segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Memórias perdidas - 6


 
 
 
 
Estas não são propriamente memórias perdidas, uma vez que o livro ainda se encontra à venda. Comprei-o em Seia, há alguns meses, e, apesar do preço um pouco elevado, vale a pena reter as Memórias de um Deputado da Província na Assembleia da República, de Alexandre Monteiro.
O autor nasceu em 1941, quando os pais se deslocaram em negócios da cidade do Porto, de onde eram naturais, à aldeia de S. Francisco de Assis, no concelho da Covilhã. Por pouco, Alexandre não nascia no comboio, acabando por ver a luz no interior do país, onde deixou raízes que constantemente evoca nestas Memórias. Pouco depois do nascimento, a família foi viver para a aldeia de Menoita, concelho da Guarda, sendo esta a cidade que, na presente autobiografia, o autor considera como sua terra natal. Segundo diz, pela Guarda lutou arduamente, em vários momentos da sua vida, especialmente quando foi deputado ao Parlamento da República.
Militante social-democrata desde a primeira hora, Alexandre Monteiro conta como, em Maio de 1974, um grupo de amigos, que habitualmente se reunia no Café Monteve, escutou com atenção e fervor as palavras de Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota. Depois de ouvirem, quiseram saber mais. O dr, Afonso Paiva, ilustre médico da Guarda e amigo de Mota Pinto, enviou-lhes alguma documentação. Lidos os textos, marcaram uma reunião com o dr. Lacerda, juiz do Tribunal da Guarda, «que lhes explicou os princípios da social democracia».
Assimilada a doutrina, iniciaram-se as reuniões. Entre cervejas e presunto, na cave da loja do sr, Matos e na casa do dr. Pilão. Em Junho, o engenheiro Fernando Oliveira trouxe as fichas de inscrição. Vários nomes assinaram, em memorável encontro tido na quinta do Pisão, Guilhafonso, propriedade do sr. Alberto Pereira de Matos. Dos convocados para o meeting, um não quis assinar e outro não foi aceite, por razões que Alexandre Monteiro prudente e elegantemente omite.
Encontraram sede, os sr. Matos forneceu a secretária, o sr. Tracana a máquina de escrever. Tudo em segunda mão, claro está. De seguida, sessões de esclarecimento, animação da população, com o primeiro grande comício a ter lugar em Janeiro de 1975, no Cine Teatro (da Guarda). Alguns elementos do MRPP tentaram boicotar o comício fundador, sem êxito. Pois até o padre Umbelino correu com os agitadores maoístas, correndo-os a soco pelas escadas abaixo do Cine Teatro!
No ano quentíssimo de 1975 houve grande agitação por terras guardenses, com o sr. Armando Marques a pedir a um amigo que lhe colocasse documentos num lugar seguro, e o sr. Gaspar a esconder papelada no interior de um fardo de lã, na fábrica de lanifícios do Sr, Abel Pilão (já citado). Corria o rumor de que um camião carregado de armas iria dar entrada por Vilar Formoso, às ordens do governo franquista. Sete indomáveis (quatro de Viseu, três da Guarda) foram a Espanha, falar directamente com Franco. Dois deles seriam recebidos pelo Generalíssimo, a quem contaram do perigo de Portugal ser subjugado pelos comunistas. Quanto à história do camião de Vilar Formoso, leia-se o livro de Alexandre Monteiro, que vale a pena.
É um retrato curioso, delicioso, naturalmente parcial e engagé, das lutas políticas e sindicais travadas a seguir ao 25 de Abril e nos anos subsequentes. Sá Carneiro é evocado, como também seria de esperar, referindo o autor que um dia, em Agosto de 1975, viu o líder do PPD, na companhia da sua secretária Conceição Monteiro, a veranear na Ilha de Faro. Alexandre Monteiro, que passava férias por ali, junto com a sua esposa, Maria Auxiliadora, e um casal amigo (o sr. Castro Lopes e D. Mariazinha), não perdeu a ocasião soberana de cumprimentar Sá Carneiro, que agradeceu o gesto.
O livro é recheado de histórias deste género (recorda-se, por exemplo, a falsa ameaça de tsunami, em 23 de Agosto de 1999, que surpreendeu o autor em Armação de Pêra, onde habitualmente passa o período estival). Além de histórias, fotografias extraordinárias na sua vulgaridade; instantâneos da passagem pela Guarda de grandes nomes do partido, de Mota Pinto a Cavaco Silva.
Enfim, o Parlamento. Talvez a parte menos apelativa destas Memórias, com transcrição de documentos daquele que, para os maldosos, é uma versão aggiornata de Calisto Elói. Talvez seja, pouco importa. O que interessa é que viveu a sua vida, d’antes quebrar que torcer, amigo do seu amigo. Teve dois filhos, foi operário da Renault e deputado da República. Em 1985, fundou os TSD no distrito da Guarda, sendo seu presidente durante 24 anos. Hoje está aposentado, escrevendo estas memórias, que dedica à família, e onde no pórtico agradece, entre outros, a Michael Pinto Rita (da Pastelaria Rossio), a José Gralha (da Soviauto), a Delfim Augusto Pereira Gomes (da Moderna Jolalharia), a António Rocha (da Churrasqueira / Take Away / Servipronto), à Casa China de Egichina - Comércio de Artigos Chineses, Lda., a Manuel Carvalho (do restaurante O Mondego) e à Garrafeira A Botelha.   
O livro foi escrito numa mesa da Pastelaria Rossio, propriedade do sr. Michael Pinto Rita. Uma fotografia mostra o autor a redigir estas memórias, de onde não falta, cúmulo da delicadeza, um agradecimento a Isabel Cristão, «de sorriso alegre e fácil nos lábios», empregada daquela distinta pastelaria do centro da Guarda. É nesse estabelecimento que se aloja uma tertúlia que fala de tudo – política, futebol, caça – e todos os meses janta ou almoça na quinta Vale de Lobos, na Vela, concelho da Guarda, propriedade do dr. Alípio Gomes Filipe. Cozinham o repasto o dr. Soares Gomes e o prof. João Gonçalves. A ementa oscila entre a canja de perdiz, o arroz de tordos, o faisão no forno com ameixas, a caldeirada de cabrito à angolana ou uma feijoada de búzios, tudo acompanhado de vinho tinto e do «incontornável queijo da serra». Para animar os convivas, apresenta-se à viola o juiz desembargador dr. João Inácio. E, todos juntos, cantam o fado.

 
 
 

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