apoteótica para Vladimir
Putin, não deveríamos falar destas tristezas. Folheamos jornais e revistas: na
capa do L’Express, «Poutine
Superstar»; no interior, fala-se das Olimpíadas de Sochi, nas cartas que ao
mundo dá este antigo coronel do KGB, averbando pontos da Ucrânia à crise síria,
do caso Snowden à libertação de Mikhaïl Khodorkovski e das Pussy Riot. O The Economist, também na capa: «The
Triumph of Vladimir Putin». No Courier
International, sempre do contra, lembra-se que as Olimpíadas de Inverno
irão decorrer sob forte tensão, com os radicais islâmicos à espreita para fazer
das suas, como fizeram em Volgogrado. Para Putin, estes são os «seus» jogos, e bastante
olímpicos. Quanto, em 2007, o Comité Olímpico se reuniu na Guatemala, para
decidir quem organizaria os Jogos, Putin foi até lá, encabeçou a candidatura
russa com inflamados discursos em inglês e francês que decorou palavra a
palavra. A festa é dele, não a estraguemos.
Por
isso, esqueçamos os números da mortalidade masculina nas estepes etilizadas da
Mãe-Rússia. Façamos uma breve pausa para recordar outras estatísticas, mais
lúbricas e animadas. Quando, em 1968, estreou uma famosa comédia que tinha um vislumbre de
malandrice – para mais, bastante apatetada –, protagonizado pela bomba de
hidrogénio Svetlana Svetlichnaja, ainda hoje uma pantera, essa película foi vista por mais de 76
milhões de pessoas, isto só na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Sim, leram bem: 76 milhões de soviéticos intervalaram na vodca para assistir a
esta sem-vergonhaça:
Svetlana Svetlichnaja,
na cena mais ousada de toda a história da cinematografia soviética
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Svetlana Svetlichnaja,
mais recentemente
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Sendo a marotice carnal tão popular
entre os povos terrestres, sobretudo nos que têm pouca esperança de vida, não
se percebe o afã puritano de Vladimir Putin. Regressando à temática anterior
sobre roupa interior, não se compreende, de facto, o motivo pelo qual foi
confiscado, e à bruta, um quadro de Konstantin Altunin que retratava Putin e
Medvedev em trajes menores, femininos (aqui).
Foi um sarilho danado, passado em Setembro do ano transacto, com polícia e
tudo. Uma das pinturas mostrava Vitaly Milonov, o político grunho de São Petersburgo
que fez aprovar a legislação anti-homossexual naquela terra, a qual foi depois
convertida, pela mão de ferro de Putin, em lei vigente na Federação inteira.
Milonov entrou na galeria acompanhado da polícia e trouxeram para a esquadra o
quadro que o retratava pintado com um arco-íris em fundo. De caminho,
apreenderam o quadro de Putin e Medvedev em trajes menores, mais outros dois:
um, que satirizava o Patriarca Cirilo, de que já falámos aqui; outro, que tratava da deputada Yelena Mizulina, que na Duma tem sido uma das grandes aliadas do Kremlin na sua
cruzada homofóbica. O pintor, claro, fugiu para França (aqui).
Putin e Medvedev,
pintados por Konstantin Altunin
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Voltemos à vodca (ou vodka,
o efeito é igual). Quando estive na Rússia, os dias
começavam sempre com um pequeno-almoço com vodca e carnes frias. Cigarritos,
muitos, de preferência ocidentais, melhor ainda se fossem dos vistosos Dunhill.
Depois, nas conversas moscovitas, era inevitável vir à baila a história em que Estaline,
por distracção, aprovara dois projectos arquitectónicos diferentes para o mesmo
edifício. Como ninguém teve a ousadia de lhe dizer que se enganara, construíram
o mesmo edifício seguindo planos distintos, e o resultado final foi, digamos,
um pouco incoerente. A história parece não ser verdadeira, remetendo para o
imenso anedotário soviético. O que aconteceu foi, tão-só, que o projecto
inicial, de Olegr Stapran e Leonid Savelev, ao estilo construtivista, era avant-garde em excesso para o que se
pretendia: um paquiderme esmagador que emanasse força e poder, mais do que
dinamismo e criatividade. Além disso, haveria que ter atenção ao local, a dois
passos da circunspecta Praça Vermelha (onde hoje, no disputadíssimo nº 1, está
hoje um stand da Rolls-Royce). Portanto,
edificou-se outro projecto, num trabalho rápido, que durou um ano, mas decidiu-se
dar-lhe um acabamento mais clássico e convencional, talvez academizante em
excesso, mas enfim. Curiosamente, o Hotel Moscovo, de São Petersburgo, construído em 1977, tem notórias semelhanças com o projecto que havia sido concebido para a capital da URSS. Pelo menos, parece-me, ao que vejo aqui.
