sábado, 10 de fevereiro de 2018

Notas sobre A Grande Onda - 4

 
 

 
         4.
 
         Ao contrário do que se possa pensar – e ao contrário da imagem vulgar que dela se tem no Ocidente –, A Grande Onda não é a «quintessência do Japão», como justamente observa Neil MacGregor (Uma História do Mundo em 100 Objectos, Temas e Debates-Círculo de Leitores, pp. 575ss.
 
         Na verdade, a presença de elementos ocidentais de origem europeia, como a coloração em azul da Prússia ou a introdução da perspectiva, afasta decisivamente a xilogravura de Hokusai de uma essencialidade nipónica, por assim dizer, convertendo-a antes num trabalho híbrido, onde confluem traços especificamente japoneses e outros provindos do exterior.
 
 
         De igual modo, A Grande Onda não encerra um ciclo da história da xilogravura japonesa, sendo talvez, mais propriamente, um trabalho que inaugura uma nova etapa na trajectória dessa arte, o que é patente, desde logo, no pioneirismo e no carácter vanguardista da série em que se integra, 36 Vistas do Monte Fuji. Aí residiu, aliás, uma das razões da sua popularidade no Japão de 1830.     
 
         Num outro sentido, A Grande Onda é igualmente pioneira ou, melhor dizendo, representa o prenúncio de uma abertura ao Ocidente que se concretizará em pleno década mais tarde, muito por acção da «diploma da canhoeira» que o comodoro Matthew Perry imporá ao Japão em 1853, ao quebrar pela força o isolamento do país, obrigando-o a encetar relações comerciais com os Estados Unidos.
 
         Curiosamente, alguns observadores do Japão dessa época consideram que o período em que foi feita A Grande Onda corresponde ao declínio da xilogravura japonesa. É o caso de Basil Hall Chamberlain (1850-1935), professor da Universidade de Tóquio, que no clássico livro-enciclopédia Things Japanese, de 1890, escreve o seguinte: «após 1830, as cores foram-se tornando mais berrantes. A introdução de pigmentos europeus de baixa qualidade, os problemas associados à abertura do país ao comércio e a concorrência de gravuras europeias de baixa qualidade levaram à decadência da arte da gravura japonesa» (Cosas de Japón. Apuntes y notas del Japón tradicional, trad. castelhana, Satori Ediciones, 2014, p. 196).
 
         A partir daqui poderíamos chegar a duas conclusões surpreendentes para os que, no Ocidente, julgam ser A Grande Onda  a síntese perfeita da alma japonesa, convertida em ícone de massas: por um lado, a xilogravura de Okusai não corresponde ao pulsar dessa alma na sua acepção mais pura e ancestral; por outro, constitui não um sinal do apogeu desta arte tradicional japonesa mas o sintoma do seu ocaso.  
   

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