O
Tränenpalast (Palácio das Lágrimas)
não é dos locais mais visitados de Berlim, nem sequer consta da generalidade
dos guias turísticos. E, no entanto, é um dos lugares mais emblemáticos e expressivos
da divisão da Alemanha. Num certo sentido, mais impressionante até do que o
próprio Muro. Pelo menos, mais comovente.
O
edifício é lindíssimo, parecendo uma nave de cristal, com linhas rectas e
funcionais. A função justifica o nome. Situado nas imediações da estação
ferroviária de Friedrichstrasse, a qual ficava inteiramente do lado da RDA, era
no Tränenpalast que se processava a
passagem dos alemães de Leste. Daí o nome por que ficpou conhecido na gíria
berlinense. Desde que foi aberto, em 1962, dez milhões de pessoas atravessaram
aqui a fronteira entre dois regimes. A passagem era um momento de ansiedade e
expectativa, que tanto se poderia realizar em quinze minutos como durar várias
horas. «Palácio das Lágrimas» pois era um lugar de despedida e de separação,
muitas vezes sem se saber por quanto tempo – talvez para sempre.
Após a queda do Muro, o edifício foi
usado como clube nocturno até 2006. Em 2003, alguns apetites imobiliários
estiveram prestes a deitá-lo abaixo, aproveitando o seu espaço e toda a área
envolvente. O Palácio das Lágrimas seria classificado, recuperado pela Fundação da História da República Federal Alemã e hoje pode ser visitado.
Vários lugares de Berlin evocam o tempo
das duas Alemanhas e já falámos aqui da Östalgie,
bem como do muito comercial DDR Museum. Não é o que acontece com o Palácio das
Lágrimas, de entrada livre. No melhor livro que conheço sobre o Muro, da
autoria de Frederick Taylor, sobre o qual escrevi aqui, conta-se a história da construção, as
vicissitudes que atravessou, as dramáticas tentativas de fuga. Mas pouco se
fala do quotidiano dos que atravessavam a Alemanha fracturada, do que foram as
lágrimas da separação. Era aqui, no Palácio das Lágrimas, que os alemães de Berlim-Oeste se despediam dos familiares e amigos que não podiam viajar até ao Ocidente. O edifício foi reinaugurado em 2011 pela chanceler Merkl e
teve mais de 30.000 visitantes nas primeiras duas semanas de abertura ao
público. Esta será, porventura, uma forma de muitos alemães exorcizarem o
fantasma do nazismo, assumindo que também eles tiveram o «seu»
passado de sofrimento. Um passado de dor alemã, exclusivamente germânica. Talvez
isso nos ajude a explicar a actualidade, muito mais do que supomos.
Para a História ficam as palavras de
José Saramago, num livro publicado por ocasião do trigésimo aniversário da República
Democrática Alemã. Na edição em língua francesa, Impressions. Naissance et devenir de la R.D.A., recolha de
depoimentos de intelectuais de todo o mundo, que abre com uma fotografia de
Erich Honecker:
“La République démocratique allemande a
enrichi la puissance expressive du mot «possible». En d’autres termes, elle a
repoussé la limite entre ce que l´on croyait possible, entre ce que l’homme
considérait comme réalisable et ce que seules certaines utopies admettaient
comme possible. Intentionnellement, je ne me réfère pas ici aux avantages d’une
meilleure qualité de la vie, ni aux nouvelles réalisations culturelles. Je me
réfère essentiellement à cette autre partie du travail collectif que l’on ne
peut caractériser par un mot. J’oserai appeler la réforme de l’homme, entendant
par là l’homme nouveau dans la nouveauté qu’il a lui-même choisie.”
No Palácio das Lágrimas, existiam
três entradas separadas: para alemães de Leste, para alemães de Oeste e para os
diplomatas ou convidados da RDA.
António Araújo
Carimbo no passaporte,
na entrada da Frierichstrasse
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Neste local que visitei em Outubro passado senti uma raiva imensa. Uma raiva pela aquiescência, pelo silêncio e pela omissão dos intelectuais europeus, portugueses incluídos. Intelectuais que nunca tiveram a coragem de admitir o erro, o que os poderia remir. Não. Mantiveram-se intoleravel e arrogantemente no seu erro aureolados de uma superioridade moral. Só lhes encontro um nome: filhos de uma grandessíssima....
ResponderEliminarCaro António Araújo, acabei de visitar Berlim e aproveitei, em grande medida, o seu roteiro que aqui publicou. Este museu, em particular, é absolutamente imperdível. Um muito obrigado e que nos continue a brindar com o seu blog. Já agora, adquiri um livro sobre esta temática, mais propriamente a perspectiva de uma adolescente sobre a queda do muro. Bastante elucidativo. A autora chama-se Jana Hensel e o livro chama-se After the Wall. Cumprimentos. João Castro - Porto
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