O projecto original, de Olegr Stapran e Leonid Savelev
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A maquete da obra de Shchusev
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Estamos no Hotel Moskva, cujo traço derradeiro se deve ao famoso Alexey Shchusev, sendo
inagurado em 1935 como um dos mais luxuosos hotéis moscovitas. O que parece
verdade, mas com várias dúvidas, é que, Shchusev submeteu à aprovação de
Estaline um desenho com dois esboços de torres para o hotel e aquele terá assinado
a folha a meio, equidistante, não tomando posição nem mais à esquerda nem mais à
direita. Daí a fachada apresentar dois corpos laterais bastante distintos, mas
ainda assim no mesmo estilo:
O Hotel Moskva, em duas perspectivas,
sendo claramente visíveis as diferenças (intencionais?) nos dois corpos laterais
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Sendo Shchusev
quem foi («apenas» o autor do Mausoléu de Lenine ou da sede da NKVD, na
Lubyannka, entre outras obras desse calibre), intriga-me que Katerina Clark lhe
dê tão pouco relevo. Apesar desta desatenção, e mais um ou outro pormenor, recomendo
muito o seu livro, Moscow. The Fourth Rome. Stalinism, Cosmopolitanism and the Evolution of Soviet Culture, 1931-1941.
Mas, insisto, se a inspiração de Roma soprou tão forte em Shchusev, como a
autora reconhece (p. 97), porque deu ela tão pouco relevo ao eclético
arquitecto? No livro inteiro fala-se de Shchusev três vezes, não mais, o que é uma injustiça
tremenda – e quem paga é a obra, que, nesse ponto, fica a perder para uma outra,
de Karl Schlögel, Moscow 1937. É
certo que o livro de Katerina Clark, na linha de outros trabalhos da autora, pretende
apresentar uma perspectiva cultural mais vasta e abrangente, não limitada ao
campo da arquitectura. Mas não pode referir, apenas en passant, que em 1937 Shchusev
foi ensarilhado num processo complicado e expulso da União dos
Arquitectos, sendo autorizado a regressar ao serviço apenas para fazer para os
acabamentos do Hotel Moskva.
Alexey Viktorovich Shchusev (1873-1949)
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O arquitecto, retratado por Mikhail Nesterov
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Para mais, ultrapassado aquele incidente
sancionatório, o autor ganharia depois quatro prémios Estaline, um dos quais a
título póstumo. Aliás, em Moscovo o Museu de Arquitectura Shchusev está pujante
e recomenda-se. Dentro de dias, irá abrir uma exposição sobre Souto de Moura. Já agora, e
sem carregar com mais citações, há um jovem que trabalha muito bem estas
matérias e tem um site muito
recomendável, The Charnel-House. Um bocadinho arrevesado na linguagem,
mas ali há labor e pesquisa. Chama-se Ross Wolfe, diz que vai publicar um livro
mas, entretanto, já abre mão de um longo texto, aqui.
Alexey Shchusev, Hotel em Sochi, 1928
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Para se ter
bem consciência da importância de Shchusev, refira-se que projectou em 1928 um
hotel em Sochi, obra que, segundo se diz, foi uma das fontes inspiradoras do
celebérrimo Paimio Sanatorium, de Alvar Aalto, classificado pela UNESCO. Sochi
vai ser a anfitriã das Olimpíadas de Inverno. Começa agora. Uns irão ser
faiscados pela propaganda official, outros verão os desportos de neve no
pequeno écran. Mas se há coisa que recomendo – e esta recomendo mesmo – é conhecerem a verdadeira Sochi,
tal como vem sendo estudada por Rob Hornstra e Arnold van Bruggen desde 2009. The Sochi Project até já deu livro. As
fotografias do holandês Rob Hornstra falam mais do que qualquer propaganda. Tem um
livro espantoso, chamado The Secret History of Khava Gaisanova, o retrato vivo de uma mulher do Cáucaso
setentrional cujo marido desaparece, como é frequente acontecer numa região
fértil em raptos e homicídios. Em breve, vou falar de novo de Hornstra, sem
dúvida. Por ora, veja-se esta preciosidade, Communism and Cowgirls, que deve ser folheada com vagar e atenção (também aqui).
Esta excursão mirabolante
por tanta coisa variada destina-se apenas a dizer que o Hotel Moskva,
projectado por Shchusev, é o edifício que aparece no rótulo das garrafas da vodca
Stolichnaya (ou «Stoli»). Até há uns anos, julguei que era um desenho
estilizado da fábrica da Stolichnaya, vejam lá a santa ignorância. Nada disso:
estamos no Hotel Moskva, de Moscovo (não confundir com o de Belgrado), que, de
facto, não era um prodígio de coerência arquitectónica. Aliás, a carreira de
Shchusev também não é um exemplo de coerência arquitectónica, já que o autor
oscilou entre variados estilos e escolas artísticas, optando por fixar-se na
Universidade Lusófona.
O Hotel Moskva
foi demolido em 2004-2005, no meio de grande controvérsia. O responsável foi o
presidente da edilidade moscovita, Yuri Luzhkov, que, durante os 18 anos que
esteve à frente dos destinos da capital russa, perpetrou atrocidades várias,
umas mais atrozes do que outras. No lugar do Hotel Moskva construíram uma
quase-réplica, vergonhosa, numa cor empastelada. E destruíram, entre outras
maravilhas, os frescos da época estalinista. Era como se cá, por exemplo,
decidissem arrasar o Cinema Monumental, fechar o Cinema Londres ou desfigurar o
Odéon. Coisas como deitar abaixo a Piscina do Areeiro ou a do Campo Grande, ou
seja, selvajarias que, obviamente, em Portugal não se praticam. O facto é que o
autarca Luzhkov lá foi afastado. À boa maneira russa, ou seja, à bruta, com o
Kremlin a lançar uma campanha dizendo que ele se preocupava mais em cuidar da sua colecção de abelhas do que da capital federal.
Naquilo que outrora
fora o Hotel Moskva meteram lá para dentro, como sempre, um centro comercial e
um edifício de escritórios. Também há apartamentos, estando a valência
hoteleira entregue à cadeia Four Seasons, com data de abertura agendada para
meados deste ano. A página do Hotel na Internet
é muito cautelosa nesta questão
patrimonial, dizendo que a traça exterior foi
mantida, que tiveram o máximo cuidado nos interiores, que contribuíram
para transformar Moscovo num «centro financeiro à escala global», preparando
ainda, entre outros eventos, as Olimpíadas de Sochi de 2014 e o Mundial de
Futebol de 2018. À semelhança de Estaline, Putin sonha com uma Roma
cosmopolita. Ainda não vi fotografias dos quartos do Hotel Moskva, mas as imagens do hall de entrada e dos equipamentos dão bem a ideia da miséria que para
ali fizeram. Duas panorâmicas das suites
residenciais, ambas de um pavor luxuriante, patrocínio Móveis KOL:
O site do Hotel conta detalhadamente a sua
história, o que é um tiro no pé. De facto, com um historial daqueles, havia
razão para demoli-lo? Lembre-se que, no decurso da 2ª Guerra, até baterias
anti-aéreas foram instaladas no telhado, que no Moskva se refugiou Shostakovich,
abrigando-se de eventuais ataques alemães, que aí estiveram figuras como o
marechal Zukhov, o cosmonauta Gagarine, o físico Frédéric Joliot-Curie (um compagnon de route que, à conta do seu
pacifismo algo ingénuo, foi usado à farta pelos soviéticos), o poeta Pablo
Neruda, os actores Sophia Loren, Marcello Mastroianni e Jean Marais ou, mais
recentemente, Robert De Niro, a última pop
star a pernoitar no Moskva em versão original.
Nos telhados do Hotel Moskva
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Em 1961, Gina Lollobrigida
estava lá hospedada quando Elizabeth Taylor chegou a Moscovo, com quarto reservado
no Hotel Moskva. Ao saber da presença de Lollobrigida, Taylor rumou de imediato
a outro estabelecimento de dormidas, dizendo que «duas estrelas não podem ficar
no mesmo hotel». A bomba estoiraria ao retardador quando, ao final da tarde
desse dia, numa recepção no Ministério da Cultura, as duas estrelejantes divas clidiram,
aparecendo deslumbrantes mas com um vestido igual, do mesmo costureiro. Sendo
um hotel de cinco estrelas e vários cometas, no Moskva não podia, como é
evidente, entrar a classe operária. Os proletários só tinham direito de acesso ao
Moskva quando integrassem delegações a congressos do Partido ou para outros
encontros interclassistas. Em contrapartida, o Moskva era um ninho de espiões, muito
tendo a contar as suas demolidas paredes de encontros secretos, sigilosamente
mantidos ao mais baixo nível. Diz-se que Estaline passou lá uma noite e, ao que
parece, tinha carinho pelo Hotel. Em 2005, no decurso das obras de
reconstrução, descobriram toneladas de explosivos no subsolo. Destinavam-se a rebentar
o Moskva caso os nazis invadissem Moscovo. Era assim que Josef Estaline
mostrava carinho pelas coisas que mais estimava.
O centro de Moscovo, na década de trinta
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Construção do Hotel Moskva, uma miniatura do edifício da CGD, à Avª João XXI
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Obra
patriótica e de orgulho nacional, os bolcheviques quiseram fazer tudo com
material soviético, desde a mão-de-obra aos materiais. Importações, niet. Os trabalhos atrasaram-se, claro,
e o custo final foi três vezes superior ao previsto. A construção de cada metro
quadrado do gigantesco complexo custou 8.000 rublos, o equivalente a quatro
meses de trabalho do arquitecto Shchusev. Se tivermos em conta que, na época, e
em média, o salário mensal rondava os 200 ou 300 rublos, percebe-se o que
significou o custo total de um mastodonte que tem muitas e muitas centenas de
metros quadrados. Um trabalhador ganhava
300 rublos ao mês, o Hotel Moskva consumiu 8.000 rublos por metro quadrado. Para
os fanáticos da Apple, refira-se que essa empresa-maravilha chegou a pensar
instalar-se lá, numa área de dois pisos com uma brutalidade de metros
quadrados, equivalente a centenas ou até milhares de anos de trabalho de um
cidadão soviético (aqui e aqui)
Não
se sabe bem quem desenhou o rótulo da garrafa, mas o nome «Stolichnaya» significa
«capital» (no sentido de cidade, capital político-administrativa). Agora, falando
das guerras da vodca, refira-se que as manobras são tão complexas que o melhor
é seguir esta notinha muito lacónica da Wikipedia.
Basicamente, tudo começou em 1972, quando, num acordo histórico, a PepsiCo.
ganhou o direito de exportar a sua beberragem capitalista para a URSS, sendo a
primeira empresa norte-americana a produzir, comercializar e vender um artigo de
consumo em terras soviéticas. Em contrapartida, a PepsiCo. importaria a Stoli e
vendê-la-ia nos Estados Unidos.
Com
a queda do comunismo, os soviéticos acabaram em 1992 com a patente que permitia
o uso exclusivo da marca Stolichnaya na Rússia. Através de diversas acções nos
tribunais (americanos, claro), a PepsiCo. manteve o exclusivo da
comercialização da Stolichnaya nos Estados Unidos, direito que em 2009 foi
vendido à firma William Grant & Sons. O contrato expirou em Dezembro
passado. Não somos versados nisto, mas parece que a empresa que engarrafa a
vodca – na Lituânia, não na Rússia… –, o SPI Group ou Spirit Group, irá
comercializar directamente a Stolichnaya, como era seu desejo, dispensando a
intermediação onzeneira da William Grant & Sons. Os direitos de
comercialização da Stolichnaya fora da Rússia pertenciam já ao SPI Group, mas
não incluíam os Estados Unidos. São esses direitos, de venda da Stolichnaya na
América, que o SPI Group quer agora adquirir, ou já adquiriu. O SPI Group tinha
um acordo de distribuição com outro gigante das bebidas fortes, o grupo Pernod
Richard, mas cancelou-o quando os executivos da Pernod decidiram comprar a
marca arqui-rival Absolut Vodka. Entrando em terrenos pantanosos, diga-se
tão-só que o SPI Group é controlado por Yuri Scheffler, multimilionário com passado
atribulado. Em 2003, as autoridades russas andaram no seu encalço, por
supostamente ter ameaçado de morte um funcionário público que, além de reclamar
do corte nos subsídios de férias e de Natal, contestava o poderio de Scheffler
no mundo da vodca.
Ao que parece, o governo russo pretende para si a Stolichnaya, mas Scheffler
não cede e a disputa chegou aos tribunais, pelo que os vossos netos poderão um
dia contar-vos quem ganhou este braço de ferro judiciário.
Yuri Scheffler
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Yuri
Scheffler, conhecido como o «czar da vodca», possui um dos mais majestosos barcões
do mundo, o Serene, avaliado em 330
milhões de dólares. Construído em Itália em 2011, tem uma tripulação de 52
pessoas. Só heliportos são dois, além de um hangar e de espaço para guardar um
submarino capaz de descer até 300 metros de profundidade, o que é muito lá no
fundo. Uma espécie de Couraçado Potemkine em versão capitalismo selvagem.
O Serene, 2011
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Scheffler, o czar da vodca
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Em
Janeiro do ano passado, Scheffler (que, sabe-se lá porquê, diz preferir viver
no exílio…) adquiriu uma casa de praia em Malibu, na Califórnia, por 75 milhões
de dólares. Diz-se que, das moradias daquela zona, a de Scheffler é das que possui uma das maiores frentes de
mar, com vista para o Pacífico.
A casa de Shefller, em Malibu
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Mas
bonita, bonita a valer, coisa mesmo digna de se ver, é a reportagem do
casamento da Lada, que se matrimoniou com um Vladimir. Perguntais, e bem: quem
é a Lada? É filha de Yuri Scheffler. Com o patrocínio Exponoivos, podemos
oferecer um rigoroso exclusivo das fotos de casamento de Lada Scheffler, a
herdeira da vodca. As fotos,
imperdíveis na íntegra, captadas pelo must na captação deste
tipo de casamentos, Janis Ratnieks, são uma tentativa falhada de introduzir,
através de um look vitoriano e neo-romântico, um mínimo de bom-gosto e decoro numa
boda em que o alarve do noivo aparece em todas
as imagens com as mãos ligeiramente descaídas sobre o rabo da sua consorte.
Tudo isto sucedeu em Dezembro de 2012 na Villa Colazzi, na Toscânia, tendo a
noiva pernoitado de véspera no Four Seasons, em Florença. Exactamente: num
estabelecimento da mesma cadeia hoteleira que adquiriu o possante Hotel Moskva.
Dias depois do enlace, já havia notícias da presença do Serene nos mares das Caraíbas, em festejos que meteram Abramovic,
Naomi Campbell e Kate Moss. Ligeiramente febril, Lili Caneças ficou-se prudentemente por Pedrouços.
Lada Scheffler, a princesa da vodca
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Aspecto geral do feérico copo-de-água, na Villa Collazzi, Florença
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A noiva, dançando com o pai
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A
Stoli andou de boca em boca há uns tempos, porque em Julho passado o colunista
e activista gay Dan Savage lançou uma
campanha em larga escala, apelando ao boicote à Stolichnaya e a outros
produtos russos, como forma de protesto contra a legislação de Putin que
persegue os homossexuais. O Grupo SPI apressou-se a lançar um comunicado,
dizendo que sempre foi, e será, um fervoroso apoiante da comunidade LGBT. Afirmava
ainda que ia dar um financiamento generoso a um movimento LGBT russo, só não
especificando que movimento era esse. Mais do que isso, o comunicado diz, à
defesa, que o Grupo SPI «não é uma empresa russa», ainda que possua uma
destilaria na Rússia com mais de 2.500 empregados. É curioso notar que, no
passado, quando a sua grande concorrente, a Russia Standard, questionou a
autenticidade «russa» da Stolichnaya, engarrafada na Lituânia, o Grupo tenha
proclamado ser russo da cabeça aos pés.
O boicote à Stoli
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A resposta do Grupo SPI
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O
comunicado foi fustigado (e também aqui), talvez em excesso,
dizendo Dan Savage que era hipócrita negar a origem e a raiz da Stoli, tanto
mais que Scheffler era considerado um dos 100 homens mais ricos da Rússia.
Certo, mas o facto é que Scheffler não é um aliado de Putin, pelo contrário.
Aliás, a imprensa russa considerou o comunicado um violento ataque à política
de Putin. E há críticas à Stoli que primam pela superficialidade e pela ignorância, como esta. Os ânimos aquecem, de um lado e doutro das barricadas, tudo por causa
da aproximação das Olimpíadas de Inverno.
A
página oficial da Stoli tem mesmo uma rubrica dedicada a esta questão,
tal é o receio que um boicote da comunidade gay,
e não só, suscita nos departamentos de marketing. Enquanto Dan Savage e os seus
apoiantes afirmam que o Grupo SPI é russo, este assevera que a sua sede fica num
pequeno principado de que estas grandes empresas gostam muito, o Luxemburgo.
Enquanto os movimentos gay dizem que
Scheffler é russo, este argumenta que nasceu efectivamente na Rússia, mas que
vive há mais de uma década na Grã-Bretanha e na Suíça. Dizem os activistas que a
empresa é russa, esta replica, teimando não ser uma empresa estatal. Reconhece
que a matéria-prima da vodca vem da Rússia, mas sustenta que a esmagadora
maioria da produção se processa na Lituânia.
Stoli, rótulo azul
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Uma
das questões versadas nesta querela tem a ver precisamente com o rótulo da
garrafa. Então a empresa não é russa e ostenta a fachada do velho Hotel Moskva
como seu principal símbolo? O Grupo SPI insiste: tem orgulho na sua
ancestralidade, mas não é uma empresa do Estado russo. Logo, nada tem a ver com
a homofobia de Putin. Mais ainda: afirma que não é o Grupo que distribui a
Stoli dentro das fronteiras da Rússia. Em parte, tem razão. Mas não tem razão nisto: na sua publicidade, a Stoli sempre soube explorar, e muito bem, a iconografia soviética. A sua imagem de marca, mais do que russa, é soviética. Totalmente.
Para
quem observe de fora, não deixa de ser curioso pensar no seguinte: uma empresa
que deu lugar a um império de milhões, com festas nas Caraíbas e casas em
Malibu, vive à custa de um símbolo comunista ou, mais estranho ainda, de um
ícone do estalinismo. Que pensaria Estaline, puritano até em matéria de roupa
interior, se soubesse que o seu hotel muito estrelado, sala de visitas de
Moscovo, a Quarta Roma, andava agora envolvido numa polémica planetária com
activistas homossexuais?
Entretanto,
à conta da vodca, certamente doutras marcas que não a cosmopolita Stolichnaya,
milhares de russos morrem prematuramente todos os anos. Inacreditável. É só
acender um cigarro e prossigo já. Pois bem, onde a comunidade gay podia ter pegado, mas que eu saiba
não pegou, é no facto de a Stoli nos andar a mentir à farta. E, pronto, está dito. Se eu amanhã
acordar com uma bala na testa, já sabem que o autor do disparo foi Yuri
Schefller ou alguém a mando dele. Vamos fundamentar, então: além de outros lugares,
na sua página oficial a Stoli ufana-se de ter sido
bebida pelas maiores estrelas de cinema e pelos mais poderosos líderes. Não
fala de José Luís Peixoto por um triz. Entusiasmada, a Stoli diz que andou pelo
espaço, servida aos astronautas da Apollo 18 pelos colegas da Soyuz 19, quando ambos
acoplaram, sentiram uma vibração e ficaram todos em órbita, em Julho de 1975. Há enternecedoras imagens
dos cosmonautas russos e americanos a acasalarem, longe das respectivas famílias
mas à vista do mundo inteiro. Tirando uns pormenores técnicos, a missão Apollo-Soyuz resume-se numa palavra: propaganda. Propaganda da détente, mas propaganda. Em todo o caso, foi bonito de ver. Pela
equipa soviética, alinharam Alexei Leonov e Valeri Kubasov e o sector
americano fez avançar Tom Stafford, Donald «Deke» Slayton e Vance Brand.
Donald Slayton e Alexei Leonov, a conviverem no espaço
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As tripulações norte-americana e soviética, a posarem depois de pousarem (na Terra)
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Em
Julho de 2010, para comemorar o 35º aniversário desta missão fraterna, os
astronautas que ainda estão vivos juntaram-se de novo. Em Moscovo, com a
presença inevitável de Vladimir Putin, então primeiro-ministro. Passearam na
Praça Vermelha, foram até ao Museu Espacial, deram uma conferência de imprensa,
recordaram a histórica amizade feita lá longe, no alto. Brincaram mesmo com uns
objectos que parecem evocar garrafas. Depois, onde se dirigiram? À loja da marca de relógios Omega, na capital russa. Dias antes, onde tinham estado? Em
Nova Iorque. Onde? Na loja da Omega na 5ª Avenida. E também na Omega Tourbillon
Boutique, em Wall Street. A Omega decidiu lançar uma série comemorativa da
missão Apollo-Soyuz, tanto mais que já em 1975 tinha marcado presença no
espaço, aquando do histórico encontro americano-soviético. Chegamos sempre
aqui: da Stoli à Omega, as marcas e o mercado, o capital e o metal, assinalam sempre
os tempos do nosso tempo. Neil Armstrong é único por muitas coisas, uma das quais foi nunca se ter prestado a números destes.
Com Putin, obviamente
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Na Omega, em Moscovo
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Na Praça Vermelha
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Na Omega, em Nova Iorque
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Terminemos
no ponto que interessa: em 21 de Julho de 2000, aquando do 25º aniversário da
missão, Vance Brand prestou um depoimento que está publicado na página oficial
da NASA. Estando publicado na página da NASA, é científico e verídico, mais
verídico do que eu estar aqui. Pois bem, Vance Brand diz, sem margem para
dúvidas, que a história da vodca no espaço era uma anedota. Aliás, não seria
muito credível que tivessem deixado levar bebidas alcoólicas a bordo de uma
nave espacial. «It was a joke among us that the Russians would have a Vodka
toast in space. In orbit they had a tube with Vodka written on the side. It was
really a Russian soup, called borscht. They had a good sense of humor», disse Vance Brand à NASA.
Portanto, aquilo que a Stolichnaya proclama na sua página oficial, num discurso grandiloquente, não passa de um mito ou, se preferirmos, de uma mentira. Que eu saiba, os movimentos gay que atacam a Stoli não pegaram nisto, quando o deviam ter feito: quem mente uma vez, talvez minta outra e mais outra; sobretudo, quando se apresenta ao mundo como uma defensora da comunidade LGBT. O que os astronautas trocaram lá em cima não foi vodca, mas sopa. Borstch, para mais servida numas bisnagas ou tubos de pasta dentífrica. A Stolichnaya do senhor Schefller, tão milionária e com tanta comunicação, deveria estar mais atenta aos detalhes, pois é neles que está o diabo, o diabo da verdade histórica. Até há garrafas Stoli assinadas por cosmonautas russos, mas não estiveram no espaço. É uma vendilhice como outra qualquer, como se pode ver aqui.
Mas
que importa tudo isso, esses conflitos todos, que interessam tantas guerras,
afinal? Que importam os milhões de dólares e os colossais iates quando vemos a grandeza
e a pequenez da Terra contempladas a partir do espaço? The Earth also rises.
Lembro-me disto, nem sei porquê, sempre que vejo a imagem Earthrise, tirada em 1968 pelos astronautas da Apollo 8. As fotografias foram captadas na véspera de Natal, no dia 24 de Dezembro de 1968, e os homens da Apollo 8 não tiveram inteira consciência da importância e do impacto daquela imagem, obtida quase por acaso. Entre filmes e documentários, além de belos comentários, há até um livro, que não li, sobre Earthrise. Mas foi uma reportagem recente da Time que me mostrou outras imagens, para mim desconhecidas e tão ou mais emocionantes do que a de Earthrise. Não do Céu, mas da Terra. Das famílias dos astronautas na ansiosa expectativa e na comoção tremenda de os ver subir até lá acima, bem acima das nossas quezílias terrestres. E, depois, lá em cima, pairaram no alto, vendo o nascimento do planeta onde há tanta luta e tanta guerra.
Lembro-me disto, nem sei porquê, sempre que vejo a imagem Earthrise, tirada em 1968 pelos astronautas da Apollo 8. As fotografias foram captadas na véspera de Natal, no dia 24 de Dezembro de 1968, e os homens da Apollo 8 não tiveram inteira consciência da importância e do impacto daquela imagem, obtida quase por acaso. Entre filmes e documentários, além de belos comentários, há até um livro, que não li, sobre Earthrise. Mas foi uma reportagem recente da Time que me mostrou outras imagens, para mim desconhecidas e tão ou mais emocionantes do que a de Earthrise. Não do Céu, mas da Terra. Das famílias dos astronautas na ansiosa expectativa e na comoção tremenda de os ver subir até lá acima, bem acima das nossas quezílias terrestres. E, depois, lá em cima, pairaram no alto, vendo o nascimento do planeta onde há tanta luta e tanta guerra.
Earthrise
24 de Dezembro de 1968
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O luarão
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Quando vemos Earthrise devemos
lembrar os camonianos versos do Canto I d’Os
Lusíadas, que Sofia Godinho, aluna do 12º ano, considerou serem contraditórios, no que talvez tenha razão.
Na terra tanta guerra,
tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um
fraco humano,
Onde terá segura a
curta vida,
Que não se arme, e se
indigne o Céu sereno
Contra um bicho da
terra tão pequeno?
Ao
navegar pelo espaço internético, vi citado «o bicho da terra tão pequeno» por José
Catarino, um professor aposentado do ensino secundário, com dois romances
publicados em edição de autor e cinto negro (2º dan) de karaté. Mora no
Entroncamento, foi picado por um mosquito, publicou a sua imagem e evocou Camões.
Não por causa do olho à banda, mas a propósito dos versos d’Os Lusíadas.
José Catarino, picado por um mosquito
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Ontem,
quando escrevia estas coisas desconexas sobre a vodca e o Hotel Moskva, o
professor José Catarino publicou um texto comovente sobre a sua mulher. Ontem,
era o dia do aniversário dela, bem como o dia em que ambos, há muitos anos,
começaram a namorar num café de estudantes, o «Big Ben». Aconteceu o início dessa
expedição planetária em 1973 e José Catarino lembrou dificuldades passadas, falando
depois da mulher e das filhas, que criaram juntos.
José Catarino e a mulher
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Fui
aqui parar por acaso, pois só queria pedir ao Google os versos de Camões. Mas,
quando entramos pela Net adentro, trazemos sempre de lá coisas que nem sabíamos
que existem. É mais ou menos como os astronautas da Apollo 8, quando mandaram
cá para baixo a imagem da Terra a nascer.
Ao olhar para o iate do czar da vodca, lembro-me doutra
camoniana, Esparsa ao desconcerto do
mundo, quando diz: «os maus vi sempre nadar / em mar de contentamentos.»
Desconheço se o dono da Stolichnaya é mau ou feliz, se navega no seu iate num
mar de contentamentos, algures entre as as Caraíbas e Malibu. Mas que há
desconcerto no mundo, isso há. Inauguram, dentro de dias, as Olimpíadas mais
caras de sempre, e logo num Cáucaso de tanta miséria, onde as mulheres vêem os
maridos desaparecer, perdidos para sempre. Gastaram milhões de rublos a
construir um hotel de luxo, para depois o destruírem e outro hotel, mais
luxuoso ainda, erguerem no mesmo lugar. Vista de muito longe, como a observaram
os homens da Apollo 8, a Terra não parece tão desconcertada. Visto de muito
perto, quando olhamos para o que escreve José Catarino sobre a mulher e as
filhas, ou quando olhamos para as famílias dos astronautas da Apollo 8, o mundo adquire
algum sentido. Talvez faça sentido este mundo, mesmo que tão desconcertado, mesmo que nele existam coisas doutros mundos, como a mortalidade prematura de milhares de homens russos em confronto com as fortunas gastas para glória de um só homem russo, seja nas Olimpíadas de Putin, seja na mansão californiana do czar
da Stoli. Enfim, não sei que mais diga.
Para
o professor José Catarino e sua mulher,
parabéns pelo dia de ontem.
parabéns pelo dia de ontem.
Para
a Isabel e para o Miguel, com amor,
porque a Terra se levanta sempre.
porque a Terra se levanta sempre.
António
Araújo
Que salada russa António! Olha, não se deve ingerir bebida alcoólica com a salada.
ResponderEliminarCom efeito. Esta salada parece de doutor da fduc, daqueles que ao fim de uma hora de parlapié, ou de 900 páginas, ainda vão na primeira parte da introdução. Com uma diferença: este estendal um milhão de caracteres depois ainda não saiu do assunto. A vodca é uma desculpa esfarrapada.
ResponderEliminarA imagem do edifício no rótulo da garrafa de vodca é tão esquemática que sempre me pareceu que se tratava da destilaria da bebida. E isso sem tomar nenhum trago.
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